Ouviu de pernas bem juntas os primeiros acordes da música. Os pelos dos braços se eriçando, um frio que descia da nuca e enrijecia os músculos das costas até chegar nos pés, dando-lhe cócegas. As pálpebras pesavam e ela parpadeou em câmera lenta. "Parecia uma atriz ruim fingindo desmaio", pensou.
Por um momento a veracidade ou não daquele sentimento pareceu brincar na ponta dos seus dedos, como se pudessem desvanecer no ar tal qual a sensação de atriz. Sentiu-a derreter nas unhas e entrar por seu sistema nervoso. Pensou poder sentir a maciez da pele de um pescoço nú, quase dourado, os pequenos pelos eriçando-se ao toque seu.
De costas, ela não via-imaginava o rosto da outra, mas imaginava-imaginava seus lábios, primeiro temblando de leve, depois apertando-se um contra o outro. O ombro ensaiando levantar e logo relaxando, como um suspiro de quase susto.
Algo se mexeu dentro dela, pesado e quente; choque térmico com o calafrio. Era como uma rosa vermelha, enquanto o resto era flor da pele. Sentiu como que se fosse real seria tão bom quanto na imaginação e viveu mil desfechos na probabilidade de segundos.
Gostou, de início; já fazia tempo que imaginar-viver não superava o imaginar - de olhos fechados - em terceira pessoa só meio presente. Talvez quase nada. Depois teve medo... Todos os desfechos outros enrubescendo a suposta face possível, pega na vergonha do flagra da mentira ou da fraqueza.
Seria como a sensação de atriz ruim, mas de alguma forma pior só por ter sido verdade, mesmo que apenas até então. Ah, mas aqueles pelos de pescoço, eriçados, como pequenos e suaves raios de luz saindo da pele... Mas tão surpreendentemente orgânicos, terrenos, físicos, tocáveis... Permitiu-se brincar com a ideia um pouco mais, mais perto da borda, já sem muita certeza de te-la entre os dedos, senão já além do controle das suas digitais.
O ritmo da música intensificava. Parecia fazer valer mais cada tempo dos mesmos compassos. O corpo da outra era quente, móvel, pulsava junto com o seu, como se adivinhasse a música que soava por trás daquelas pálpebras que lhe imaginavam.
Quis tê-la de verdade ali entre os braços, tirar sua roupa, despir o resto daquela pele e sentir o perfume de pessoa que os raios de sol apenas anunciavam. O querer assustou-a. Doía de forma quase viciante. Os acordes agonizavam em consonância com suas sensações, dissonantes.
O querer-viver surpreendendo-a com seu poder de infiltrar-se de mansinho pelo imaginar-viver. Nunca crera que fosse possível, exceto por aquele par de noites tão distantes e pintadas de sofrimento da mais pura fossa. Desejo escorpiano cavado do solo obscuro de plutão.
Mas aquilo era diferente, solar, ainda que noturno, como se o calor da verdade refletisse na lua e lhe chegasse em raios mornos. Quis vê-la sorrir ali mesmo, rosto entre suas mãos, e sentir o sangue circulando e manchando a superfície daquela pele lembrada no toque da sua. A lembrança parecia renovar-se a cada segundo, como que também enganada pelos raios de luz, saindo de a pouco do seu refúgio cutâneo.
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