terça-feira, 11 de outubro de 2016

Lavanda POP

     Tento reunir-me e a tudo o que é meu sob as asas de quatro paredes frias que nada podem conter. Basura. Meu corpo, notas fiscais e musicais que encontro vagando pela rua como cães abandonados. Sua efemeridade me encanta, então guardo seus esqueletos nos meus covis, em vã tentativa de conter-me e ao mundo dentro desse quarto que é meu crânio.
     Esquecer. Guardo tudo como se fizesse um relatório constante de tudo o que vivi e vivo. Esquecer: temo. Talvez mais do que tudo. Meus relicários sobem pelas paredes, apossando-se delas, tornando-se seus tijolos. Se perco as coisas, me perco. Entendes? Esquecer... Sem as paredes, nada resta de mim.
     Mas as coisas vagam, inescrupulosas, rancorosas de mim. Má anfitriã que sou, me perco delas, me embolo, esqueço, me esqueço. E é bom. Mas as coisas... Elas aprendem a sobreviver, a alimentar-se e a trafegar pelos becos das penúltimas gavetas, de detrás do armário do canto.
     As coisas se banham de mofo e queimam ao sol nos dias de limpeza que tanto doem e tanto se fazem brutalmente necessários. Esquecer. É preciso. Ou impreciso, mas tão biologicamente imprescindível quanto doloroso para a mente. Mas não minto: morrerás, mente minha. És a única coisa de mim que há de morrer e acabar-se nas graças do tempo. Graças à Deusa.

     Acumulo banalidades. Não sei bem o porquê. É talvez uma projeção de uma futura angústia que me virá? Que vejo nos olhos de quem olha fotos de tempos que nem lembro se já existia ou se era mera probabilidade. Quanta qualidade as memórias não perdem enquanto vão se comprimindo pelos codificadores do tempo. E virá? Me aterroriza a solidão da falta de tempo, dos anos se afogando e se escorrendo pelo ralo.
     Será, por isso, acumular banalidades um investir no valor sentimental que um dia terão, por acumulação de juros anuais? Cipah. Uma ganância, uma inconformidade, uma insubmissão ao acorrentado senhor do labirinto e seus olhos cegos, lendo o agora. Fadada a falhar. Cipah?
     Ou será que do desgaste mesmo do uso se faz o pó mágico do cansaço, da ferrugem, do sono. Do ir fechando as pálpebras aos poucos, já contente que o dia se terminou. Será como o fimd e um longo e cansativo dia?
     Pois os dias são preciosos... Entre minhas trivialidades guardo em conchas abandonadas algumas tardes de verão gasoso, morno, quente e calmo. Em livros grossos, pequenos corpos decos de flores de primavera, vidrinhos vazios de perfume de lavanda POP. Cobertos por grossas lonas de empendurar-se, para que as traças não lhes devorem.
     Guardo em xícaras de chá manhãs frescas de outono bem-vindo, como terra preta, úmida, nos pés descalços. Guardo na porta de um escuro armário, pendurados, feixes de luz gelados de um anoitecer prematuro.
     Numa caixinha de cerâmica acumulei cinzas de noites de invernos. Se ponho um pouquinho na língua ainda consigo escutar as músicas para o inferno afugentar e as meias aquecendo os pés. O craquelar do fogo e da madeira me fazendo pensar (agora ou então?) aonde irão parar as minhas quando eu morrer.

Por que ninguém fala da morte?
Não sei.
Também não sei onde vão parar minhas cinzas.
Nem nunca saberei.


A morte
A manhã
A mente
Se desfez


A mém.

Nenhum comentário:

Postar um comentário