"Depois de um tempo - disse a senhora a ela - "você vai acabar percebendo que a vida é longa o suficiente pra que muita merda aconteça. Essa é a verdade. O tempo... Ele não cura nenhuma ferida, mas ele te permite ferir-se tantas vezes que as feridas vão se tornando ordinárias."
Odile não soube bem como reagir àquela declaração. Todas as vozes e pessoas lhe pareciam borradas, mas aquela figura subitamente se fez nítida - e embaraçosa, em algum nível.
"Sei que agora vai parecer insensível da minha parte, mas tampouco tenha pressa pra entender conselhos de pessoas mais velhas. Viva sua dor e seu momento. O tempo também não tem pressa de ensinar nada a ninguém."
A senhora lhe tocou o ombro com um semblante de pesar comedido, porém honesto - ainda que de forma estranha. Odile teve a sensação de que a compaixão da mulher não fora gerada por aquela infelicidade específica, mas por uma infinidade de segundos que se seguiriam até o fim da sua vida durante os quais teria que conviver com suas mágoas.
Para todos os lados que olhava, Odile via a dor e cada parte do seu corpo parecia ter uma fina agulha enfiada em toda a cobertura de pele. A dor era um terremoto que brotava no âmago, do colo do seu morto útero em luto. Parecia carcomer seus nervos como ferrugem aos cabos de eletricidade, entupindo-lhe de varizes informacionais. Onde estaria? Não se lembrava de ter chegado àquele supermercado fluorescentemente iluminado e segmentado em extensas estantes e corredores de produtos.
Sem mais palavras, a anciã seguiu em direção ao caixa preferencial e deixou Odile - ainda meio estarrecida - sozinha na fila de compras rápidas. Olhou para o conteúdo da própria cesta: um saquinho de sequilhos, café, cigarro, 3 pacotes de macarrão instantâneo e um frasco de pepinos em conserva: do mexicano, não do suave.
"A dieta de uma campeã" pensou, rindo da própria ironia. Assombrou-se: já nem lembrava mais do que era o riso, o deboche. Uma parte dela se sentiu ultrajada, como se aquele humor tirasse a importância do seu luto. E de alguma forma tirava mesmo, mas sentiu o fenômeno muito mais como um descarrego, um alívio do peso, do que como uma ofensa à sua própria dor.
Sozinha, consigo, Odile riu de si mesma a fila do supermercado. Os olhares confusos dos outros clientes apenas tornando tudo ainda mais cômico, Pagou as compras contendo-se para não rir diante da atendente do caixa. Não sabia quem tinha colocado dinheiro na sua conta... Talvez o pai, talvez o próprio Leonardo. Sim, devia ter sido um deles. Não lembrava da última vez que havia sequer trabalhado. Agradeceu à atendente e recolheu os sacos plásticos, colocando-os dentro do carrinho de compras de arrastar.
"Sou como uma velhinha" pensou, olhando de relance para a senhora que lhe falara na fia do caixa. "Arrastando esse troço, usando esse vestido quase que saído do armário de uma viúva amargurada... Que no fundo é o que sou."
Desviou o olhar antes que a idosa o percebesse e dirigiu-se à saída, arrastando o carrinho atrás de si. Cruzou a rua vazia na faixa de pedestres e desceu o declive da sua rua até bater os pés na soleira da porta. Digitou a senha a fechadura eletrônica - sem pensar - e abriu a porta de madeira escura. Ao entrar, notou que uma grande quantidade de envelopes brancos se acumulavam num montinho ao lado do tapete. Abaixou-se, agarrando-as nas mãos e arrastou o carrinho até a cozinha, vagamente olhando os remetentes dos envelopes.
Um flor murchava num vaso cheio de água velha e amarelada, no centro da mesa da cozinha. Um bilhete jazia sob seu peso. Odile pôs os envelopes junto ao bilhete e pôs-se a guardar as compras no armário, coisa que não levou muito tempo, devido à quantidade de itens adquiridos, mas que lhe permitiu perceber uma grossa camada de poeira as prateleiras. Seu nariz coçou e ela reprimiu um espirro.
Pegou a flor, parando um segundo para lembrar de alguma coisa. Franziu o cenho. Agarrou o vaso e jogou a água suja na pia e a flor murcha no lixo. "Já estava morta quando me deram" pensou, o remorso apenas passando longínquo e dissipando-se junto com o cheiro doce de decomposição.
Como as notas de uma melodia que no início não fazem sentido, mas depois começam a soar familiares.
terça-feira, 27 de dezembro de 2016
terça-feira, 20 de dezembro de 2016
42276**
Se saia da minha cabeça, namoral
Eu sempre que te encontro
Vou pra outro plano astral
Ariano
E me pego imaginando
O teu corpo chei' de sal
Como gata, te limpando
Areiando
A minha língua já salgada
E enroscar meu pé no teu
Até de madrugada
Suspirando
Na tua mão tão calejada
E uma hora dessas
Inclusive já cansada
Me encarando
Com esses olhos de caboclo perigoso
Me alisando com o olhar
Diz que quer ser meu amigo
Se essa porra não vingar
Mas é também divino maravilhoso
E me arriscando em alto mar
Me jogo no mundo contigo
Se essa porra não virar
Eu sempre que te encontro
Vou pra outro plano astral
Ariano
E me pego imaginando
O teu corpo chei' de sal
Como gata, te limpando
Areiando
A minha língua já salgada
E enroscar meu pé no teu
Até de madrugada
Suspirando
Na tua mão tão calejada
E uma hora dessas
Inclusive já cansada
Me encarando
Com esses olhos de caboclo perigoso
Me alisando com o olhar
Diz que quer ser meu amigo
Se essa porra não vingar
Mas é também divino maravilhoso
E me arriscando em alto mar
Me jogo no mundo contigo
Se essa porra não virar
segunda-feira, 12 de dezembro de 2016
22.10.16 - ...va...ou...ria
Tua presença me enoza a garganta
E se te aproximas
Sinto latejar as veias
Teu olhar já me tira a roupa
Tua música me fecha os olhos
Teu silêncio me deita na cama
Tua respiração me adormece
Teu cheiro me desperta
Teu gozo me ilumina...
... va
... ou
... ria.
E se te aproximas
Sinto latejar as veias
Teu olhar já me tira a roupa
Tua música me fecha os olhos
Teu silêncio me deita na cama
Tua respiração me adormece
Teu cheiro me desperta
Teu gozo me ilumina...
... va
... ou
... ria.
terça-feira, 6 de dezembro de 2016
"Resposta a Carta de Amor" ou "Um Dia Ainda Te Direi Adeus"
Fora de mim
Te atiraria do alto de um prédio, se pudesse
Meu pulso pulsa sob várias camadas de injúria
Pulmões revoltados paralisam mais de mil alvéolos em contração
Minha rejeição por ti é física
O estômago entra em espasmo vomitílio
Ao enxergar teus rastros e teu caminho pútrido
Bota pra fora
Fizeste dela a caveira
E em sua cabeça puseste chifres de demônia
E a deixaste carregar sozinha
A cruz que ajudaste a talhar
Cafajeste
Fora que é também fantoche oblivioso
Tolo...
Exorcizo-te de meu berço esplêndido
Expurgo tua raça como praga
Fora do meu alcance
Mas não por isso te vou a perdoar por um segundo
Ou mesmo acomodar-me baixo tua asa pútrida
Nem se fosse exílio
Nem se
FORA
E ainda que o poder do veneno letárgico que espalhas me deixe impotente
Fora de mim
Ou disso crente
Um dia ainda te direi adeus
Mas
Hoje e sempre,
FORA, TEMER.
Te atiraria do alto de um prédio, se pudesse
Meu pulso pulsa sob várias camadas de injúria
Pulmões revoltados paralisam mais de mil alvéolos em contração
Minha rejeição por ti é física
O estômago entra em espasmo vomitílio
Ao enxergar teus rastros e teu caminho pútrido
Bota pra fora
Fizeste dela a caveira
E em sua cabeça puseste chifres de demônia
E a deixaste carregar sozinha
A cruz que ajudaste a talhar
Cafajeste
Fora que é também fantoche oblivioso
Tolo...
Exorcizo-te de meu berço esplêndido
Expurgo tua raça como praga
Fora do meu alcance
Mas não por isso te vou a perdoar por um segundo
Ou mesmo acomodar-me baixo tua asa pútrida
Nem se fosse exílio
Nem se
Fora de mim
Ou disso crente
Um dia ainda te direi adeus
Mas
Hoje e sempre,
FORA, TEMER.
quinta-feira, 24 de novembro de 2016
Antílopes
O mundo todo parece cheirar a malte e desejo apenas que fora o teu perfume a impregnar-me a carne. Um brilho verde-azulado, desses de pedra de bruxa que me faz sentir pequenos peixes de cor translúcida me fazendo cócegas nos pés, prendendo fogo em meus poros. Os peixes turvam a água. Talvez eu esteja alucinando.
Olhos repuxados me encaram. Olhos que preferem a escuridão à distância fria, que preferem o silêncio às futilidades, às vezes, em noites dessas de duas-da-manhã. E isso não sei, ainda, se por ocasião de êxtase ou por arrepio inconsciente causado por minha presença.
Mas se pudesse voltava no tempo, não tirava a segunda rolha. É uma lembrança tão infame, torturante. A sensação dos músculos travados, secos, do sono de desespero que me acomete quando daquilo pretendo tratar. E tudo ao reverso: ao invés de perfeito tenho (tremendo) o perverso devaneio e consequente fracasso disperso.
Mas não por desinteresse, jamais. Se pudesse eu (acreditar), cruzava a mesa num salto, porque também eu sei caçar e, juro, não só antílopes.
Olhos repuxados me encaram. Olhos que preferem a escuridão à distância fria, que preferem o silêncio às futilidades, às vezes, em noites dessas de duas-da-manhã. E isso não sei, ainda, se por ocasião de êxtase ou por arrepio inconsciente causado por minha presença.
Mas se pudesse voltava no tempo, não tirava a segunda rolha. É uma lembrança tão infame, torturante. A sensação dos músculos travados, secos, do sono de desespero que me acomete quando daquilo pretendo tratar. E tudo ao reverso: ao invés de perfeito tenho (tremendo) o perverso devaneio e consequente fracasso disperso.
Mas não por desinteresse, jamais. Se pudesse eu (acreditar), cruzava a mesa num salto, porque também eu sei caçar e, juro, não só antílopes.
quarta-feira, 12 de outubro de 2016
Ode ao Brega
Cada um tem e carrega
Em si, consigo, sua dor
Feito cruz, feito bandeira
Feito luz, fazendo amor
Cada qual lhe dá um nome
Uma forma, uma cor
Cor de pedra, cor de sangue
Cor de merda, cor de flor
Tem quem anda de mãos dadas
Tem quem durma com essa dor
Tem quem se alimente dela
Cozinhando no vapor
Uns nem olham bem pra ela
Mas lhe servem de alimento
Diz que dor tem todo mundo
Mas nem sempre é sofrimento
Dor de ouvido, dor de nó
Dor de quem se sente só
Dor de falta, dor de falto
De ralar tudo no asfalto
Dor no corpo, dor na mente
A pior é a dor de dente
E corte de papel no dedo?
Sabe de nada, inocente
Pior é quebrar nariz
Pior mesmo é perder gente
Pior é nunca ser feliz
Sendo sempre bem contente
Mas a minha dor é minha
A sua é sua, vai saber...
Não existe régua (tão) crua
Pra medir sem se caber
E se todo mundo morde
Todo mundo também mente
E se todo mundo morre
Todo mundo também sente
Dor de dó, de sol, de lá
Dor daqui e dor de ausência
(Mas) não tem quem não sinta dor
Quando escuta uma sofrência
Em si, consigo, sua dor
Feito cruz, feito bandeira
Feito luz, fazendo amor
Cada qual lhe dá um nome
Uma forma, uma cor
Cor de pedra, cor de sangue
Cor de merda, cor de flor
Tem quem anda de mãos dadas
Tem quem durma com essa dor
Tem quem se alimente dela
Cozinhando no vapor
Uns nem olham bem pra ela
Mas lhe servem de alimento
Diz que dor tem todo mundo
Mas nem sempre é sofrimento
Dor de ouvido, dor de nó
Dor de quem se sente só
Dor de falta, dor de falto
De ralar tudo no asfalto
Dor no corpo, dor na mente
A pior é a dor de dente
E corte de papel no dedo?
Sabe de nada, inocente
Pior é quebrar nariz
Pior mesmo é perder gente
Pior é nunca ser feliz
Sendo sempre bem contente
Mas a minha dor é minha
A sua é sua, vai saber...
Não existe régua (tão) crua
Pra medir sem se caber
E se todo mundo morde
Todo mundo também mente
E se todo mundo morre
Todo mundo também sente
Dor de dó, de sol, de lá
Dor daqui e dor de ausência
(Mas) não tem quem não sinta dor
Quando escuta uma sofrência
terça-feira, 11 de outubro de 2016
Lavanda POP
Tento reunir-me e a tudo o que é meu sob as asas de quatro paredes frias que nada podem conter. Basura. Meu corpo, notas fiscais e musicais que encontro vagando pela rua como cães abandonados. Sua efemeridade me encanta, então guardo seus esqueletos nos meus covis, em vã tentativa de conter-me e ao mundo dentro desse quarto que é meu crânio.
Esquecer. Guardo tudo como se fizesse um relatório constante de tudo o que vivi e vivo. Esquecer: temo. Talvez mais do que tudo. Meus relicários sobem pelas paredes, apossando-se delas, tornando-se seus tijolos. Se perco as coisas, me perco. Entendes? Esquecer... Sem as paredes, nada resta de mim.
Mas as coisas vagam, inescrupulosas, rancorosas de mim. Má anfitriã que sou, me perco delas, me embolo, esqueço, me esqueço. E é bom. Mas as coisas... Elas aprendem a sobreviver, a alimentar-se e a trafegar pelos becos das penúltimas gavetas, de detrás do armário do canto.
As coisas se banham de mofo e queimam ao sol nos dias de limpeza que tanto doem e tanto se fazem brutalmente necessários. Esquecer. É preciso. Ou impreciso, mas tão biologicamente imprescindível quanto doloroso para a mente. Mas não minto: morrerás, mente minha. És a única coisa de mim que há de morrer e acabar-se nas graças do tempo. Graças à Deusa.
Acumulo banalidades. Não sei bem o porquê. É talvez uma projeção de uma futura angústia que me virá? Que vejo nos olhos de quem olha fotos de tempos que nem lembro se já existia ou se era mera probabilidade. Quanta qualidade as memórias não perdem enquanto vão se comprimindo pelos codificadores do tempo. E virá? Me aterroriza a solidão da falta de tempo, dos anos se afogando e se escorrendo pelo ralo.
Será, por isso, acumular banalidades um investir no valor sentimental que um dia terão, por acumulação de juros anuais? Cipah. Uma ganância, uma inconformidade, uma insubmissão ao acorrentado senhor do labirinto e seus olhos cegos, lendo o agora. Fadada a falhar. Cipah?
Ou será que do desgaste mesmo do uso se faz o pó mágico do cansaço, da ferrugem, do sono. Do ir fechando as pálpebras aos poucos, já contente que o dia se terminou. Será como o fimd e um longo e cansativo dia?
Pois os dias são preciosos... Entre minhas trivialidades guardo em conchas abandonadas algumas tardes de verão gasoso, morno, quente e calmo. Em livros grossos, pequenos corpos decos de flores de primavera, vidrinhos vazios de perfume de lavanda POP. Cobertos por grossas lonas de empendurar-se, para que as traças não lhes devorem.
Guardo em xícaras de chá manhãs frescas de outono bem-vindo, como terra preta, úmida, nos pés descalços. Guardo na porta de um escuro armário, pendurados, feixes de luz gelados de um anoitecer prematuro.
Numa caixinha de cerâmica acumulei cinzas de noites de invernos. Se ponho um pouquinho na língua ainda consigo escutar as músicas para o inferno afugentar e as meias aquecendo os pés. O craquelar do fogo e da madeira me fazendo pensar (agora ou então?) aonde irão parar as minhas quando eu morrer.
Por que ninguém fala da morte?
Não sei.
Também não sei onde vão parar minhas cinzas.
Nem nunca saberei.
A morte
A manhã
A mente
Se desfez
A mém.
Esquecer. Guardo tudo como se fizesse um relatório constante de tudo o que vivi e vivo. Esquecer: temo. Talvez mais do que tudo. Meus relicários sobem pelas paredes, apossando-se delas, tornando-se seus tijolos. Se perco as coisas, me perco. Entendes? Esquecer... Sem as paredes, nada resta de mim.
Mas as coisas vagam, inescrupulosas, rancorosas de mim. Má anfitriã que sou, me perco delas, me embolo, esqueço, me esqueço. E é bom. Mas as coisas... Elas aprendem a sobreviver, a alimentar-se e a trafegar pelos becos das penúltimas gavetas, de detrás do armário do canto.
As coisas se banham de mofo e queimam ao sol nos dias de limpeza que tanto doem e tanto se fazem brutalmente necessários. Esquecer. É preciso. Ou impreciso, mas tão biologicamente imprescindível quanto doloroso para a mente. Mas não minto: morrerás, mente minha. És a única coisa de mim que há de morrer e acabar-se nas graças do tempo. Graças à Deusa.
Acumulo banalidades. Não sei bem o porquê. É talvez uma projeção de uma futura angústia que me virá? Que vejo nos olhos de quem olha fotos de tempos que nem lembro se já existia ou se era mera probabilidade. Quanta qualidade as memórias não perdem enquanto vão se comprimindo pelos codificadores do tempo. E virá? Me aterroriza a solidão da falta de tempo, dos anos se afogando e se escorrendo pelo ralo.
Será, por isso, acumular banalidades um investir no valor sentimental que um dia terão, por acumulação de juros anuais? Cipah. Uma ganância, uma inconformidade, uma insubmissão ao acorrentado senhor do labirinto e seus olhos cegos, lendo o agora. Fadada a falhar. Cipah?
Ou será que do desgaste mesmo do uso se faz o pó mágico do cansaço, da ferrugem, do sono. Do ir fechando as pálpebras aos poucos, já contente que o dia se terminou. Será como o fimd e um longo e cansativo dia?
Pois os dias são preciosos... Entre minhas trivialidades guardo em conchas abandonadas algumas tardes de verão gasoso, morno, quente e calmo. Em livros grossos, pequenos corpos decos de flores de primavera, vidrinhos vazios de perfume de lavanda POP. Cobertos por grossas lonas de empendurar-se, para que as traças não lhes devorem.
Guardo em xícaras de chá manhãs frescas de outono bem-vindo, como terra preta, úmida, nos pés descalços. Guardo na porta de um escuro armário, pendurados, feixes de luz gelados de um anoitecer prematuro.
Numa caixinha de cerâmica acumulei cinzas de noites de invernos. Se ponho um pouquinho na língua ainda consigo escutar as músicas para o inferno afugentar e as meias aquecendo os pés. O craquelar do fogo e da madeira me fazendo pensar (agora ou então?) aonde irão parar as minhas quando eu morrer.
Por que ninguém fala da morte?
Não sei.
Também não sei onde vão parar minhas cinzas.
Nem nunca saberei.
A morte
A manhã
A mente
Se desfez
A mém.
quarta-feira, 5 de outubro de 2016
Samba Inovação
Ia tocar um fá
Sustenada menor
Mas pensei melhor
Vi que não tinha utilidade
Era um desejo só
Desanimei
Resolvi compor uma valsa triste
Mas igual a ela já existe
Uma melhor
Ou duas, três, ou mil
Aí já viu
Me deu até vontade de chorar
Mas que bagaça de mundo é essa
Que já não tem nada pra inventar?
Improvisei uma fuga de última hora
Com groove, swing, solo de trompete
Mostrei pra galera e levei a gelada:
"já tinha escutado algo assim na internet"
Tá ficando foda
Esse negócio de inovar
Mas me retei e ao invés de botar coda
Eu vou voltar para o meu fá
Sustenada menor
Mas pensei melhor
Vi que não tinha utilidade
Era um desejo só
Desanimei
Resolvi compor uma valsa triste
Mas igual a ela já existe
Uma melhor
Ou duas, três, ou mil
Aí já viu
Me deu até vontade de chorar
Mas que bagaça de mundo é essa
Que já não tem nada pra inventar?
Improvisei uma fuga de última hora
Com groove, swing, solo de trompete
Mostrei pra galera e levei a gelada:
"já tinha escutado algo assim na internet"
Tá ficando foda
Esse negócio de inovar
Mas me retei e ao invés de botar coda
Eu vou voltar para o meu fá
segunda-feira, 26 de setembro de 2016
Pescaria II
"Nenhum aquário é maior do que o mar
Nem quando ultrapassa o tamanho da Terra"
Porque mar é abismo de escuro infinito
Morada de tudo o que a mente gera
Medo, morte, bicho, grito
A aventura e o terror de querer o impossível
E diante do horizonte que de mim corre, comigo
Qualquer peixe é só uma desculpa
Pescaria I
Eu que na rede pesco tanto peixe
Não encontro anzol que se prenda à tua boca
Não encontro isca que te brilhe o olho
Eu que na rede pesco tonelada
Ainda tento encontrar uma vara
Que aguente o peso de você em mim
Quem pesca e quem é pescado?
Pergunta inútil e até saturada
Quando no peito é apunhalado
Quem com arpão perseguiu peixe-espada
sexta-feira, 23 de setembro de 2016
Sinfonia de Rua
É uma cortina que se fecha
Como quem sussurra em mil pequenas vozes:
"Se me olhas muito, tudo é cinza,
É frio, é molhado
Mas se me escutas com bastante cuidado
Posso ser sinfonia tocando no asfalto".
Como quem sussurra em mil pequenas vozes:
"Se me olhas muito, tudo é cinza,
É frio, é molhado
Mas se me escutas com bastante cuidado
Posso ser sinfonia tocando no asfalto".
domingo, 18 de setembro de 2016
Odile II
Vagava sem rumo pela casa, confusa, perdendo-se nos caminhos secretos dos ladrilhos do piso. Trôpega, chutava pesos de porta, tropeçava em quinas de móveis, chutava rodapés.
Ás vezes pensava lembrar-se pra onde ia, mas no meio do caminho as ideias se embaçavam e esvaíam-se da sua mente. Procurava respostas no fundo da geladeira. Encontrava apenas angústia e potes vazios de pepino em conserva.
Tudo o que era líquido se tornava gasoso e evaporava. Tudo o que era sólido insistia em desconfigurar-se para ser encontrado numa outra gaveta que nenhum dos seus eus se lembrava de haver sequer aberto algum dia.
Talvez sua casa fosse como ela própria, terreno mal desbravado e ilusoriamente cartografado em mapas simplórios que se mostravam inúteis nos primeiros segundos de uso e necessidade. Desconhecia-se: todos os sofás, cadeiras, lantejoulas, quadros, mesas, poltronas, vasos, eletrodomésticos e camas lhe pareciam alheios, invasores e inúteis ao essencial.
Sentiu-se pequena e dura como uma bola de gude. Sua cabeça seguramente rodava como se fosse uma. Sentia os raios de luz que passavam pelas frestas das janelas lhe trespassarem a pele e os músculos e os ossos e fazerem prisma, cegando-lhe em júbilo.
Estava de luto. Desconhecia, negava a física e banhava-se na realidade como uma criança se banha no som macio de uma cantiga manjada e reconfortante cantada numa outra língua. Sentida, murmurada, porém de forma alguma compreendida ou mesmo acreditada.
Por vezes desacreditava tanto de tal escenário externo que sentia o centro de gravidade deslocar-se 90º. Esparramava-se, pesada, como se deitasse no chão. Se as costras escorregavam contra o reboco, sentando-lhe, tinha a sensação de um punho fechado lhe devolvendo ao eixo violentamente.
Passava, então, horas encarando as caixas de papelão onde vinham seus remédios, sem exatamente ler seus rótulos ou concentrar-se bem em qualquer uma das informações de embalagem. E se às vezes balbuciava um cálculo e as tomava na sua medida exata, às vezes também lhe acometia uma ira e atirava todas na latrina gritando-lhes: "MERDA".
Já em um momento, as pílulas haviam descido os canos em forma de vômito desesperado do exagero, das linhas tênues cruzadas com cada vez menos esforço. Depois levantava, joelhos marcados pelo tecido do tapete do banheiro.
Voltava a vagar sem rumo no escuro. Talvez sem nem haver limpado da boca o gosto ácido da bílis e dos comprimidos dissolvidos pela saliva. Linhas cada vez mais turvas, pés cada vez mais inchados de tromboses e trombadas e tropeços.
Ás vezes pensava lembrar-se pra onde ia, mas no meio do caminho as ideias se embaçavam e esvaíam-se da sua mente. Procurava respostas no fundo da geladeira. Encontrava apenas angústia e potes vazios de pepino em conserva.
Tudo o que era líquido se tornava gasoso e evaporava. Tudo o que era sólido insistia em desconfigurar-se para ser encontrado numa outra gaveta que nenhum dos seus eus se lembrava de haver sequer aberto algum dia.
Talvez sua casa fosse como ela própria, terreno mal desbravado e ilusoriamente cartografado em mapas simplórios que se mostravam inúteis nos primeiros segundos de uso e necessidade. Desconhecia-se: todos os sofás, cadeiras, lantejoulas, quadros, mesas, poltronas, vasos, eletrodomésticos e camas lhe pareciam alheios, invasores e inúteis ao essencial.
Sentiu-se pequena e dura como uma bola de gude. Sua cabeça seguramente rodava como se fosse uma. Sentia os raios de luz que passavam pelas frestas das janelas lhe trespassarem a pele e os músculos e os ossos e fazerem prisma, cegando-lhe em júbilo.
Estava de luto. Desconhecia, negava a física e banhava-se na realidade como uma criança se banha no som macio de uma cantiga manjada e reconfortante cantada numa outra língua. Sentida, murmurada, porém de forma alguma compreendida ou mesmo acreditada.
Por vezes desacreditava tanto de tal escenário externo que sentia o centro de gravidade deslocar-se 90º. Esparramava-se, pesada, como se deitasse no chão. Se as costras escorregavam contra o reboco, sentando-lhe, tinha a sensação de um punho fechado lhe devolvendo ao eixo violentamente.
Passava, então, horas encarando as caixas de papelão onde vinham seus remédios, sem exatamente ler seus rótulos ou concentrar-se bem em qualquer uma das informações de embalagem. E se às vezes balbuciava um cálculo e as tomava na sua medida exata, às vezes também lhe acometia uma ira e atirava todas na latrina gritando-lhes: "MERDA".
Já em um momento, as pílulas haviam descido os canos em forma de vômito desesperado do exagero, das linhas tênues cruzadas com cada vez menos esforço. Depois levantava, joelhos marcados pelo tecido do tapete do banheiro.
Voltava a vagar sem rumo no escuro. Talvez sem nem haver limpado da boca o gosto ácido da bílis e dos comprimidos dissolvidos pela saliva. Linhas cada vez mais turvas, pés cada vez mais inchados de tromboses e trombadas e tropeços.
segunda-feira, 12 de setembro de 2016
17.08.16
Inspirados em Murilo Mendes.
"O HOMEM E A ÁGUA"
Talvez um dia já fui peixe
Cardume, comida, corais na varanda
Nadando na vida, dançando ciranda
Flutuando ao balance do empuxo e do peso
Mas eis que o sol me atrai por um feixe
Entre espumas o ar me invade a narina
A mesma luz já me queima a retina
Com o mar sob os pés, só avisto horizontes
ANONIMATO
Se me disfarçasse de multidão me olharias mais sincero?
"O HOMEM E A ÁGUA"
Talvez um dia já fui peixe
Cardume, comida, corais na varanda
Nadando na vida, dançando ciranda
Flutuando ao balance do empuxo e do peso
Mas eis que o sol me atrai por um feixe
Entre espumas o ar me invade a narina
A mesma luz já me queima a retina
Com o mar sob os pés, só avisto horizontes
ANONIMATO
Se me disfarçasse de multidão me olharias mais sincero?
quinta-feira, 25 de agosto de 2016
Odette II
Odette tropeçou na própria euforia e deu com tudo no chão de pedra fria e escura. Dessa vez não chorou. Já não chorava, quase, se caía. Zuzu dizia: "Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima", Ela fazia a dança de sacudir a poeira e às vezes terminava tão tonta que caía de novo de novo e se acabava de dar risada.
Zuzu também dava risada. Bem, alto e forte, como seus braços e dentes, cristalina como sua aura. Odette olhou em volta: o playground estava cheio de crianças correndo e chutando bolas e caindo, também, mas nada de Zuzu. Achou estranho. Talvez ela estivesse brincando de esconde-esconde e ia sair de trás de uma pilastra e lhe meter um susto dos grandes. Resolveu procurar,
A menina foi caminhando pelo pátio coberto, admirando os espaços vazios. Gostava: parecia que quando tinha sofás e cadeiras e mesas e armários a casa era mais das coisas que das pessoas. Odette gostava de poder correr sem se preocupar em tropeçar em tapetes, gostava de poder girar até cair sem perigo de bater a testa na quina da mesa.
O play dava nela uma vontade louca de tirar os sapatos e separar bem os dedos, agoniados por estarem presinhos tão juntos. Zuzu não deixava:
"Esse chão é sujismundo, anjinho, vai deixar seu pé preto-preto,encardido e sabe quem é que não vai gostar?"
"Esse chão é sujismundo, anjinho, vai deixar seu pé preto-preto,encardido e sabe quem é que não vai gostar?"
Odette fazia bico e franzia bem a testa pra mostrar que não estava satisfeita. A mãe não gostava de pés-pretos-encardidos de sujeira de playground. Ficava parecendo "menino de rua, pé de moleque sem mãe e sem casa". A mãe gostava de sandalhinha branca de fivela e de meia soquete. A menina não... Mas gostava da palavra soquete. So-que-te. Soava como uma coisa bem mais divertida que meias brancas.
Enquanto balbuciava essas sílabas, Odette observava, distraída, as crianças amareladas sentadas em torno de um brinquedo que tinha luzes e girava e fazia uns barulhos agudos meio desagradáveis. Seus olhinhos vidrados davam um pouco de medo nela, que resolveu ir procurar Zuzu em outro lugar.
Saiu para o pátio aberto, que tinha um parquinho no meio e vários corredores laterais que davam pra lugares que ela nunca tinha ido. Olhou para trás: o elevador que subia pra casa da avó ficava no pátio fechado. Sentiu que fazia alguma coisa errada saindo de lá, mas como viu várias crianças no parquinho resolveu experimentar a escorregadeira.
Haviam várias crianças na fila. Cada uma subia um degrau por vez e quando chegava a hora de escorregar podiam gritar de um jeito diferente. Odette entrou na fila, escutando ansiosa os gritos de cad griança que descia. Demorava bastante pra chegar a sua vez e ela queria ter o melhor grito de todos pra não desperdiçar seu momento.
Quando chgou no topo da escada já tinha pensado na ideia perfeita. Só faltava uma menina mais e ela já ia pdoer encaixar a bundinha na escorregadeira e tomar ar pra gritar e chegar ao chão dando risada, como os outros. Uma sensação de poder e liberdade que ela escutava no timbre das vozes agudas e de seus gritos e via refletida nos cabelos desgrenhados pela descida.
De repente olhou em volta e percebeu que lá de cima as coisas eram bem diferentes e que podia ver bem mais longe. No final de um dos corredores laterais viu duas crianças sozinhas, meio escondidas. Eram dois meninos e tinham os shorts abaixados e se olhavam e se cutucavam. Sem saber porquê, ela sentiu a garganta apertar e o estômago gelar e de alguma forma soube que eles estavam fazendo algo errado. Tomou um susto quando um empurrão a desequilibrou, quase lhe derrubando de lá do alto.
"VAI LOGO!" gritou-lhe alguém.
Assustada, desconsertada, confusa e envergonhada, Odette se sentou na escorregadeira. Sentia como se de repente tudo tivesse muito mal e ruim e... Errado. E quis ir embora, e quis brigar com as crianças para que tivessem calma. Só no meio da descida lembrou que precisava gritar, mas não lembrava da sua ideia e tinha a garganta seca.
Um nó se formou em algum lugar dentro da sua barriguinha, deixando o ar entrar de qualquer jeito numa respiração descontrolada. Gritou rápido o que a menina de antes tinha gritado e quando pousou os pés no chão subiram lágrimas aos seus olhos, que ardiam. O nó no estômago subiu para a garganta, muitas imagens fervilhando na sua mente. Queria correr pra longe do parquinho, mas suas pernas pareciam feitas de massinha de modelar e se mexiam passo a passo, desengonçadas e lentas.
Ainda assim, o mundo parecia girar como um roda-roda quando as crianças mais velhas se apoderavam dele. Suas risadas maldosas pareciam ecoar na cabeça da menina à medida que as pedras do piso se mesclavam umas com as outras, quebrando o lógico padrão dos ladrilhos. Odette não conseguia chorar. Odette não conseguia correr. Odette não conseguia voar pra longe. Pela primeira vez em muito tempo teve medo de cair. Não conseguiria cantar a música de Zuzu. Não conseguiria dançar a dancinha da poeira. Ficaria só estabocada no chão frio do playground.
Pela primeira vez, Odette se sentiu presa dentro do próprio corpo.
Ainda assim, o mundo parecia girar como um roda-roda quando as crianças mais velhas se apoderavam dele. Suas risadas maldosas pareciam ecoar na cabeça da menina à medida que as pedras do piso se mesclavam umas com as outras, quebrando o lógico padrão dos ladrilhos. Odette não conseguia chorar. Odette não conseguia correr. Odette não conseguia voar pra longe. Pela primeira vez em muito tempo teve medo de cair. Não conseguiria cantar a música de Zuzu. Não conseguiria dançar a dancinha da poeira. Ficaria só estabocada no chão frio do playground.
Pela primeira vez, Odette se sentiu presa dentro do próprio corpo.
sexta-feira, 19 de agosto de 2016
Mas não me pergunte "Por quê?"
Tem a ver com a distância curta
Entre nossas casas
Tem a ver o jeito com que
Você bate suas asas
Pode ser que meus poemas
Sejam só muito simplórios
Pode ser o parentesco falso
Entre nossos olhos
Mas tem que ver o jeito com que
Minha alma se derrete
Tem que ver com atenção
Com quem é que você se mete
Pode ser que meus problemas
Sejam só de projeção
Pode ser código morse:
Pisca sim, pisca que não
Di-zen-do
Não se ponha
Tão acima
Do seu próprio
Corpo
Não se feche
Tão lacrado
Pra pagar de
Louco
Su-pe-ri-or
Entre nossas casas
Tem a ver o jeito com que
Você bate suas asas
Pode ser que meus poemas
Sejam só muito simplórios
Pode ser o parentesco falso
Entre nossos olhos
Mas tem que ver o jeito com que
Minha alma se derrete
Tem que ver com atenção
Com quem é que você se mete
Pode ser que meus problemas
Sejam só de projeção
Pode ser código morse:
Pisca sim, pisca que não
Di-zen-do
Não se ponha
Tão acima
Do seu próprio
Corpo
Não se feche
Tão lacrado
Pra pagar de
Louco
Su-pe-ri-or
domingo, 7 de agosto de 2016
Escutando: Adiós Nonino - Piazzolla
Afoga a mágoa, rude
Pousa nos narizes cansados
De um longo dia
Amolecido pelas horas
Roupa suja, coisa privada
Vertiginosa brincadeira
Debochosa e intermitente
Da máquina de lavar
Que revolve, que torce
Faz, forte, baila com água
Milonga improvisada
Que dissolve-se em espuma
Perfumada
E voa pela casa, pelo quintal
Em lençóis brancos
Em vestidos limpos, cheirosos
Revoluciona, sobe curva
Glissando
Paira lentamente, suspira
Nos reflexos nas partículas do ar
Resplandescente
De sabões vaporizados
Pousa nos narizes cansados
De um longo dia
Amolecido pelas horas
sexta-feira, 5 de agosto de 2016
Escutando: I Ching (céu e terra) - Uakti
Alma latejante e lenta
Pesada, lascera
Discute, geme
Evolve em 3/4
Ironiza ao existir
A fútil previsibilidade
Da rotina em 6/8
Alegretta
Se arrasta
Se ofende
Se cala
Pausa
Deixa que fluam inúteis ciclos
E encara, estarrecida, arregalada
Quase morrida de morte amargurada
Mas
Rebrota criativa
Regada e soprada pelo espírito
Livre
Costurando miçangas aleatórias
No tedioso tecido dos dias
Pesada, lascera
Discute, geme
Evolve em 3/4
Ironiza ao existir
A fútil previsibilidade
Da rotina em 6/8
Alegretta
Se arrasta
Se ofende
Se cala
Pausa
Deixa que fluam inúteis ciclos
E encara, estarrecida, arregalada
Quase morrida de morte amargurada
Mas
Rebrota criativa
Regada e soprada pelo espírito
Livre
Costurando miçangas aleatórias
No tedioso tecido dos dias
Nas Ondas do Tempo
Nas ondas do mar
A maravilhosa sereia sobressalta
Na noite alta
Como arranha-céu
Que parece subir no firmamento
Enquanto a lua
Chorou seca, espalhando mágoas
No salitre do vento
E o mar na maré cheia
Marca o vazio do tempo
Lá, entre sombras luminosas
A sereia pousa, escura, nas pedras
Como corvo nos telhados
Como dor nas vozes quietas
Como o meu vazio em mim
Pertence
A sereia agonizando
Nas ondas do tempo
Os barcos, outros, passando
Acenando de volta, a gargalhadas
Sem pensar adiante
Ou em águas passadas
E eu? Cada vez mais fundo
Não adianta de nada
E morrendo afogada
Não se ouve seu lamento
Sereia agonizando
Nas ondas do tempo
A maravilhosa sereia sobressalta
Na noite alta
Como arranha-céu
Que parece subir no firmamento
Enquanto a lua
Chorou seca, espalhando mágoas
No salitre do vento
E o mar na maré cheia
Marca o vazio do tempo
Lá, entre sombras luminosas
A sereia pousa, escura, nas pedras
Como corvo nos telhados
Como dor nas vozes quietas
Como o meu vazio em mim
Pertence
A sereia agonizando
Nas ondas do tempo
Os barcos, outros, passando
Acenando de volta, a gargalhadas
Sem pensar adiante
Ou em águas passadas
E eu? Cada vez mais fundo
Não adianta de nada
E morrendo afogada
Não se ouve seu lamento
Sereia agonizando
Nas ondas do tempo
segunda-feira, 1 de agosto de 2016
A Margôt
Você me deu espinhas, mulher
Muito mais que um chocolate qualquer
Muito mais que um chocolate qualquer
Tua línga na minha boca ficou
salgada
De tanta lágrima rolada no meu rosto
Eu crocodila e você dissimulada
O pior foi mesmo o gosto
De tanta lágrima rolada no meu rosto
Eu crocodila e você dissimulada
O pior foi mesmo o gosto
Você me deu ressaca, menina
Dessas que não cura nem com
aspirina
O teu beijo na metade amargou
De tanto gastar saliva
explicando
De não sei quem, não sei
aonde, não sei quando
O pior foi o sabor
Olha pra mim
Pede pra falar das minhas coisas
Mas as suas você fica
Enterrando no jardim
Me olha assim
Pede pra falar das minhas coisas
Mas as suas você fica
Enterrando no jardim
Me olha assim
Acha que é preciso passarinhos
Pra enxergar teu verde-claro
Escondido no carmim
Pra enxergar teu verde-claro
Escondido no carmim
Teu nome me arrepia
Mais que lua clara
Mais que lua clara
Estrela em noite escura feito breu
Foi de mestre essa
Jogada tua, claro
Mas pior do que você, de ruim, só eu
Foi de mestre essa
Jogada tua, claro
Mas pior do que você, de ruim, só eu
sábado, 25 de junho de 2016
Oração a Santa Antônia
Sob o céu, à vista das deusas e deuses, quero ter a cabeça entre tuas pernas e que o som mais forte desse mundo seja o da tua respiração ofegante. A sensação de grama entre os dedos apenas completando, em algum plano neural, o roçar dos seus pelos beijados pelo fogo.
E que haja calor, mas que o esquentar do sol seja um registro morno e distante perto da irradiação da tua pele de estrela incandescente. E ainda assim, seda mais suave não existe.
Sob o céu, à vista dos deuses e das deusas, quero tua carne tremendo ao ritmo das minhas papilas. Tua voz, do fundo de pulmões em contração, saindo a implorar que eu, por nada nesse mundo, ouse parar de dançar. E assim giraríamos em círculos no universo, ao som da nossa valsa irregular, cuja métrica se esconde em tuas sinapses.
Eu as recebo como andas de rádio, pelos olhos fechados, pela mão agarrando tua perna, pelos l[abios beijando os teus, molhados.
Depois de escutar teu grito ecoar pelo vácuo do universo infinitas vezes, acostar a cabeça em teu plexo, beijar teu umbigo, sentir tudo zumbindo ao nosso redor. Só então descansar, deixando a exaustão tomar nossas fibras e afrouxar até as tensões atômicas, permitindo que nossas moléculas se derretam umas nas outras.
E que Morfeu nos olhe com ternura e que suas lágrimas caiam sobre nossos olhos como areia, apagando tudo, gradiente. Sob o céu, à vista das deusas e dos deuses, resson(h)amos tranquilidade.
E que haja calor, mas que o esquentar do sol seja um registro morno e distante perto da irradiação da tua pele de estrela incandescente. E ainda assim, seda mais suave não existe.
Sob o céu, à vista dos deuses e das deusas, quero tua carne tremendo ao ritmo das minhas papilas. Tua voz, do fundo de pulmões em contração, saindo a implorar que eu, por nada nesse mundo, ouse parar de dançar. E assim giraríamos em círculos no universo, ao som da nossa valsa irregular, cuja métrica se esconde em tuas sinapses.
Eu as recebo como andas de rádio, pelos olhos fechados, pela mão agarrando tua perna, pelos l[abios beijando os teus, molhados.
Depois de escutar teu grito ecoar pelo vácuo do universo infinitas vezes, acostar a cabeça em teu plexo, beijar teu umbigo, sentir tudo zumbindo ao nosso redor. Só então descansar, deixando a exaustão tomar nossas fibras e afrouxar até as tensões atômicas, permitindo que nossas moléculas se derretam umas nas outras.
E que Morfeu nos olhe com ternura e que suas lágrimas caiam sobre nossos olhos como areia, apagando tudo, gradiente. Sob o céu, à vista das deusas e dos deuses, resson(h)amos tranquilidade.
quarta-feira, 22 de junho de 2016
Tandoori Massala
Inspiro Massala
tentando entender
Se é medo
De não poder sentir
Ou de ter saturado
Na real nunca largado
Até tenho
Junto com a minha
A chave da frente
Da sua casa
E a sua mãe
Também gosta de mim
Um dia vi um poema
Sobre a infinitude
De cada segundo
Mas era tão pegajoso
Que eu só queria
Que terminasse
Não é qualquer
Tarde de outono
Que pode conter
Todos os sons
Que imagino deitada
Nas noites silêncio
Escutei vindo
Seus passos detrás
E senti na nuca
Quando se deteve
E olhou através
De olhos fechados
Gosto de sentar
De frente pro fundo
E sentir metonímias
Do jeito da vida
E de como me leva
Sem dizer o caminho
Como não disse
E nunca direi
Posso até mentir
Mas mistério sempre
Há de andar por aí
Música sem nome
Às vezes acho
Que já não há
Mais nada sagrado
Exceto talvez
O brilho oblíquo
De um olhar distante
Desconhecido

Ou Tandoori
Massala colorado
Que estampa a ponta
Do nariz queimado
Do frio lá fora
Da minha cabeça
Desconhecido
Distante como esse
Céu azul-argento
Que falta semana
Pra descascar
Igual calendário
E nasce julho
Desconhecido
Me salva como
Astronauta caída
Que com carne rosada
E mirada de raposa
Sussurra pra mim
Que não pirei, ainda
Ainda não pirei
tentando entender
Se é medo
De não poder sentir
Ou de ter saturado
Na real nunca largado
Até tenho
Junto com a minha
A chave da frente
Da sua casa
E a sua mãe
Também gosta de mim
Um dia vi um poema
Sobre a infinitude
De cada segundo
Mas era tão pegajoso
Que eu só queria
Que terminasse
Não é qualquer
Tarde de outono
Que pode conter
Todos os sons
Que imagino deitada
Nas noites silêncio
Escutei vindo
Seus passos detrás
E senti na nuca
Quando se deteve
E olhou através
De olhos fechados
Gosto de sentar
De frente pro fundo
E sentir metonímias
Do jeito da vida
E de como me leva
Sem dizer o caminho
Como não disse
E nunca direi
Posso até mentir
Mas mistério sempre
Há de andar por aí
Música sem nome
Às vezes acho
Que já não há
Mais nada sagrado
Exceto talvez
O brilho oblíquo
De um olhar distante
Desconhecido

Ou Tandoori
Massala colorado
Que estampa a ponta
Do nariz queimado
Do frio lá fora
Da minha cabeça
Desconhecido
Distante como esse
Céu azul-argento
Que falta semana
Pra descascar
Igual calendário
E nasce julho
Desconhecido
Me salva como
Astronauta caída
Que com carne rosada
E mirada de raposa
Sussurra pra mim
Que não pirei, ainda
Ainda não pirei
sexta-feira, 20 de maio de 2016
Lótus
(Minha tinta está acabando, acho...)
Uma cigarra prende fogo. O céu é profundo de azul escuro. "Distante", diria meu pai. As quatro estrelas brilhantes formam cruz e a cauda aponta para o sul. Olho pra trás. Lá, distante, está a seta vermelha da bússula, o N da rosa, os mares revoltosos e gélidos do topo desse mundo - que não tem baixo nem cima, só dentro e fora.
E la fora? Olho para cima: vazio, lindo e gélido como o mar escuro. E dentro... Olho para baixo e sinto o tremor quente de Gaya sob meus pés. O N continua brilhando, mas não me diz mais do que o apontar de uma direção. Mais para a direita está o verdadeiro chamariz do meu coração e para lá apontam meus olhos. Nada mais justo, NE.
Por coincidência - velhinha ardilosa e simpática -, há uma porta, coberta de tela e adornada com espirais de ferro. Essas coisas do destino. É a porta de uma casa que mora em mim. Um portão de metal mágico que parece ter o poder de me transportar para um corredor a céu aberto... Uma ponte que dá para um portão, outro portão de ferro, a milhares de kilômetros, kilos e kilos de distância física, mas que está dentro do meu âmago, na abertura da caixa toráxica.
Entro por ele. Olhos fechados, chave de ponta-cabeça. Subo dois lances de escadaria de pedra que tantas vezes já escalei, semi-consciente e trôpega. Há duas portas guardadas pelo deus iluminado que carrega uma espada de proteção. Dentes arreganhados, olhos bem abertos. Escolho a da esquerda porque sei as palavras mágicas pra fazê-la abrir. Coloco a chave, acaricio a fechadura, puxa-empurra... Ela é manhosa!
Caminho por um corredor estreito até o final. Passo por uma chuva de arco-íris e limpo os pés descalços num tapete bordado. São duas passagens, duas portas mais.
O mensageiro dos ventos soa. A última porta se fecha atrás de mim, selando o mundo, mudo. A luz de fora trespassa a cortina e ilumina tudo com um tom amarelo-felicidade. Calma. O céu é branco, a única nuvem que paira filtra os pesadelos e limpa o ar, quase deixa cheiro de pássaro aberto. Há uma menina-mulher sentada na cama. Cabelo negro, trançado, pesado. Sua cabeça se volta para mim. Me aproximo e seus olhos escuros miram os meus, gentis, buracos negros-luminosos (?) cheios do afeto mais puro.
Eu te amo.
Ela me abraça de um jeito que me faz chorar.
Eu te amo.
Acho que é a primeira vez que me digo isso com todo o coração. Uma flor se abre. Desabrocha.
Eu te amo.
Uma cigarra prende fogo. O céu é profundo de azul escuro. "Distante", diria meu pai. As quatro estrelas brilhantes formam cruz e a cauda aponta para o sul. Olho pra trás. Lá, distante, está a seta vermelha da bússula, o N da rosa, os mares revoltosos e gélidos do topo desse mundo - que não tem baixo nem cima, só dentro e fora.
E la fora? Olho para cima: vazio, lindo e gélido como o mar escuro. E dentro... Olho para baixo e sinto o tremor quente de Gaya sob meus pés. O N continua brilhando, mas não me diz mais do que o apontar de uma direção. Mais para a direita está o verdadeiro chamariz do meu coração e para lá apontam meus olhos. Nada mais justo, NE.
Por coincidência - velhinha ardilosa e simpática -, há uma porta, coberta de tela e adornada com espirais de ferro. Essas coisas do destino. É a porta de uma casa que mora em mim. Um portão de metal mágico que parece ter o poder de me transportar para um corredor a céu aberto... Uma ponte que dá para um portão, outro portão de ferro, a milhares de kilômetros, kilos e kilos de distância física, mas que está dentro do meu âmago, na abertura da caixa toráxica.
Entro por ele. Olhos fechados, chave de ponta-cabeça. Subo dois lances de escadaria de pedra que tantas vezes já escalei, semi-consciente e trôpega. Há duas portas guardadas pelo deus iluminado que carrega uma espada de proteção. Dentes arreganhados, olhos bem abertos. Escolho a da esquerda porque sei as palavras mágicas pra fazê-la abrir. Coloco a chave, acaricio a fechadura, puxa-empurra... Ela é manhosa!
Caminho por um corredor estreito até o final. Passo por uma chuva de arco-íris e limpo os pés descalços num tapete bordado. São duas passagens, duas portas mais.
O mensageiro dos ventos soa. A última porta se fecha atrás de mim, selando o mundo, mudo. A luz de fora trespassa a cortina e ilumina tudo com um tom amarelo-felicidade. Calma. O céu é branco, a única nuvem que paira filtra os pesadelos e limpa o ar, quase deixa cheiro de pássaro aberto. Há uma menina-mulher sentada na cama. Cabelo negro, trançado, pesado. Sua cabeça se volta para mim. Me aproximo e seus olhos escuros miram os meus, gentis, buracos negros-luminosos (?) cheios do afeto mais puro.

Ela me abraça de um jeito que me faz chorar.
Eu te amo.
Acho que é a primeira vez que me digo isso com todo o coração. Uma flor se abre. Desabrocha.
Eu te amo.
quarta-feira, 11 de maio de 2016
Não falamos muito.
Venho conversando com a minha sombra à noite. Eu a encaro, ela me encara. Não falamos muito. Minha sombra silenciosa. Ela não tem olhos, mas me olha e eu a olho de volta. Emito, causo ruídos com meu corpo sólido, ela - nada. Minha sombra silenciosa. Nada pelo ar até que se projeta: na parede, no mar, no chão, minha sombra me completa.
Ela é a ausência do que há em mim e, quando ausente, está dentro. Não sei bem se sente. Emagrece e engorda com mais facilidade que eu e não parece se incomodar, mas pesa sempre o mesmo peso em quilos na balança, que é o peso mesmo do ar. Ainda assim consegue ser mais pesada que todo o meu corpo, quando quer... Na foto, no enquadre, na minha solidão de mulher.
Minha sombra silenciosa. Dura, macia, dupla... Nunca vazia! Mas sempre silenciosa, para meu alívio, e sempre presente para que eu não me sinta só. às vezes se esconde sob meus pés, quando o sol está assim, no topo. Mas só quando desaparece é que somos uma: se esconde dentro de mim; minha tímida sombra funde com o corpo, descansa do dia.
Eu sou a gêmea agraciada com a bênção da cor. Ela vive em tons de negro, sem nunca enrubescer de vergonha ou de calor. Não sua. Meu suor tem sombra, mas não molha a minha nua, sempre seca, sombra. Crua. Até iluminada ainda é sombra, como contorno de lua.
Eu corro - do que seja! - e ela vem junto, a irmã não nascida. E se lhe miro vejo como me segue e como escorre pelas grades, paredes, pisos, carros e vasos de planta. Se apareceu quando nascí - não nascida, aparecida - vai também estar aí na hora em que eu morra. Eu me vou, ela fica, agarrada com o corpo que lhe fez companhia toda uma vida, dure o tanto que for.
Olhando assim quase parece minha filha: vou deixar para o mundo até que a terra me coma por completo. Minha sombra, minha cria: "herdou minhas formas, mas tem as cores do pai". Ás vezes tem meus lábios, nariz, meu jeito de andar. Mas os olhos... Ah, os olhos não. Minha sombra silenciosa tem sempre olhos de escuridão.
Ela é a ausência do que há em mim e, quando ausente, está dentro. Não sei bem se sente. Emagrece e engorda com mais facilidade que eu e não parece se incomodar, mas pesa sempre o mesmo peso em quilos na balança, que é o peso mesmo do ar. Ainda assim consegue ser mais pesada que todo o meu corpo, quando quer... Na foto, no enquadre, na minha solidão de mulher.
Minha sombra silenciosa. Dura, macia, dupla... Nunca vazia! Mas sempre silenciosa, para meu alívio, e sempre presente para que eu não me sinta só. às vezes se esconde sob meus pés, quando o sol está assim, no topo. Mas só quando desaparece é que somos uma: se esconde dentro de mim; minha tímida sombra funde com o corpo, descansa do dia.
Eu sou a gêmea agraciada com a bênção da cor. Ela vive em tons de negro, sem nunca enrubescer de vergonha ou de calor. Não sua. Meu suor tem sombra, mas não molha a minha nua, sempre seca, sombra. Crua. Até iluminada ainda é sombra, como contorno de lua.
Eu corro - do que seja! - e ela vem junto, a irmã não nascida. E se lhe miro vejo como me segue e como escorre pelas grades, paredes, pisos, carros e vasos de planta. Se apareceu quando nascí - não nascida, aparecida - vai também estar aí na hora em que eu morra. Eu me vou, ela fica, agarrada com o corpo que lhe fez companhia toda uma vida, dure o tanto que for.
Olhando assim quase parece minha filha: vou deixar para o mundo até que a terra me coma por completo. Minha sombra, minha cria: "herdou minhas formas, mas tem as cores do pai". Ás vezes tem meus lábios, nariz, meu jeito de andar. Mas os olhos... Ah, os olhos não. Minha sombra silenciosa tem sempre olhos de escuridão.
segunda-feira, 9 de maio de 2016
Ponta de Unha - Raio de Sol
Ouviu de pernas bem juntas os primeiros acordes da música. Os pelos dos braços se eriçando, um frio que descia da nuca e enrijecia os músculos das costas até chegar nos pés, dando-lhe cócegas. As pálpebras pesavam e ela parpadeou em câmera lenta. "Parecia uma atriz ruim fingindo desmaio", pensou.
Por um momento a veracidade ou não daquele sentimento pareceu brincar na ponta dos seus dedos, como se pudessem desvanecer no ar tal qual a sensação de atriz. Sentiu-a derreter nas unhas e entrar por seu sistema nervoso. Pensou poder sentir a maciez da pele de um pescoço nú, quase dourado, os pequenos pelos eriçando-se ao toque seu.
De costas, ela não via-imaginava o rosto da outra, mas imaginava-imaginava seus lábios, primeiro temblando de leve, depois apertando-se um contra o outro. O ombro ensaiando levantar e logo relaxando, como um suspiro de quase susto.
Algo se mexeu dentro dela, pesado e quente; choque térmico com o calafrio. Era como uma rosa vermelha, enquanto o resto era flor da pele. Sentiu como que se fosse real seria tão bom quanto na imaginação e viveu mil desfechos na probabilidade de segundos.
Gostou, de início; já fazia tempo que imaginar-viver não superava o imaginar - de olhos fechados - em terceira pessoa só meio presente. Talvez quase nada. Depois teve medo... Todos os desfechos outros enrubescendo a suposta face possível, pega na vergonha do flagra da mentira ou da fraqueza.
Seria como a sensação de atriz ruim, mas de alguma forma pior só por ter sido verdade, mesmo que apenas até então. Ah, mas aqueles pelos de pescoço, eriçados, como pequenos e suaves raios de luz saindo da pele... Mas tão surpreendentemente orgânicos, terrenos, físicos, tocáveis... Permitiu-se brincar com a ideia um pouco mais, mais perto da borda, já sem muita certeza de te-la entre os dedos, senão já além do controle das suas digitais.
O ritmo da música intensificava. Parecia fazer valer mais cada tempo dos mesmos compassos. O corpo da outra era quente, móvel, pulsava junto com o seu, como se adivinhasse a música que soava por trás daquelas pálpebras que lhe imaginavam.
Quis tê-la de verdade ali entre os braços, tirar sua roupa, despir o resto daquela pele e sentir o perfume de pessoa que os raios de sol apenas anunciavam. O querer assustou-a. Doía de forma quase viciante. Os acordes agonizavam em consonância com suas sensações, dissonantes.
O querer-viver surpreendendo-a com seu poder de infiltrar-se de mansinho pelo imaginar-viver. Nunca crera que fosse possível, exceto por aquele par de noites tão distantes e pintadas de sofrimento da mais pura fossa. Desejo escorpiano cavado do solo obscuro de plutão.
Mas aquilo era diferente, solar, ainda que noturno, como se o calor da verdade refletisse na lua e lhe chegasse em raios mornos. Quis vê-la sorrir ali mesmo, rosto entre suas mãos, e sentir o sangue circulando e manchando a superfície daquela pele lembrada no toque da sua. A lembrança parecia renovar-se a cada segundo, como que também enganada pelos raios de luz, saindo de a pouco do seu refúgio cutâneo.
Por um momento a veracidade ou não daquele sentimento pareceu brincar na ponta dos seus dedos, como se pudessem desvanecer no ar tal qual a sensação de atriz. Sentiu-a derreter nas unhas e entrar por seu sistema nervoso. Pensou poder sentir a maciez da pele de um pescoço nú, quase dourado, os pequenos pelos eriçando-se ao toque seu.
De costas, ela não via-imaginava o rosto da outra, mas imaginava-imaginava seus lábios, primeiro temblando de leve, depois apertando-se um contra o outro. O ombro ensaiando levantar e logo relaxando, como um suspiro de quase susto.
Algo se mexeu dentro dela, pesado e quente; choque térmico com o calafrio. Era como uma rosa vermelha, enquanto o resto era flor da pele. Sentiu como que se fosse real seria tão bom quanto na imaginação e viveu mil desfechos na probabilidade de segundos.
Gostou, de início; já fazia tempo que imaginar-viver não superava o imaginar - de olhos fechados - em terceira pessoa só meio presente. Talvez quase nada. Depois teve medo... Todos os desfechos outros enrubescendo a suposta face possível, pega na vergonha do flagra da mentira ou da fraqueza.
Seria como a sensação de atriz ruim, mas de alguma forma pior só por ter sido verdade, mesmo que apenas até então. Ah, mas aqueles pelos de pescoço, eriçados, como pequenos e suaves raios de luz saindo da pele... Mas tão surpreendentemente orgânicos, terrenos, físicos, tocáveis... Permitiu-se brincar com a ideia um pouco mais, mais perto da borda, já sem muita certeza de te-la entre os dedos, senão já além do controle das suas digitais.
O ritmo da música intensificava. Parecia fazer valer mais cada tempo dos mesmos compassos. O corpo da outra era quente, móvel, pulsava junto com o seu, como se adivinhasse a música que soava por trás daquelas pálpebras que lhe imaginavam.
Quis tê-la de verdade ali entre os braços, tirar sua roupa, despir o resto daquela pele e sentir o perfume de pessoa que os raios de sol apenas anunciavam. O querer assustou-a. Doía de forma quase viciante. Os acordes agonizavam em consonância com suas sensações, dissonantes.
O querer-viver surpreendendo-a com seu poder de infiltrar-se de mansinho pelo imaginar-viver. Nunca crera que fosse possível, exceto por aquele par de noites tão distantes e pintadas de sofrimento da mais pura fossa. Desejo escorpiano cavado do solo obscuro de plutão.
Mas aquilo era diferente, solar, ainda que noturno, como se o calor da verdade refletisse na lua e lhe chegasse em raios mornos. Quis vê-la sorrir ali mesmo, rosto entre suas mãos, e sentir o sangue circulando e manchando a superfície daquela pele lembrada no toque da sua. A lembrança parecia renovar-se a cada segundo, como que também enganada pelos raios de luz, saindo de a pouco do seu refúgio cutâneo.
quinta-feira, 28 de abril de 2016
02/04/2016
Hoje acordei de um sonho doce. A quase não existência me parecia tão suave que a tomada de consciência da realidade caiu áspera, impiedosa, rascando o veludo celeste e onírico onde os olhos descansam.
Passei o dia com o sentimento do arrependimento prévio e do vazio póstumo. Era sexta-feira! Onde estava Exú para me esquentar a carne e fazer a gira girar? Me arrisquei, sabe? Botei a cara na chuva, no vento... Meu melhor batom cor de vinho cobria os lábios.
Mas não tem jeito. Quando você sabe que não é seu dia... E você sabe! Não importa a vontade, não importa o batom. Quando você sabe, sabe, e não tem badalada da meia noite que transforme a abóbora em carruagem.
Pusiste o Yves Saint Laurent, rico olor a flor, e para que? Para adocicar o cheiro podrido das suas veias? Mas a casa cheirava mal, mulher! E ele também... Não tinha o que fazer... Aguentaste o quanto tanto que podias. Mas não é que da um dóóóóó.
Pelo dia, pelas pessoas que chegam justo quando você está saindo, pelo perfume, pelo batom... Pela paja de ir e voltar! Mas enfim. Se hoje é sexta, então amanhã é sábado e a semana é uma criança. Que a noite de hoje abra os caminhos da alegria e da festa para amanhã.
Passei o dia com o sentimento do arrependimento prévio e do vazio póstumo. Era sexta-feira! Onde estava Exú para me esquentar a carne e fazer a gira girar? Me arrisquei, sabe? Botei a cara na chuva, no vento... Meu melhor batom cor de vinho cobria os lábios.
Mas não tem jeito. Quando você sabe que não é seu dia... E você sabe! Não importa a vontade, não importa o batom. Quando você sabe, sabe, e não tem badalada da meia noite que transforme a abóbora em carruagem.
Pusiste o Yves Saint Laurent, rico olor a flor, e para que? Para adocicar o cheiro podrido das suas veias? Mas a casa cheirava mal, mulher! E ele também... Não tinha o que fazer... Aguentaste o quanto tanto que podias. Mas não é que da um dóóóóó.
Pelo dia, pelas pessoas que chegam justo quando você está saindo, pelo perfume, pelo batom... Pela paja de ir e voltar! Mas enfim. Se hoje é sexta, então amanhã é sábado e a semana é uma criança. Que a noite de hoje abra os caminhos da alegria e da festa para amanhã.
13/01/2016
Olhe-se no espelho como se ele fosse uma janela e aquela pessoa na sua frente fosse uma bela mulher desconhecida te encarando. Ela sorri pra você. Os músculos contraindo-se em bela descontração. Você também sorri. Talvez ela tenha espinhas, olheiras ou um nariz comprido, mas você não percebe. Seu juízo não exerce a crueldade obstinada de marcar com caneta vermelha cada ponto onde deve entrar o photoshop.
A mulher, altiva, te olha nos olhos e te submerge na harmonia própria dos seus traços, únicos, desconsertantes. Não te olha com pena, mas com uma admiração observadora, plácida.
Ela pode te amar se você der espaço, se não criticar as marcas que o tempo lhe deu ou as linhas que o DNA desenhou na sua face, no seu corpo.
Mantra. Repetir até acreditar.
Mantra. Repetir até acreditar.
quarta-feira, 27 de abril de 2016
Prece a Sonho
Quando já não sei o que fazer comigo mesma eu procuro tudo o que não está em mim. Aqui adentro se abre um vazio alucinante e preciso encher, encher, devorar! Devoro comida, imagens, conhecimento, conhecimento... Os olhos latejam e o vazio continua pulsando. Como dói!
O vazio e a solidão irremediável da auto-consciência em meio a toda não-significância da realidade. Quisera dormir. Me reviro na cama. Me toco. Uma, duas, três, quatro, cinco vezes, seis! Já tudo pulsa de insensibilidade por excesso de sentir, de roçar.
Fecho os olhos, conto. Deusa, por que não posso dormir? É minha última opção! Me permita dormir e apagar todas as coisas ásperas do mundo desperto. Piedade! Me deixem dormir. Se não sei o que busco... O que quero... É tudo o que peço. Apaga meu cérebro, descansa meus olhos inchados.
Me deixa dormir. Desculpar as faltas, as falhas, os bolos, tortas, vacilos, comédias, desculpar as desculpas esfarrapadas com o incontestável "Caí. De sono." - "Me quedei. Dormida." - O sono como um trator, aplastando os calombos.
Me deixa dormir.
O vazio e a solidão irremediável da auto-consciência em meio a toda não-significância da realidade. Quisera dormir. Me reviro na cama. Me toco. Uma, duas, três, quatro, cinco vezes, seis! Já tudo pulsa de insensibilidade por excesso de sentir, de roçar.
Fecho os olhos, conto. Deusa, por que não posso dormir? É minha última opção! Me permita dormir e apagar todas as coisas ásperas do mundo desperto. Piedade! Me deixem dormir. Se não sei o que busco... O que quero... É tudo o que peço. Apaga meu cérebro, descansa meus olhos inchados.
Me deixa dormir. Desculpar as faltas, as falhas, os bolos, tortas, vacilos, comédias, desculpar as desculpas esfarrapadas com o incontestável "Caí. De sono." - "Me quedei. Dormida." - O sono como um trator, aplastando os calombos.
Me deixa dormir.
sexta-feira, 22 de abril de 2016
"Para que você continue permitindo que sua alma transborde"
Aqui começa mais um caderno.
Com direito a introdução, com direito a ilustração, com direito a dedicatória e cheiro de caderno novo.
Começo mais um caderno na esperança de me sentir cada vez menos vazia à medida que encho de palavras azuis as páginas brancas. Esperança esta que acompanha a vontade de comer o mundo e vomitar sentimentos através dessas tantas invenções humanas que me permitem isso. Canetas, tinta, papel, linguagem... Tecnologias que não terminam de servir ao "homem", mas que jamais poderão libertar-(los, nos?) da condição redundantemente humana, mundana, mortal, angustiada.
Escrevo para permitir que minha alma transborde para fora desse corpo em lenta decomposição, que jamais poderá conter toda a essência desses 21 gramas. Fragmentos de peso estes que balanceiam a carga de Atlas e sangram em arte para impedir que a vida nos esmague.
Que este novo caderno seja um brinde à arte, às grandes emoções, aos momentos brutais, inesquecíveis ou simplesmente comuns. Que seja um brinde às eternas lembranças e aos novos começos.
Dedicado a Clara, pelas páginas.
Dedicado a Clarice, pelas palavras.
Com direito a introdução, com direito a ilustração, com direito a dedicatória e cheiro de caderno novo.
Começo mais um caderno na esperança de me sentir cada vez menos vazia à medida que encho de palavras azuis as páginas brancas. Esperança esta que acompanha a vontade de comer o mundo e vomitar sentimentos através dessas tantas invenções humanas que me permitem isso. Canetas, tinta, papel, linguagem... Tecnologias que não terminam de servir ao "homem", mas que jamais poderão libertar-(los, nos?) da condição redundantemente humana, mundana, mortal, angustiada.
Escrevo para permitir que minha alma transborde para fora desse corpo em lenta decomposição, que jamais poderá conter toda a essência desses 21 gramas. Fragmentos de peso estes que balanceiam a carga de Atlas e sangram em arte para impedir que a vida nos esmague.
Que este novo caderno seja um brinde à arte, às grandes emoções, aos momentos brutais, inesquecíveis ou simplesmente comuns. Que seja um brinde às eternas lembranças e aos novos começos.
Dedicado a Clara, pelas páginas.
Dedicado a Clarice, pelas palavras.
sábado, 2 de abril de 2016
29/02/2016
Gosto de voltar pra casa de noite dirigindo pela costa. Gosto de me sentir solitária, infinita, vazia, de perceber a imensidão do mar engolindo a cidade adormecida, lúgebre.
Passo pelos vultos das prostitutas, que como se fossem bestas, saem à noite para caçar. São figuras simultaneamente voluptuosas e discretas. Afora elas, a noite é dos homens - que infestam as ruas com a ausência do gênero oposto - e das pistas de piche, negras, molhadas, absorventes. Os olhos parece que se engancham nas listras amarelas, uma após a outra, em velocidade disforme.
O carro devora o vento, come o asfalto, desliza pelo tempo. Gosto de dirigir pelas ruas desertas da noite dessa cidade enlouquecida, mareada, caduca, decrépita como a humanidade, controversa como a figura das prostitutas.
Passo pelos vultos das prostitutas, que como se fossem bestas, saem à noite para caçar. São figuras simultaneamente voluptuosas e discretas. Afora elas, a noite é dos homens - que infestam as ruas com a ausência do gênero oposto - e das pistas de piche, negras, molhadas, absorventes. Os olhos parece que se engancham nas listras amarelas, uma após a outra, em velocidade disforme.
O carro devora o vento, come o asfalto, desliza pelo tempo. Gosto de dirigir pelas ruas desertas da noite dessa cidade enlouquecida, mareada, caduca, decrépita como a humanidade, controversa como a figura das prostitutas.
sexta-feira, 11 de março de 2016
Decifra-me
Escuto o som do mundo esperando que eu o devore. É o único som que há, captado direto da realidade por meus accuratos ouvidos e montado em cima da linha do tempo, composta por tantas outras faixas, tantas vezes inúteis.
Escuto o som do mundo implorando para que eu o devore. As pessoas se olham, sem palavras. O olhar já diz o essencial, que pode até ser invisível aos olhos. Os instrumentos, sem dúvidas, soam. Em sua maioria. Algumas canções, a menudo expressas em letras chupadas do pensamento filosófico mais autêntico, da mais pura essência do sentimento.
Escuta-se o som do mundo devorando-se a si mesmo. Mas não soam as charlas de preenchimento do tecido sonoro de realidade artificial. O diálogo da bola de ping-pong que se esbarra de um canto ao outro sem penetrar. Se escutam o ranger dos dentes e os gemidos, piscares de olhos. Mas não se escuta o som da boca pedindo p queijo na mesa do café. Escuta-se o som da garganta devorando o sanduíche.
Mas ao fundo está o som do mundo, esperando-me para ser devorado. Grave, fatal, devastador e incessante. É o ventanal, é o mar, são as folhas chocando-se, é o zumbido que vem da terra. São as buzinas e as chaminés e os motores enlouquecidos e enlouquecedores, é o barulho do cheiro da fumaça entrando no nariz.
É o som do mundo, desesperado para que eu o devore. A fumaça flutua, muda, contra a luz. Sensual. Seu barulho não existe. Sua imagem se funde com o ruído de mar. Grave, tormenta - Uma grande e áspera respiração. Constante, é difícil notar quando inspira ou expira.
É apenas implacável, devastador. Sentada, ouço o som do mundo esperando que eu o devore.
Escuto o som do mundo implorando para que eu o devore. As pessoas se olham, sem palavras. O olhar já diz o essencial, que pode até ser invisível aos olhos. Os instrumentos, sem dúvidas, soam. Em sua maioria. Algumas canções, a menudo expressas em letras chupadas do pensamento filosófico mais autêntico, da mais pura essência do sentimento.
Escuta-se o som do mundo devorando-se a si mesmo. Mas não soam as charlas de preenchimento do tecido sonoro de realidade artificial. O diálogo da bola de ping-pong que se esbarra de um canto ao outro sem penetrar. Se escutam o ranger dos dentes e os gemidos, piscares de olhos. Mas não se escuta o som da boca pedindo p queijo na mesa do café. Escuta-se o som da garganta devorando o sanduíche.
Mas ao fundo está o som do mundo, esperando-me para ser devorado. Grave, fatal, devastador e incessante. É o ventanal, é o mar, são as folhas chocando-se, é o zumbido que vem da terra. São as buzinas e as chaminés e os motores enlouquecidos e enlouquecedores, é o barulho do cheiro da fumaça entrando no nariz.
É o som do mundo, desesperado para que eu o devore. A fumaça flutua, muda, contra a luz. Sensual. Seu barulho não existe. Sua imagem se funde com o ruído de mar. Grave, tormenta - Uma grande e áspera respiração. Constante, é difícil notar quando inspira ou expira.
É apenas implacável, devastador. Sentada, ouço o som do mundo esperando que eu o devore.
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016
Derrela
Y se fué todo a la mierda.
Meus planos, meus pobres enganos... Meus vinte anos de opressões guardadas e ilusões e martírios: por que não comigo? Por que fico batendo de cabeça contra um antro que não me quer, me diminui... Me vê como musa parcialmente incapacitada. Me sinto mesmo é fracassada.
Como é que um elogio se torna a por das ofensas? Como pode conter em sí um direcionamento velado, esse cortejo aparentemente tão nobre? E eu que queria tanto ser bonita, agora odeio meu nome, me rasgo o rosto pelos olhos abaixo. Duvido de meus esforços e rio de minhas aspirações.
Afundo em meu peito as cinzas do cigarro do fracasso - orgânico, hein? Mas de que importa? Não serve minha garganta pra cantar? - QUEIMO. Não servem meus pulmões pra soprar? - TORRO. Não servem pra tocar esses meus artríticos dedos? - AGARRO com eles um novo cigarro e meto bronca.
E que desça rasgando. E que a porra do porro seque tanto tudo ao ponto de que já nem tenha lágrimas pra chorar por esse futuro que nunca foi (nem nunca será).
Será? BASTA DE ESPERANÇA. Para mim agora tem que bastar uma verborragia que tira do peito os sentimentos e joga no papel de qualquer jeito, que me deixa zonza e vazia, insone, de olhos abertos no escuro. Sem medo, sem amor... Vazios.
Luz dos olhos se esmaecendo, tremulando. E se o amor só é bom se doer... Bom, bom. Não sinto amor, nem medo, nem dor. Só sinto fome. Pergunte ao meu orixá, se não me crê. O amor só é bom se doer. E eu não sinto amor, nem medo, nem dor.
Eu sinto fome. Com nome e sobrenmome. Começa com A e termina com E. Começa com R e termina com A. Você tem fome de quê? Já lembrou do que é?
Meus planos, meus pobres enganos... Meus vinte anos de opressões guardadas e ilusões e martírios: por que não comigo? Por que fico batendo de cabeça contra um antro que não me quer, me diminui... Me vê como musa parcialmente incapacitada. Me sinto mesmo é fracassada.
Como é que um elogio se torna a por das ofensas? Como pode conter em sí um direcionamento velado, esse cortejo aparentemente tão nobre? E eu que queria tanto ser bonita, agora odeio meu nome, me rasgo o rosto pelos olhos abaixo. Duvido de meus esforços e rio de minhas aspirações.
Afundo em meu peito as cinzas do cigarro do fracasso - orgânico, hein? Mas de que importa? Não serve minha garganta pra cantar? - QUEIMO. Não servem meus pulmões pra soprar? - TORRO. Não servem pra tocar esses meus artríticos dedos? - AGARRO com eles um novo cigarro e meto bronca.
E que desça rasgando. E que a porra do porro seque tanto tudo ao ponto de que já nem tenha lágrimas pra chorar por esse futuro que nunca foi (nem nunca será).
Será? BASTA DE ESPERANÇA. Para mim agora tem que bastar uma verborragia que tira do peito os sentimentos e joga no papel de qualquer jeito, que me deixa zonza e vazia, insone, de olhos abertos no escuro. Sem medo, sem amor... Vazios.
Luz dos olhos se esmaecendo, tremulando. E se o amor só é bom se doer... Bom, bom. Não sinto amor, nem medo, nem dor. Só sinto fome. Pergunte ao meu orixá, se não me crê. O amor só é bom se doer. E eu não sinto amor, nem medo, nem dor.
Eu sinto fome. Com nome e sobrenmome. Começa com A e termina com E. Começa com R e termina com A. Você tem fome de quê? Já lembrou do que é?
Gira-Gira-Gira
Meu refúgio é a apatia. Pra não sentir nada além de fome, pra não sentir que não sinto (nem sequer se quiser, amor), pra canalizar essa água suja de chuva que escorre pelas frestas de globos inchados. Serve pra tudo, minha gente! É mais barato que banana, é mais útil que bombril, mais chique que Dior. Mas corra pra pegar a sua, antes que acabe o estoque, antes de ver o sorriso, antes de sentir o toque. A promoção só é válida enquanto durar a poker face, enquanto a tartaruga não sentir o peso do casco que lhe protege dos céus e tanto lhe tarda os passos.
Mas não sou a tartaruga. A ansiedade corrói minhas unhas como ácido sulfúrico. Corto, lixo. Bem pequenas, para fingir que não. A garganta queima de bílis e raiva, de choro preso, de palavras não ditas. E o que diria? Eu não sinto nada! Só mesmo fome... Dilacerante. E é provisório, ouça bem! Anote do pouco que falo o menos que digo. Um dia desapego também desse último sentimento, dessa última fraqueza nutritiva.
Abdico dos dois maiores prazeres pela sorte de empacotar as malas do cachorro preto que me fez companhia. Tem andado queto, murcho, pedindo com olhos implorantes que não lhe hagam caso. Ainda assim, é minha única e constante companhia. O quarto, a sala, tudo estará tão vazio quando ele se for... Então entra o terceiro prazer. Sempre pela porta dos fundos.
Temporário ou definitivo, é o que sobra quando a falta de sentido te arranha e te cobra. O que? Um pedacinho desesperado da sua pele, migalhas de pulmão, conpulsões compulsórias, auto-aplicadas. Só mesmo o terceiro prazer. Do irmão ou da irmã. Já nem sei qual contém mais conforto, já nem sei se me importa.
Mas não soframos na véspera da escolha. Não me chamam ansiosa? Fica no limbo, então, onde o tempo não alcança. Quando a hora chegar, eu decido.
O gira-gira gira
O gira-gira roda
O gira-gira da minha cabeça só piora
Mas não sou a tartaruga. A ansiedade corrói minhas unhas como ácido sulfúrico. Corto, lixo. Bem pequenas, para fingir que não. A garganta queima de bílis e raiva, de choro preso, de palavras não ditas. E o que diria? Eu não sinto nada! Só mesmo fome... Dilacerante. E é provisório, ouça bem! Anote do pouco que falo o menos que digo. Um dia desapego também desse último sentimento, dessa última fraqueza nutritiva.
Abdico dos dois maiores prazeres pela sorte de empacotar as malas do cachorro preto que me fez companhia. Tem andado queto, murcho, pedindo com olhos implorantes que não lhe hagam caso. Ainda assim, é minha única e constante companhia. O quarto, a sala, tudo estará tão vazio quando ele se for... Então entra o terceiro prazer. Sempre pela porta dos fundos.
Temporário ou definitivo, é o que sobra quando a falta de sentido te arranha e te cobra. O que? Um pedacinho desesperado da sua pele, migalhas de pulmão, conpulsões compulsórias, auto-aplicadas. Só mesmo o terceiro prazer. Do irmão ou da irmã. Já nem sei qual contém mais conforto, já nem sei se me importa.
Mas não soframos na véspera da escolha. Não me chamam ansiosa? Fica no limbo, então, onde o tempo não alcança. Quando a hora chegar, eu decido.
O gira-gira gira
O gira-gira roda
O gira-gira da minha cabeça só piora
segunda-feira, 25 de janeiro de 2016
Quinha do Mês
Talvez a vontade de uma aventura qualquer seja só para tapar o buraco da dúvida, da falta de propósito da existência. Por que tamanho medo da incompetência e da mediocridade? Leonices, talvez... Talvez... Talvez esteja só cansada de ser... Eu! (?) Demasiados anos de convivência.
Não quero (mesmo que sequer fosse uma possibilidade) usar dele nem de ninguém pra tapar buracos que eu mesma cavei no solo do que é meu caminho. Mesmo que por pura e mútua diversão... Não sei, seria antiético. Quebraria essa delicada linha tênue desse ralo e frágil código da pouca honra que me resta.
Já não consigo diferenciar vontade legítima de carência da ausência fria do afeto. Talvez só necessidade de me sentir desejada, de chamar a atenção (como um cone de trânsito: perigo!), de ser a menina dos olhos de alguém.
Mesquinhezes da alma humana. Como a alegria agressiva de ver sofrer, pelos mesmos motivos mesquinhos, quem um dia já me arrancou lágrimas secas da garganta ardida com ponta de pena. Quase sem nem ter tinta. Mesquinhez. Unha catando migalhas de sujeira debaixo de unha pra jogar na cara. Terra e sangue. Terra e pele que arranhei das costas de qualquer um num grito mais de raiva que de satisfação.
Mesquinha, eu? Sim. Quero é distância de abundâncias que não sejam de silêncio, jazz e solitude. De tanto ansiar já não quero abraço que não o do meu travesseiro, não mais visões que não o ninho intocado do telhado da minha janela, talvez já abandonado depois de tantos meses de ausência minha. Ausência mesquinha, como tudo mais.
Não quero (mesmo que sequer fosse uma possibilidade) usar dele nem de ninguém pra tapar buracos que eu mesma cavei no solo do que é meu caminho. Mesmo que por pura e mútua diversão... Não sei, seria antiético. Quebraria essa delicada linha tênue desse ralo e frágil código da pouca honra que me resta.
Já não consigo diferenciar vontade legítima de carência da ausência fria do afeto. Talvez só necessidade de me sentir desejada, de chamar a atenção (como um cone de trânsito: perigo!), de ser a menina dos olhos de alguém.
Mesquinhezes da alma humana. Como a alegria agressiva de ver sofrer, pelos mesmos motivos mesquinhos, quem um dia já me arrancou lágrimas secas da garganta ardida com ponta de pena. Quase sem nem ter tinta. Mesquinhez. Unha catando migalhas de sujeira debaixo de unha pra jogar na cara. Terra e sangue. Terra e pele que arranhei das costas de qualquer um num grito mais de raiva que de satisfação.
Mesquinha, eu? Sim. Quero é distância de abundâncias que não sejam de silêncio, jazz e solitude. De tanto ansiar já não quero abraço que não o do meu travesseiro, não mais visões que não o ninho intocado do telhado da minha janela, talvez já abandonado depois de tantos meses de ausência minha. Ausência mesquinha, como tudo mais.
quinta-feira, 7 de janeiro de 2016
Desiscados
Cada saudade é como um pequeno chumbo que se afunda no meu peito, como que perfurando as águas de um oceano profundo. Da ponta pende um anzol que busca incessantemente pescar algo que preencha o buraco do caminho deixado para trás. Cruéis, cada vez mais eles avançam, escavam e aumentam os túneis por onde passam.
Abrem caminho rasgando as águas espessas e vermelhas, cada vez mais escuras. Já não enxergam nada, com certeza, mas buscam desesperados a pesca que seja seduzida pelo brilho de sua ponta sem isca.
SãO tantas as saudades que já não tenho coração, mas um queijo suíço, sangrento, que mal sabe como bater. Mais se move em ondas, numa nostalgia dormente que pulsa em frequência cada vez mais débil, quase inaudível.
E quando ninguém mais puder escutar as ondas quebrando-se contra frágeis pedras, ainda estarão os anzóis, perfurando as profundezas abissais do oceano do meu peito. Para sempre buscando o que nem mais existe, o que ficou pra trás e jamais poderá ser encontrado no fundo, senão por alucinação ou miragem.
Pobres anzóis! São como peões que só podem mover-se adiante e comer o nada em diagonal frontal. Pobre do oceano este, cortado, perfurado, mutilado pela tristeza de ser insuficiente às lâminas prateadas e desiscadas. É cada vez mais profundo, escuro, salgado, pesado, estéril.
Chega o ponto em que os anzóis têm sorte de nada pescar, pois os habitantes monstruosos do oceano abissal não estão para ser vistos e antes engoliriam os chumbinhos - com gancho e tudo - morrendo de intoxicação por esquecimento. Há muito já está perdida a ponta do fio que ficou na superfície. É um caminho sem volta, afinal, a cadência de toda saudade. Seu destino é afundar e contorcer-se ao infinito, na eterna sensação de queda.
Tal vertigem, ao contrário do que mostram os filmes (i-n-o-c-e-n-t-e), nunca despertam do pesadelo da perda, do peso da existência, nem do vácuo deixado pelos anzóis da saudade.
segunda-feira, 4 de janeiro de 2016
Xei' de Nada
Não tá fácil pra ninguém.
O chão sob meus pés, rachado já de há tempos, se despedaça diante de mim. Eu, atônita, recuso-me a cair, contrariando as leis da gravidade. Fico ali parada, olhando o vazio abaixo de mim.
Pense num lugar que tá em alta na estação? O vazio. Vacíííííío. Lento, cremoso. Tão desesperante, tão paralisante, oco, opaco, tão... tão.... Vazio. Cheio de Nada, da mais fina qualidade. Nada grosso, denso, vazio.
Não tá fácil pra ninguém e eu não sei é de nada mesmo nessa porra.
O chão sob meus pés, rachado já de há tempos, se despedaça diante de mim. Eu, atônita, recuso-me a cair, contrariando as leis da gravidade. Fico ali parada, olhando o vazio abaixo de mim.
Pense num lugar que tá em alta na estação? O vazio. Vacíííííío. Lento, cremoso. Tão desesperante, tão paralisante, oco, opaco, tão... tão.... Vazio. Cheio de Nada, da mais fina qualidade. Nada grosso, denso, vazio.
Não tá fácil pra ninguém e eu não sei é de nada mesmo nessa porra.
Arte de Maria Paula Costa |
23/11/15
Já metade lá. E ao mesmo tempo em qualquer parte. Talvez pra ter uma melhor ideia do todo (o interior ou o exterior) eu tenha que alejar dos limites (os internos e os externos) e das definições e de toda essa boçal ideia de quemsoueu e toda essa merda de forma identitária que um tenta construir. Como se fosse um molde de metal que vai trabalhando e formando ao longo dos anos e que serve para fazer um belo busto de gesso quando termina-se o tempo e vem o túmulo.
Será que vivemos toda uma vida em função da morte? Gastamos tanto tempo (todo o que nos cabe) tratando de desenhar a cara que há de figurar nossa lápide... E para que? Para ser olvidados depois de 3 gerações ("os grandes gênios" em alguma centenas de anos)?
Um nome num livro que tortura secundaristas explodindo em hormônios. A isso se resumem tantos épicos! Tantas vidas eternamente veladas pela passagem do tempo. Os fatos se tornam turvos, as brumas separam da realidade cada ilha que nasce, cresce, goza e morre. Vários Avalons caídos em eterno desuso. Ai, poupáme! Poupe-me (a quem lhe escrevo, eu?) da alta paja de tratar de ser. ALTA PAJA de me levantar pra ensaiar um dia de como seria o eu do passado do futuro eu brilhante que está naquela cristaleira profética no canto da sala. Brilhando como uma das muitas taças que rompo por desantenção (autismo auto-induzido, oficial segundo mamãe).
Nada mais importante que comer um desayuno calmo, repleto de frutillas cor do sangue que sinto pulsar, repletas de sementes. Romper a constância da noite com um bom dia ao dia, ao dom, a jah. Ao sol de cegar os olhos através de lentes escuras. O sol da manhãzinha, que não é para nada o mesmo que estarei maldizendo em questão de horas.
É primavera até em dia de chuva.
Será que vivemos toda uma vida em função da morte? Gastamos tanto tempo (todo o que nos cabe) tratando de desenhar a cara que há de figurar nossa lápide... E para que? Para ser olvidados depois de 3 gerações ("os grandes gênios" em alguma centenas de anos)?
Um nome num livro que tortura secundaristas explodindo em hormônios. A isso se resumem tantos épicos! Tantas vidas eternamente veladas pela passagem do tempo. Os fatos se tornam turvos, as brumas separam da realidade cada ilha que nasce, cresce, goza e morre. Vários Avalons caídos em eterno desuso. Ai, poupáme! Poupe-me (a quem lhe escrevo, eu?) da alta paja de tratar de ser. ALTA PAJA de me levantar pra ensaiar um dia de como seria o eu do passado do futuro eu brilhante que está naquela cristaleira profética no canto da sala. Brilhando como uma das muitas taças que rompo por desantenção (autismo auto-induzido, oficial segundo mamãe).
Nada mais importante que comer um desayuno calmo, repleto de frutillas cor do sangue que sinto pulsar, repletas de sementes. Romper a constância da noite com um bom dia ao dia, ao dom, a jah. Ao sol de cegar os olhos através de lentes escuras. O sol da manhãzinha, que não é para nada o mesmo que estarei maldizendo em questão de horas.
É primavera até em dia de chuva.
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