quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Desiscados

   

     Cada saudade é como um pequeno chumbo que se afunda no meu peito, como que perfurando as águas de um oceano profundo. Da ponta pende um anzol que busca incessantemente pescar algo que preencha o buraco do caminho deixado para trás. Cruéis, cada vez mais eles avançam, escavam e aumentam os túneis por onde passam.
     Abrem caminho rasgando as águas espessas e vermelhas, cada vez mais escuras. Já não enxergam nada, com certeza, mas buscam desesperados a pesca que seja seduzida pelo brilho de sua ponta sem isca.
     SãO tantas as saudades que já não tenho coração, mas um queijo suíço, sangrento, que mal sabe como bater. Mais se move em ondas, numa nostalgia dormente que pulsa em frequência cada vez mais débil, quase inaudível.
     E quando ninguém mais puder escutar as ondas quebrando-se contra frágeis pedras, ainda estarão os anzóis, perfurando as profundezas abissais do oceano do meu peito. Para sempre buscando o que nem mais existe, o que ficou pra trás e jamais poderá ser encontrado no fundo, senão por alucinação ou miragem.
     Pobres anzóis! São como peões que só podem mover-se adiante e comer o nada em diagonal frontal. Pobre do oceano este, cortado, perfurado, mutilado pela tristeza de ser insuficiente às lâminas prateadas e desiscadas. É cada vez mais profundo, escuro, salgado, pesado, estéril.
     Chega o ponto em que os anzóis têm sorte de nada pescar, pois os habitantes monstruosos do oceano abissal não estão para ser vistos e antes engoliriam os chumbinhos - com gancho e tudo - morrendo de intoxicação por esquecimento. Há muito já está perdida a ponta do fio que ficou na superfície. É um caminho sem volta, afinal, a cadência de toda saudade. Seu destino é afundar e contorcer-se ao infinito, na eterna sensação de queda.
     Tal vertigem, ao contrário do que mostram os filmes (i-n-o-c-e-n-t-e), nunca despertam do pesadelo da perda, do peso da existência, nem do vácuo deixado pelos anzóis da saudade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário