Recém tirava o jeans quando escutou o barulho da porta se abrindo. O coração disparou. Ainda estava usando a camisa dele quando o seu vulto cansado chegou à porta do quarto e tateou pelo interruptor. Ofegava um pouco, parte pelo esforço de escalar as escadas vertiginosas até o terceiro andar, parte pelo clima abafado que predizia uma chuva. A umidade portenha carregando cada centímetro cúbico de ar.
Não soube bem como reagir. Quando a luz se acendeu não viu no rosto dele a surpresa que esperava, senão uma outra ansiedade . Seus olhos foram baixando do rosto até a camisa, passando fugazes pelas pernas recém desnudas. O jeans jazia embolados a seus pés. Sentiu-se clandestina, ainda que aquele quarto também lhe pertencesse.
Ficaram em silêncio alguns instantes, encarando-se, perscrutando o rosto do outro analisando os detalhes que os meses de afastamento haviam alterado. Quanto dura um instante? Identificou duas pintas novas em suas maçãs e se perguntou se algo em si mesma também estaria muito diferente.
Não quis quebrar o silêncio com algo banal como um "oi". Lhe parecia estúpido, inútil. Um saludo sem conteúdo. A tensão que se criava de repente estava acompanhada de uma sensualidade, um erotismo latente que conectava seus poros diretamente com a pele levemente úmida de suor que grudava o peito dele à camisa de verão. Por fim, foi ele quem pôs fim ao silêncio:
"Quando passei pela portaria Fernando me disse que você estava aqui". Cada palavra continha em si um tremor inquieto, quase inaudível.
"Ah." Balbuciou ela, simplesmente, sem saber o que dizer. Em seu timbre transbordava o fervor que desertava por estar naquele ambiente, com aquela pessoa, com aquela camisa. Essa excitação nem lhe permitia sentir a vergonha que normalmente lhe acometeria em uma situação como essa.
"Não esperava que você viesse..." ele deu alguns passos em sua direção enquanto dizia essas palavras. A ela não lhe ocorreu recuar, ao contrário, sentia um impulso de se atirar contra ele e rasgar suas roupas com as unhas e morder seus lábios até que sangrassem, Pensava sentir contida dentro dele a mesma vontade, que fazia com que lhe tremessem as mãos.
Já não pode evitar mais. A soltura de uma respiração que ela nem se dera conta de estar presa fez com que seu corpo se movesse sozinho. Ele tampouco hesitou (en realidade mal piscou) e lhe abraçou e mordeu e beijou, como um animal faminto. Ela sentiu os seios endurecendo sob a camisa, que logo foi removida e atirada ao piso como um trapo cualquiera, junto com as roupas dele.
Arrepios que não tinham nada que ver com frio lhe eriçavam todos os pelos do corpo e o clítoris latejava entre as coxas quentes. Não chegou a dar-se conta do momento exato em que se deitaram ma cama. Só percebia as peles ( a sua e a dele, agora indistinguíveis) que se roçavam, futucavam, apertavam e esfregavam-se mutuamente. Não respiravam. Grandes quantidades de ar entravam e saíam de ambos os corpos, mas o ato era desesperado, involuntário... O diafragma e pulmões estavam a serviço de outras funções corporais, agora infinitamente mais importantes.
Cheirou pela milésima vez aquela nuca desnuda e sentiu o feromônio tão conhecido daquele corpo sobre o seu. Era estimulante quanto o dedo que se movia dentro dela e lhe arrancava uma outra dúzia de gemidos. Escutava-os, mas não sabia reconhecer-los como seus, senão como parte de toda a massa de informações que os sentidos lhe atiravam ao cérebro confuso. Mas lhe excitavam. O ruído de seus próprios gemidos, fluidos, respiração... Tudo somava ao calor, à energia que transitava entre seus corpos e lhe molhava a calcinha.
Ele sentia os dedos tremerem ao entrar nela. Úmida, quente. Pulsava. As paredes internas pareciam contorcer-se de prazer e querer envolver-los. O polegar lhe massageava o clítoris, cada vez mais inchado pela fricção.
Ele também suava. Agarrou suas cosas com as mãos e pôs a cabeça entre suas pernas, sentindo louco cheiro que emanava dela. Enlouqueceu-se ainda mais. Entre mãos, lábios e dentes lhe arrancou a calcinha ensopada. Lábios encontraram lábios. E nariz. E língua, suavemente. Ela respirava fundo, tremia, gemia baixinho. Espasmos começaram a tomar-lhe a pele da barriga, pés e coxas. O peito subia e baixava num ritmo cada vez mais desesperado. Ele sentia a vibração daquele corpo que se tremia inteiro ao mover da sua boca, como se sussurrasse palavras mágicas. Ela já não gemia: os sons que emitia lhe escapavam quase sem sentir e ele os absorvia em sua pele, excitado.
Ela sentia gotas de suor escorrerem-lhe pelo corpo. Não sabia se seu, dele ou, mais provável, uma mistura de todos os fluidos que lhe escorriam em gotas pelas coxas e pela cintura. Sentia calafrios (quentes) no umbigo, que acariciava com a ponta dos dedos. O êxtase já lhe chegava pelos bordes, ariçando os pelos num arrepio que lhe desceu pela pele das costas, lhe tomou o ventre e deixou em pé cada pelo de suas pernas. Gemeu, a tensão e o tesão do orgasmo soando naquele timbre rasgado do prazer sofrido daquela transa alucinada de reencontro, que assim como o terrível calor do verão, duraria quase toda a noite e só terminaria quando chegasse a chuva da madrugada.
Como as notas de uma melodia que no início não fazem sentido, mas depois começam a soar familiares.
quinta-feira, 10 de dezembro de 2015
quinta-feira, 3 de dezembro de 2015
Bajón - 14/11/15
3 da tarde e nada da vida começar. A pressão desce mais dura que a ressaca. Bajón. A depressão coça a cabeça e analisa a situação: bajón. A coragem de sair da cama se escondeu debaixo do cobertor e ficou entre resmungos e cutucadas com a bexiga cheia pra ver quem activava primeiro.
Duas gatas manhosas... Ao final foi o sol. A ditadura da luz, o desconforto de compartir a cama com um ser-objeto subitamente incômodo. (Horrivel dizer isso,né? Mas é verdade, fazer o que?)
Duas gatas manhosas... Ao final foi o sol. A ditadura da luz, o desconforto de compartir a cama com um ser-objeto subitamente incômodo. (Horrivel dizer isso,né? Mas é verdade, fazer o que?)
sexta-feira, 13 de novembro de 2015
Qué sé yo - 18/10/15
Vivo em dois lugares ao mesmo tempo. Ambos estão em um dos futuros dos "Mundos Possíveis" dos inúmeros universos do porvir. E se criar um mundo possível me é tão fácil... Que significa isso? É a minha realidade, LA CONCHA! Sim, é a minha concha, e por isso é tão natural.
Começo com uma ilusão. Onde está minha vida? Afinal, realidade é só uma escolha... Qual visão você prefere? Qual sente mais real nesse seu corpo passageiro? Porque vai passar, vai passar, vai passar.
Y está mal esta coisa de me sentir mais morocha, mais índia, mais vira-lata e mais orgulhosa por isso? Claro que não. Quanto mais sinto que não pertenezco acá, mais me dou conta de que um não pertence a um lugar, senão a si mesmo. Ao que deseja. Lugares são espaços físicos, portanto, percebidos. Se percebidos são, por tal tanto, imaginários.
Ai, obrigada, imaginación. Não digo grata, nem "gracias", mas sim repito o OBRIGADA. Para assistir e sentir-se parte de alguma coisa, hay que aceptar las reglas desse "Mundo Possível", que não é um, senão vários, mas hay que elegir.
Qual escolher, então? Se um é o deondeeuvenho e todos os outros são potencialmente o praondeeuvou? E se não tenho libido, será isso por não poder esquecer ou por não assimilar o diferente? Ou por não conhecer quizás, o suficiente? (ou o quizás, suficientemente -y yo que sé).
Rimo sem perceber, anseio por escrever o que nem sei que precessito colocar pra fora (pra dentro). E o que dizer? Quais palavras desenhar com tinta na superfície?
Se continuo me enamorando e tão facilmente caindo... Porque caímos quando percebemos e percebemos quando atingimos o fundo. Então talvez não possa me dar ao luxo de gastar energia tentando. Só por inspiração? Pelo fervor-friozinho que da na concha. Nessa, na outra... Dizem que as felizes não fazem pérola. (y que sé yo)
Mas mais me vale dois colares voando do que um no pescoço enforcado. As bolinhas marcando em baixo-relevo. Deixe queto, que cada maré quem faz é uma lua diferente e nada nada o único mundo possível é o desse. segundo. que. agora. tá. passando. não. merda. escapou. de novo. agora. ah. ah. ah. ah. ah. ah. huuum. aaaah. aaaaaaaaaaaah. hummmmm. aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaah. Gozei.
Começo com uma ilusão. Onde está minha vida? Afinal, realidade é só uma escolha... Qual visão você prefere? Qual sente mais real nesse seu corpo passageiro? Porque vai passar, vai passar, vai passar.
Y está mal esta coisa de me sentir mais morocha, mais índia, mais vira-lata e mais orgulhosa por isso? Claro que não. Quanto mais sinto que não pertenezco acá, mais me dou conta de que um não pertence a um lugar, senão a si mesmo. Ao que deseja. Lugares são espaços físicos, portanto, percebidos. Se percebidos são, por tal tanto, imaginários.
Ai, obrigada, imaginación. Não digo grata, nem "gracias", mas sim repito o OBRIGADA. Para assistir e sentir-se parte de alguma coisa, hay que aceptar las reglas desse "Mundo Possível", que não é um, senão vários, mas hay que elegir.
Qual escolher, então? Se um é o deondeeuvenho e todos os outros são potencialmente o praondeeuvou? E se não tenho libido, será isso por não poder esquecer ou por não assimilar o diferente? Ou por não conhecer quizás, o suficiente? (ou o quizás, suficientemente -y yo que sé).
Rimo sem perceber, anseio por escrever o que nem sei que precessito colocar pra fora (pra dentro). E o que dizer? Quais palavras desenhar com tinta na superfície?
Se continuo me enamorando e tão facilmente caindo... Porque caímos quando percebemos e percebemos quando atingimos o fundo. Então talvez não possa me dar ao luxo de gastar energia tentando. Só por inspiração? Pelo fervor-friozinho que da na concha. Nessa, na outra... Dizem que as felizes não fazem pérola. (y que sé yo)
Mas mais me vale dois colares voando do que um no pescoço enforcado. As bolinhas marcando em baixo-relevo. Deixe queto, que cada maré quem faz é uma lua diferente e nada nada o único mundo possível é o desse. segundo. que. agora. tá. passando. não. merda. escapou. de novo. agora. ah. ah. ah. ah. ah. ah. huuum. aaaah. aaaaaaaaaaaah. hummmmm. aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaah. Gozei.
quinta-feira, 5 de novembro de 2015
Como Um Chuchu
É uma das cordas bambas mais perigosas do mundo esta na qual brinca o rato. É feita de trança delicada de malha de metais incandescentes. Dói um pouco caminhar sobre ela, mas os pés já anestesiados da queimadura contínua não reclamam tanto. Novas bolhas vão surgindo por cima das marcas dos antigos calos, já quase cicatrizados.
Mas nem o pé nem as peles mortas são mais feios do que aquilo que se encontra no fundo do abismo que a corda cruza. O rato nem olha pra baixo por já saber de cor o que a escuridão e os quilômetros de profundidade encobrem. As imagens que busca ao avançar cada passo, essas sim pensa ter esquecido. Enxerga-as de relance quando sente as ferroadas dos metais em brasa, e é só o que pode ter delas se quiser evitar o tão temido desequilibrar.
Por que se arrisca, então? Talvez por tédio, pura e simplesmente. Pode ser que a avidez do deserto de areia, seguro, pastel, sólido(?), lo assuste mais que toda a dor que advém do possível cair da corda bamba. Esse fundo de poço, ao menos, já lhe é familiar. O esgoto... Já é trash por excelência, verdad?
Mas o deserto? Ai! O medo da sede que lhe implica... Só com muitos queijos (e vinhos) pra temperar. E a monotonia! Não lembre da monotonia, e da monocromia, e da tão temida (apesar de um pouco invejável) apatia. As lágrimas aí evaporam antes de saírem dos olhos, o coração bate sem vontade, bate por bater, na tentativa de escapar do lagarto frio que é a insônia.
E não há opção além de deserto, corda bamba e abismo? Não tem certeza se o conhece. Resta-lhe algumas lembranças em sépia de alguma praia cheia de coqueiros e peixes e vendedores de queijinho. Mas não tem certeza... Pode ter sido só um sonho. Já não tem certeza de muitas coisas, ultimamente. As imagens se borram, as cores se apagam, os cenários se confundem tanto que o brilho de uma cada bulba lhe chega quase como um farol. Um farol que queima e ameaça afoga-la, sim, mas ainda um farol.
"Mais forte...". Um arrepio corre uma espinha imaginada, lembrada. Os pelos do cangote real ameaçam eriçar. Os dedos lhes buscam, como que para certificar-se de que não se moveram. Olha pra trás, para a margem. Conta, mede, sim. Ainda está numa distância segura, só não sabe se acerta o caminho de volta, e nem ao menos se quer voltar. O rato sem graça se identifica com a pastelice do dia abobrinha que se vai com o sol. Abobrinha porque não teve sabor, como um chuchu, mas sem o som carinhoso do nome.
Mas nem o pé nem as peles mortas são mais feios do que aquilo que se encontra no fundo do abismo que a corda cruza. O rato nem olha pra baixo por já saber de cor o que a escuridão e os quilômetros de profundidade encobrem. As imagens que busca ao avançar cada passo, essas sim pensa ter esquecido. Enxerga-as de relance quando sente as ferroadas dos metais em brasa, e é só o que pode ter delas se quiser evitar o tão temido desequilibrar.
Por que se arrisca, então? Talvez por tédio, pura e simplesmente. Pode ser que a avidez do deserto de areia, seguro, pastel, sólido(?), lo assuste mais que toda a dor que advém do possível cair da corda bamba. Esse fundo de poço, ao menos, já lhe é familiar. O esgoto... Já é trash por excelência, verdad?
Mas o deserto? Ai! O medo da sede que lhe implica... Só com muitos queijos (e vinhos) pra temperar. E a monotonia! Não lembre da monotonia, e da monocromia, e da tão temida (apesar de um pouco invejável) apatia. As lágrimas aí evaporam antes de saírem dos olhos, o coração bate sem vontade, bate por bater, na tentativa de escapar do lagarto frio que é a insônia.
E não há opção além de deserto, corda bamba e abismo? Não tem certeza se o conhece. Resta-lhe algumas lembranças em sépia de alguma praia cheia de coqueiros e peixes e vendedores de queijinho. Mas não tem certeza... Pode ter sido só um sonho. Já não tem certeza de muitas coisas, ultimamente. As imagens se borram, as cores se apagam, os cenários se confundem tanto que o brilho de uma cada bulba lhe chega quase como um farol. Um farol que queima e ameaça afoga-la, sim, mas ainda um farol.
"Mais forte...". Um arrepio corre uma espinha imaginada, lembrada. Os pelos do cangote real ameaçam eriçar. Os dedos lhes buscam, como que para certificar-se de que não se moveram. Olha pra trás, para a margem. Conta, mede, sim. Ainda está numa distância segura, só não sabe se acerta o caminho de volta, e nem ao menos se quer voltar. O rato sem graça se identifica com a pastelice do dia abobrinha que se vai com o sol. Abobrinha porque não teve sabor, como um chuchu, mas sem o som carinhoso do nome.
segunda-feira, 2 de novembro de 2015
Tentativa 40 - 23/10/15
Está o cientista em seu laboratório de janelas duas, agora cerradas, e a escuridão é total. Acende uma lamparina azul e a maneira como a luz toca livianamente seus objetos estranhos e sombrios. Revela formas parciais, dando espaço à escuridão. É quase como se não quisesse tocas os frascos de vidro e os fótons, todo o seu potencial luminoso, tratam de não o ser e não molestar as superfícies disformes do lugar.
O cientista admira, paralisado, a visão de seu laboratório banhado naquela luz. Sente-se em uma cidade à noite. A sensação das ruas frias sob seus pés lhe causa um arrepio. É lindo e solitário. Desfruta da solitude e do silêncio absoluto por alguns instantes. De a pouco vai perdendo a noção do espaço. As formas bordeadas de azul celeste já lhe parecem ondas eletromagnéticas no vácuo.
Pensa escutar um ruído. Bah, deseja. Deseja escutar alguma coisa, como que para certificar-se de que o silêncio advém de fora e não de dentro, de uma súbida surdez que tornaria a vida insuportável. Numa cidade à noite o ar seria frio à pele e a secura lhe castigaria a cara... Mas haveria o vento, os malditos automóveis, um mendigo, algum bendito som!
Coça o catarro da garganta. Pigarro. Será que sua solitude se transforma em solidão? Mas é um cientista! As pessoas, o barulho... Isso atrapalha os estudos, por isso buscava a calma. Mas que era mesmo que buscava? A dizer... Com seus estudos. Qual era o objeto de pesquisa que valia o preço da solidão? Alí só se via objetos disformes, contornos.
Escuta uma catraca de bicicleta do lado de fora. Pensa escutar. Escuta? Pensa nela. Mas ela nem nunca andava de bicicleta! O cérebro encontrou foi um atalho atrevido e malposto para ter a desculpa de sua imagem projetada na parede do laboratório. Será que a visão doeria? Estaría alí afora? Sente o impulso de abrir as janelas, mas resiste. Ela poderia estar aí a dois metros, um metro, a mera espessura da parede (quanto mediria, deus?). Andando numa bicicleta vermelha, assobiando com óculos escuros uma melodia tranquila.
Sim... Tranquila, mas melodia, ainda assim. O silêncio do laboratório lhe parece desolador comparado com sua suavidade. A luz azul se punha asquerosa a seus sentidos quando contrastado com o vermelho da bicicleta imaginária. Como deslizava! Mais fluidamente que as lágrimas duras que brotavam e escorriam por seu rosto.
Chuva. Cai do lado de fora e bate na janela, quebrando o silêncio de morte que antes lhe ensurdecia. Salva-lhe da loucura, a chuva. As gotas lavaram os vidros sujos da janela. Agora podia respirar, agora lhe ocorria que o que lhe faltava era o estudo, o objeto de estudo.
Senta-se na escrivaninha, põe as luvas. Tira da gaveta uma carpeta de arquivos velhos, empoeirada. Coloca em frente de si e, mãos enluvadas sobre o papel-madeira, hesita. Hesita de medo. Hesita porque não tem certeza se a luz azul antes inflama ou esfria as substâncias que aí estão guardadas, impressas em papel.
Por fim, tiralas do envelope, cuidando para não tocarlas com a pele. Põe-se tenso. Agarra um frasco com substâncias vaporosas e, com um conta-gotas, sorve daí um pouco do seu conteúdo. Mira o conta-gotas. Dentro do vidro há um líquido transparente, agora azulado pela luz do laboratório, que um facilmente trocaria por água mineral.
Mas não. O líquido era feito de uma substância muito mais perigosa, destilada por ele mesmo das glândulas de um animal ferido em seu íntimo. Apoia o braço na mesa, as mãos tremem. Não quer errar a medida exata e destruir o laboratório na explosão. Además, não sabe qual reação ocorrerá. É um pensador empírico, o que procura não está nos livros e a metolodogia não está estabelecida.
"Gravando". Aperta o botão do dispostivo de registro. Diz data e hora estrelares, estado de espírito, umidade do ar, condições de temperatura e pressão. Muita.
Afinal, aperta com cuidado o conta-gotas. Um fiapo de substância cintila pelo ar e em milissegundos cobre a curta distância entre mão e papel. O impacto quebra a tensão superficial do líquido (mas, repare, não a tensão profunda do cientista) e este se esparrama pela sua superfície.
Por um momento nada ocorre. Correm alguns segundos e alguns jatos de sangue pelas veias do seu corpo, bombeadas pelos ventrículos potentes. Lentamente a substância no papel começa a liquefazer-se, como se fosse tinta reagindo a solvente. Tremula. O cientista fica sem reação. O cérebro, fascinado com o efeito, não quer dar ordens às mãos para que interrompam o processo. De golpe, o coração toma controle e, num pulso firme, exige atitude responsiva. Pega o papel e enxuga dele a substância. As linhas da imagem estão distorcidas, mas, com algum esforço, distinguíveis.
O cientista suspira, meio assustado, meio aliviado. Ainda não estava preparado pra esquecer.
"Fim de Tentativa 40". Desliga o dispositivo de registro e guarda os equipamentos. Lança um último olhar a seu laboratório... A luz azul lhe parece conferir um tom perigoso, fantasmagórico a tudo. Dega-a e esfrega os olhos cansados. Não tem condições de continuar os estudos, muito menos condições normais de temperatura e pressão.
Queda em silêncio por alguns momentos e percebe a falta de chuva. Por aí que devem ter secado as nuvens, afinal. Abre as janelas: é de manhã. Será um lindo dia.
O cientista admira, paralisado, a visão de seu laboratório banhado naquela luz. Sente-se em uma cidade à noite. A sensação das ruas frias sob seus pés lhe causa um arrepio. É lindo e solitário. Desfruta da solitude e do silêncio absoluto por alguns instantes. De a pouco vai perdendo a noção do espaço. As formas bordeadas de azul celeste já lhe parecem ondas eletromagnéticas no vácuo.
Pensa escutar um ruído. Bah, deseja. Deseja escutar alguma coisa, como que para certificar-se de que o silêncio advém de fora e não de dentro, de uma súbida surdez que tornaria a vida insuportável. Numa cidade à noite o ar seria frio à pele e a secura lhe castigaria a cara... Mas haveria o vento, os malditos automóveis, um mendigo, algum bendito som!
Coça o catarro da garganta. Pigarro. Será que sua solitude se transforma em solidão? Mas é um cientista! As pessoas, o barulho... Isso atrapalha os estudos, por isso buscava a calma. Mas que era mesmo que buscava? A dizer... Com seus estudos. Qual era o objeto de pesquisa que valia o preço da solidão? Alí só se via objetos disformes, contornos.
Escuta uma catraca de bicicleta do lado de fora. Pensa escutar. Escuta? Pensa nela. Mas ela nem nunca andava de bicicleta! O cérebro encontrou foi um atalho atrevido e malposto para ter a desculpa de sua imagem projetada na parede do laboratório. Será que a visão doeria? Estaría alí afora? Sente o impulso de abrir as janelas, mas resiste. Ela poderia estar aí a dois metros, um metro, a mera espessura da parede (quanto mediria, deus?). Andando numa bicicleta vermelha, assobiando com óculos escuros uma melodia tranquila.
Sim... Tranquila, mas melodia, ainda assim. O silêncio do laboratório lhe parece desolador comparado com sua suavidade. A luz azul se punha asquerosa a seus sentidos quando contrastado com o vermelho da bicicleta imaginária. Como deslizava! Mais fluidamente que as lágrimas duras que brotavam e escorriam por seu rosto.
Chuva. Cai do lado de fora e bate na janela, quebrando o silêncio de morte que antes lhe ensurdecia. Salva-lhe da loucura, a chuva. As gotas lavaram os vidros sujos da janela. Agora podia respirar, agora lhe ocorria que o que lhe faltava era o estudo, o objeto de estudo.
Senta-se na escrivaninha, põe as luvas. Tira da gaveta uma carpeta de arquivos velhos, empoeirada. Coloca em frente de si e, mãos enluvadas sobre o papel-madeira, hesita. Hesita de medo. Hesita porque não tem certeza se a luz azul antes inflama ou esfria as substâncias que aí estão guardadas, impressas em papel.
Por fim, tiralas do envelope, cuidando para não tocarlas com a pele. Põe-se tenso. Agarra um frasco com substâncias vaporosas e, com um conta-gotas, sorve daí um pouco do seu conteúdo. Mira o conta-gotas. Dentro do vidro há um líquido transparente, agora azulado pela luz do laboratório, que um facilmente trocaria por água mineral.
Mas não. O líquido era feito de uma substância muito mais perigosa, destilada por ele mesmo das glândulas de um animal ferido em seu íntimo. Apoia o braço na mesa, as mãos tremem. Não quer errar a medida exata e destruir o laboratório na explosão. Además, não sabe qual reação ocorrerá. É um pensador empírico, o que procura não está nos livros e a metolodogia não está estabelecida.
"Gravando". Aperta o botão do dispostivo de registro. Diz data e hora estrelares, estado de espírito, umidade do ar, condições de temperatura e pressão. Muita.
Afinal, aperta com cuidado o conta-gotas. Um fiapo de substância cintila pelo ar e em milissegundos cobre a curta distância entre mão e papel. O impacto quebra a tensão superficial do líquido (mas, repare, não a tensão profunda do cientista) e este se esparrama pela sua superfície.
Por um momento nada ocorre. Correm alguns segundos e alguns jatos de sangue pelas veias do seu corpo, bombeadas pelos ventrículos potentes. Lentamente a substância no papel começa a liquefazer-se, como se fosse tinta reagindo a solvente. Tremula. O cientista fica sem reação. O cérebro, fascinado com o efeito, não quer dar ordens às mãos para que interrompam o processo. De golpe, o coração toma controle e, num pulso firme, exige atitude responsiva. Pega o papel e enxuga dele a substância. As linhas da imagem estão distorcidas, mas, com algum esforço, distinguíveis.
O cientista suspira, meio assustado, meio aliviado. Ainda não estava preparado pra esquecer.
"Fim de Tentativa 40". Desliga o dispositivo de registro e guarda os equipamentos. Lança um último olhar a seu laboratório... A luz azul lhe parece conferir um tom perigoso, fantasmagórico a tudo. Dega-a e esfrega os olhos cansados. Não tem condições de continuar os estudos, muito menos condições normais de temperatura e pressão.
Queda em silêncio por alguns momentos e percebe a falta de chuva. Por aí que devem ter secado as nuvens, afinal. Abre as janelas: é de manhã. Será um lindo dia.
domingo, 1 de novembro de 2015
Estação Chacarita - 19/08/15
Como Karenina, espero insone a passagem do trem. Dentro das pálpebras cerradas os olhos estão bem abertos e as pupilas, dilatadas. Antecipa o tremor dos trilhos muito antes que chegue de fato a tamborilar na minha pele. Os ouvidos escutam seu cíclico tranquear metálico - mecânico antes que seja fisicamente audível para estes tímpanos Arkadievnos.
Já não sei se mais anseio por eles ou temo sua chegada. Já não sei se são causa de minha insônia ou canção de ninar que me embala a insônia noite adentro. Talvez o único sono que possam oferecer-me seja o dos sonhos dos trilhos de trem - dos quais, sabemos, não se pode mais acordar.
Anna dorme. Dentro das pálpebras cerradas os olhos abertos choram. A música é linda.
terça-feira, 27 de outubro de 2015
Estaluídos - 12/09/15
TAC TAC TAC TAC
Alguma engrenagem
Estala do lado de fora
Não queria sair da cama
TEC TEC TEC TEC
Meus dentes estalam
Por dentro do crânio
3º às sete da manhã
TIC TIC TIC TIC
Pisca, pisca, pisca
Não é bem muito sono
Senão como querer não ter acordado
TOC TOC TOC TOC
Não bata na porta
Se estou aqui é porque preciso
Queria estar na cama
TUC TUC TUC TUC
Já de olhos fechados
Escuto goteiras em algum cômodo
É isso, estou no céu do dia
Alguma engrenagem
Estala do lado de fora
Não queria sair da cama
TEC TEC TEC TEC
Meus dentes estalam
Por dentro do crânio
3º às sete da manhã
TIC TIC TIC TIC
Pisca, pisca, pisca
Não é bem muito sono
Senão como querer não ter acordado
TOC TOC TOC TOC
Não bata na porta
Se estou aqui é porque preciso
Queria estar na cama
TUC TUC TUC TUC
Já de olhos fechados
Escuto goteiras em algum cômodo
É isso, estou no céu do dia
domingo, 25 de outubro de 2015
Na Panza da Serpente
Vou tal qual toupeira supersônica pelos túneis obscuros e artificiais. Imagino o meu corpo como o próprio trem e até sinto meu pescoço se inclinar um pouco para a frente com esse pensamento. Quiçá queira tanto não estar nesse vagão lotado que a ventania alucinada que atinge a carroceria do trem me parece mais agradável que o olor de seres humanos suados, mal-lavados, abafado dentro do cheiro-sensação de roupas já usadas pela semana, camada acima de camada de tecido. Por último, embaixo de tudo, a pele. Uma pele gordurosa, gritando pelos poros o almoço, provavelmente consumido em alguma lanchonete do centro.
Uma senhora me olha feio. Talvez por projetar a cabeça pra frente por um trem, talvez tenha deixado transparecer nas feições algo dos meus devaneios sobre tecidos e gordura. Talvez ela nem mesmo me encare. Talvez esteja ela mesma sentindo um cheiro desagradável e apenas desvie, enojada, o rosto da sua fonte, para qualquer direção.
O trem dá um solavanco e seguro em um dos tubos de ferro para não cair. O metal está deliciosamente frio e uma vez mais desejo ser o trem para ter a pele metálica e gelada, sempre acariciada com velocidade pelos ventos subterrâneos do metrô. Me seguro com força e consigo me manter em pé apesar das brutas sacudidas que sofre o vagão e da camada de gordura que mil mãos deixaram gravada no cano de segurar.
Uma moça que está numa diagonal à minha esquerda não tem a mesma sorte. A massa de corpos não lhe permite largar o celular a tempo de esticar o corpo, os braços e segurar-se, de forma que acaba caindo sobre as pessoas ao seu redor, desequilibrada. O celular se perde em meio ao mar de pés. Não queria estar na pele dela, com certeza... Aquele celular em um segundo seria uma história distante para contar aos netos.
Tampouco ela queria estar na minha pele, suponho. A cara de fome (de quê?), as olheiras, a barba por fazer, as roupas e ânimos amassados pelo dia no escritório. Nem sequer tenho uma gravata para dar-me uma aparência mais digna... A coleira foi a primeira coisa que desamarrei quando descia pelas escadas rolantes do metrô. Pareço um pobre diabo, queimando de calor. Minha própria pele me rejeita.
Não... Nesse momento todos queremos estar na pele do trem. Eu, ela, a senhora, o menino entediado que a mãe segura pelo braço, o muçulmano que empapa de suor seu turbante, a mãe que segura o filho pelo braço e a bolsa no ombro oposto. Todos queremos a adrenalina e o rosto gelado.
Uma senhora me olha feio. Talvez por projetar a cabeça pra frente por um trem, talvez tenha deixado transparecer nas feições algo dos meus devaneios sobre tecidos e gordura. Talvez ela nem mesmo me encare. Talvez esteja ela mesma sentindo um cheiro desagradável e apenas desvie, enojada, o rosto da sua fonte, para qualquer direção.
O trem dá um solavanco e seguro em um dos tubos de ferro para não cair. O metal está deliciosamente frio e uma vez mais desejo ser o trem para ter a pele metálica e gelada, sempre acariciada com velocidade pelos ventos subterrâneos do metrô. Me seguro com força e consigo me manter em pé apesar das brutas sacudidas que sofre o vagão e da camada de gordura que mil mãos deixaram gravada no cano de segurar.
Uma moça que está numa diagonal à minha esquerda não tem a mesma sorte. A massa de corpos não lhe permite largar o celular a tempo de esticar o corpo, os braços e segurar-se, de forma que acaba caindo sobre as pessoas ao seu redor, desequilibrada. O celular se perde em meio ao mar de pés. Não queria estar na pele dela, com certeza... Aquele celular em um segundo seria uma história distante para contar aos netos.
Tampouco ela queria estar na minha pele, suponho. A cara de fome (de quê?), as olheiras, a barba por fazer, as roupas e ânimos amassados pelo dia no escritório. Nem sequer tenho uma gravata para dar-me uma aparência mais digna... A coleira foi a primeira coisa que desamarrei quando descia pelas escadas rolantes do metrô. Pareço um pobre diabo, queimando de calor. Minha própria pele me rejeita.
Não... Nesse momento todos queremos estar na pele do trem. Eu, ela, a senhora, o menino entediado que a mãe segura pelo braço, o muçulmano que empapa de suor seu turbante, a mãe que segura o filho pelo braço e a bolsa no ombro oposto. Todos queremos a adrenalina e o rosto gelado.
domingo, 11 de outubro de 2015
A (I)Mortalidade das Rosas - 11/09/15
Buquê são flores mortas. São, verdade, mas desde o início sabia que estariam. Só podem estar tão vivas quanto a memória que tenho delas, ou melhor, quanto consiga descrever a memória que tenho delas.
Mesmo assim, são lembranças, são marcos, são arranjos mortos de momentos que já não são, gravados pra você no cristal fluido da mente. Tão mortas quanto o passado, tão ilusoriamente vivas quanto um filme.
Mesmo assim, são lembranças, são marcos, são arranjos mortos de momentos que já não são, gravados pra você no cristal fluido da mente. Tão mortas quanto o passado, tão ilusoriamente vivas quanto um filme.
Foto: Maga Salinas |
sexta-feira, 28 de agosto de 2015
1atm
De repente o simples ato de respirar tornou-se uma façanha impossível. Deu-se conta de que os pulmões lutavam contra toda uma atmosfera e expandir-se para permitir a entrada de ar era um esforço hercúleo. Poucos segundos atrás era fácil como... Bem... Como respirar. Agora o oxigênio rareava nos alvéolos, sedentos, ressequidos. Os últimos vestígios de gás carbônico, antes mero dejeto, já lhe pareciam gases nobres.
Desesperou-se. Talvez por intoxicação começava a sentir o peso abstrato do conceito de atmosfera que agora não só lhe paralisava o diafragma, mas também os membros e já começava a congelar o cérebro com todo o frio do vácuo espacial.
O todo era gigantesco e calculava não conseguir nem mesmo conceber inteiramente a grandeza disso, dessa coisa brutal que o léxico tentava definir em meras quatro letras do alfabeto latino. Sua existência, em meio a isso, lhe parecia ainda menos que os pulmões, agora ainda mais comprimidos de terror.
Esquecera-se como respirar e já desapareciam de sua mente, junto com os vestígios de ar e sanidade, as últimas lembranças de como se parecia a luz do sol e da sensação de seu calor queimando a pele. Tudo era escuro, tudo era nada. Já não podia decidir se o que mais lhe esmagava era o vácuo ou a própria madrugada.
Desesperou-se. Talvez por intoxicação começava a sentir o peso abstrato do conceito de atmosfera que agora não só lhe paralisava o diafragma, mas também os membros e já começava a congelar o cérebro com todo o frio do vácuo espacial.
O todo era gigantesco e calculava não conseguir nem mesmo conceber inteiramente a grandeza disso, dessa coisa brutal que o léxico tentava definir em meras quatro letras do alfabeto latino. Sua existência, em meio a isso, lhe parecia ainda menos que os pulmões, agora ainda mais comprimidos de terror.
Esquecera-se como respirar e já desapareciam de sua mente, junto com os vestígios de ar e sanidade, as últimas lembranças de como se parecia a luz do sol e da sensação de seu calor queimando a pele. Tudo era escuro, tudo era nada. Já não podia decidir se o que mais lhe esmagava era o vácuo ou a própria madrugada.
sábado, 22 de agosto de 2015
Denô
Corria um dia da manhã por baixo das árvores imensas de um parque. Seus galhos me pareciam mover-se e serpentear em direção ao verde das folhas. Pensei em você. As árvores são o tempo em forma visível, sempre crescendo e apontando seus galhos para o céu, o tronco contando o incontável em seus aneis de madeira. Comecei a chorar e nem sei porquê.
Me lembrei dos anagramas à tarde, quando eu mal sabia escrever letras cursivas. Lembro das piadas (tantas!) que formavam meu extenso repertório de entretenimento barato e que tanto embaraçaram minha mãe quando ditas na hora e no lugar errado. Foi você quem me ensinou.
Lembro dos aperitivos de castanha, azeitona e vinho, lembro de como a palavra me parecia estranha quando escutei pela primeira vez. Aperitivo. E se isso era antes, depois do almoço lembro dos seus olhos fechados, recostado numa sombra ou no sofá. Eu não entendia por que é que você precisava descansar. Agora eu entendo.
Uma voz, minha própria voz infantil sussurra no meu ouvido por uma fresta, que foi tudo o que minhas mãozinhas puderam fazer naquela manhã de sábado: “Vô, abre a porta branca...” Escuto agora sua voz repetindo essa frase milhares de vezes com um sorriso nos lábios, achando graça de algo que para mim vai ser sempre um mistério... Como tantos outros.
Jogávamos cartas, batalha naval e os jogos italianos que só você sabia as regras. Brincávamos de enigmas de todos os tipos e agora me deparo com o maior de todos eles, o enigma sem solução. Esse enigma também pairava no ar na primeira vez em que te vi chorar e aquilo me parecia tão estranho! Não havia lugar pra tanta tristeza no seu jeito de menino pequeno, eternamente com cinco anos. Hoje eu sei, pelas próprias águas que me vazam dos olhos, que o choro não é só de tristeza... Bate também aquela coisa que não se traduz pra língua nenhuma, a famosa saudade.
Lembro, então, do seu jeito maroto, de como gostava de comer frutas, da criação de avestruz, de como me fez mentir minha idade para não pagar a passagem do ônibus que pegamos na Cardeal da Silva. Conversamos tanto aquele dia! Toda a vida falamos de metafísica, do espaço, dos espíritos e dos buracos negros. Tudo se conectava e fazia parte do mesmo mistério nas nossas cabeças.
Gosto, sempre gostei, da sua cama duríssima, cama “de faquir”, e gosto de como você também não gostava de quiabo. Gosto do seu imenso chapéu de palha e de como me parecia esdrúxulo e me fazia rir. Gosto do seu pequeno globo terrestre amarelo, todo enfeitado com figuras de monstros que os homens medievais imaginavam rondar a terra. E gosto de falar um pouquinho no presente, pra sentir como se você estivesse aqui do meu lado um pouco mais.
Lembro, então das histórias das suas viagens... Do avião que voava aberto e do homem que mudou o curso de um barco com seus próprios braços, segurando num tronco. Lembro de sentir uma decepção incrível se aproximar quando me disseram que não eram reais. Hoje já não me importa se aconteceram ou não porque entendi que, assim como você, tudo está nas minhas memórias e elas são reino meu, para fazer dele o que quiser.
Tenho um álbum imaginário com fotos de todos os domingos quando nos juntávamos todos pra fazer macarrão, estendendendo a massa e colocando pra secar em grandes lençóis nos varais.
Lembro de como jogávamos vôlei, todos, obrigatóriamente, até as relutantes visitas. E juntos cantávamos canções no natal, cada voz num dissonância magnífica que completava as outras. Lembro da música que você tocava todas as vezes que ia lá em casa e que assobiava no refrão. A voz da minha mãe acompanhando se juntava ao assobio e ao som do piano. Ah, o piano! Você era música, vô! Ela enchia seu corpo como enchia meus ouvidos e todo o espaço.
Na época eu não sabia te responder, mas hoje sei que na barca do fim do mundo eu salvaria o violinista, mesmo acompanhado de sua esposa louca. Hoje eu sei que a loucura e a arte são faces da mesma moeda, inseparáveis. Saber disso não tem preço... Você que me ensinou.
Ai, como eu queria estar aí para cantar pra você! Cantar Chico, cantar Noel, cantar as músicas que você compôs... Alegres e lindas, como você! Sambando na vida! E foi também você quem me ensinou a sambar a dois, como dança de salão, e nenhuma valsa jamais me pareceu tão gostosa.
Queria estar aí pra cantar um samba e dançar de cabelo solto, como Isadora, como você dizia que achava lindo e livre. Queria. Mas você também me ensinou, com suas histórias, com sua sede de vida, que é preciso viajar, conhecer o mundo, viver aventuras e poder contar minhas próprias histórias. E é isso que estou fazendo, vô, e é por isso que não estou aí pra me despedir. É por isso que vejo seu rosto e suas rugas na casca das árvores e é por isso que de você só posso me lembrar, mas juro escolher as melhores lembranças.
Espero que você tenha “aberto a porta branca”. Espero que sua energia quântica tenha se soltado desse corpo que já não servia para seu espírito de criança. Espero que ele esteja rindo e cantando em algum lugar ensolarado e cheio de música. Espero que esteja me esperando. Tocando piano. Um dia eu também vou e você vai me abraçar e me chamar de sua moreninha. Um dia.
Mas enquanto isso eu vou viver muito, com toda a intensidade, com toda a vontade, com tudo que você nos ensinou. Você, que era Aníbal, Falabrino, Denovaro, Sérgio e que pra mim sempre vai ser Vô. Denô.
domingo, 16 de agosto de 2015
“DOMINGO”
Não, eles ainda parecem não ter certeza de que não sou daqui. Alguns, imagino, pensam que sou de fora, mas não demonstram ter noção do quão longe é isso. Outros só não sabem de nada, at all. Aparentemente o meu uso confuso das línguas nativas e imensa incapacidade de adaptação às constantes mudanças de tendência da “moda” não tiveram destaque suficiente para me denunciar.
Acho que foi por isso que decidi registrar minhas experiências. Acho que talvez eu esteja cada vez mais me acostumando com as coisas daqui, acreditando na estrutura de vida na qual os seres daqui se baseiam para enxergar a realidade. É fácil demais de acreditar: as pessoas têm grande dependência de seus corpos e sentidos biológicos na percepção do universo e esses sentidos são tão potentes que inebriam a visão livre do meu espírito e me submergem em emoções e sentidos e axiomas, como quem mergulha em água.
Tenho medo de me perder nestas águas e perder a noção do que é estrutura construída e o que é realidade. Tenho medo de que este cenário se torne cada vez mais real em minha mente e que, como os seres daqui, eu seja o ator que se torna seu personagem. Acho que talvez isso já esteja acontecendo. Minhas metáforas já vêm das experiências desse mundo, meus veículos de expressão e registro de ideias já são daqui e, cada vez mais, uso minha mente biológica e mortal para armazenar as informações.
Ainda é confusa pra mim a maneira com que medem a dimensão do tempo. Tendem a dividí-la em pedaços que se repetem em determinado intervalos e dão nomes às partículas desses intervalos. O intervalo de rotação do planeta é chamado de dia e divide-se em vinte e quatro pedaços, o intervalo de rotação do planeta em torno da estrela Sol é denominado ano e por aí vai.
Existem também intervalos que não têm relação com fenômenos naturais e são estes os que mais me intrigam. A “Semana” é um intervalo composto de sete “dias”, que se repete num looping infinito, e cada um desses dias recebe um nome específico em cada língua. Este é um ciclo peculiar, que parece ditar toda uma rotina social controlar de maneira bastante intensa o rítmo de vida das pessoas e dos seus afazeres.
Agora eu estou olhando para a rua da cidade onde vivo. Cidade como eles chamam um agrupamento de moradias de seres e locais onde serviços e trabalhos são prestados. Enfim, não serei capaz se explicar toda e cada expressão desse mundo em questão. Seria repetitivo e, até certo ponto, inútil, vez que sou o único ser a ler estas memórias escritas. Creio que vou me limitar a escrever apenas sobre novas descobertas… Ou sobre as coisas que temo esquecer não me pertencerem.
Em todo caso, eu falava sobre as cidades. Sim, esses seres tendem a agrupar-se em locais fixos e muitos vivem vidas biológicas inteiras neste mesmo ambiente. Neste momento eu olho pela janela do lugar onde vivo e posso observar as vias de trânsito e árvores do lado de fora. As pessoas passam quase que despreocupadas, muitas num ritmo lento, e quase todas emanam uma certa leveza de espírito. É Domingo.
O Domingo é um dos dias da Semana. É um dia onde a maior parte das pessoas não se dedica a suas obrigações de produtividade social. No Domingo, a maior parte delas é regida por uma permissão invisível para relaxar e fazer coisas que as fazem felizes. O Domingo também é um dia que reserva certa melancolia durante o fim de tarde, quando o sol desaparece no horizonte visível. Sua luz reage com os componentes químicos da atmosfera, dando a ilusão de que o planeta tem um teto manchado de cores líquidas.
Em todo caso, eu falava sobre as cidades. Sim, esses seres tendem a agrupar-se em locais fixos e muitos vivem vidas biológicas inteiras neste mesmo ambiente. Neste momento eu olho pela janela do lugar onde vivo e posso observar as vias de trânsito e árvores do lado de fora. As pessoas passam quase que despreocupadas, muitas num ritmo lento, e quase todas emanam uma certa leveza de espírito. É Domingo.
O Domingo é um dos dias da Semana. É um dia onde a maior parte das pessoas não se dedica a suas obrigações de produtividade social. No Domingo, a maior parte delas é regida por uma permissão invisível para relaxar e fazer coisas que as fazem felizes. O Domingo também é um dia que reserva certa melancolia durante o fim de tarde, quando o sol desaparece no horizonte visível. Sua luz reage com os componentes químicos da atmosfera, dando a ilusão de que o planeta tem um teto manchado de cores líquidas.
Não sei bem explicar o que é melancolia, nem mesmo o exato causador desse sentimento. Ele pode ser gerado por estímulo de quase todos os sentidos físicos e psicológicos das pessoas desse planeta e não é exatamente classificado como “mau” nem “bom”.
Acho que é por isso que a melancolia é o sentimento que mais me intriga e fascina. Talvez também por isso o Domingo seja a minha partícula favorita do intervalo Semana, estimulando-me a começar por hoje a escrita destas memórias. “Today I feel blue”. Hoje me sinto azul. Não que isso faça algum sentido.
Sinceramente,
Acho que é por isso que a melancolia é o sentimento que mais me intriga e fascina. Talvez também por isso o Domingo seja a minha partícula favorita do intervalo Semana, estimulando-me a começar por hoje a escrita destas memórias. “Today I feel blue”. Hoje me sinto azul. Não que isso faça algum sentido.
Sinceramente,
Blue.
quinta-feira, 13 de agosto de 2015
Bruja Luna
Quase agosto. Tive sonho de bruxa na minha última noite vermelha. Mergulho no sonho, mergulho numa piscina de corais e toco o chão. São corais que poderiam me ter raspado a pele quando pulo do penhasco (abismo?) em seu encontro, mas neles só raspo meus dedos de leve, bem carinhosamente.
Tive sonho de bruxa, mas lembro de tão pouco! O vermelho se vai e ela hoje veio azul, dizem. Não sei... Está escondida, mas me chama e tenho que ir pra rua. Vou em busca de um resquício de magia de sonho, magia de bruxa. Vou de preto, de casaco, de couro.
Ela é a primeira coisa que vejo quando o vento me gela a cara. É quase agosto e ela é quase tão bonita quanto no sonho, mas bem menos. No sonho era prato de sopa, sopa de bruxa, meio laranjosa, toranja, avermelhada... Lua de bruxa. Aqui é lua de quase agosto, azul, não de cor, mas de sentimento. Melancolia de bruxa quase já sem sangue.
Ando pela rua da Lavadeira, eu, bruxa. O shuffle não coopera e me encolho de frio, me recolho em pensamentos. Até que está bonita... Ela... A noite também. É quase agosto, afinal, e andar aquece os músculos das pernas e do coração.
Amo a lua e amo a rua. Uma chama à outra e fazem um belo par na sexta-feira 31, que não é nem 13 nem agosto. Ainda. Sinto cheiro de um perfume bom, mas não tem ninguém por perto. Ele paira ali, como que congelado no ar de julho, esperando o mês certo para se dissipar.
Chumaços de amarelo-dente-de-leão despontam das árvores, como juba pontilhada. Já não a vejo, estou de costas. Olho para cima e da sacada de um prédio despenca cachoeira de fumaça misteriosa, que se dissipa no ar como as lembranças do sonho de bruxa. Sinto cheiro bom de novo, agora de pão, mas tampouco há padaria por perto. Nem pão nem prato de sopa.
Viro a esquina, uma quadra, depois viro de novo e lá está ela. Estou quase em casa e é quase agosto. Já estou rodando quadras há tempos... Percebo que olhando pra ela não consigo tirar o rosto do ar da noite. A lua me chama à rua. Os jovens caminham para os bares, para o centro e eu sigo na contramão. Sei que hoje não é pra mim. É só 31, é só mês 7.
Percebo que olhando para ela, farol do céu, jamais conseguiria entrar. Com custo, viro de costas e ando meia quadra. Esntro em casa sem olhar pra trás e sem me despedir. Ela já é passado e tenho sede de amanhã. Entro em casa. Agora sim já é agosto.
sábado, 8 de agosto de 2015
Velho, puído, antiquado
02:40 - Fantasio sobre o carro capotando na avenida.
15:30 - Estou trancada num carro comigo mesma.
21:20 - Ela me pede um beijo.
03:47 - Despejo de boca para boca suco de ironia, para matar nossa sede.
00:29 - É quase como se sentisse o cheiro de vitamina C, hidratante e mofo.
17:00 - Já não me lembro dos sonhos.
21:30 - Massageio suas costas finas.
10:33 - Eu já não tenho como agradecê-la.
02:24 - Estou trancada para fora de casa.
16:00 - O dia é insuportavelmente lindo.
23:04 - Chove.
03:51 - Suas palavras denotam culpa, o tom de voz pede desculpas.
06:41 - "Chá" para dois.
02:00 - Não estou chateada, só cansada e gelada.
07:20 - Que boa dupla já fomos.
A ORDEM DOS FATORES NÃO ALTERA O PRODUTO
03:09 - Fantasio sobre o pneu estourando.
22:34 - Ele entende o gráfico matemático e nos amamos por isso.
01:30 - Achei que era mais velho, mas só tinha 20.
04:32 - Rimos, tão leves de cansaço que já não podemos parar. É o primeiro de muitos sorrisos.
14:00 - Café. Coado.
20:30 - Ele fala de um livro velho, puído, antiquado, esquecido num táxi de madrugada.
05:33 - Café. Expresso.
22:40 - Ele sente calor, mas ela ainda não sente frio.
15:31 - Estou trancada num carro com um zumbi,
04:21 - Já não estamos a sós no estacionamento.
19:20 - Me sinto velha, puída, antiquada.
23:10 - Cantamos uma nostalgia em língua estrangeira, que significa tanto e não entendemos nada.
03:00 - Ele precisa de um cigarro.
11:40 - Não lembro dos sonhos.
22:12 - Ele me entrega um livro velho, puído, maravilhoso.
A ORDEM DAS CARONAS NÃO ALTERA O ENDEREÇO
00:00 - Ela tem um coração de pedra e um de carne, para suportar todos os tipos de sentimento.
05:04 - Nada é 24h nessa cidade.
02:32 - Estou trancada no carro com ele.
21:21 - Ela me beija.
03:31 - Perco a dignidade, mas ganho um trago.
00:50 - Achei que era mais velho, mas só tinha 15.
22:51 - Perco uma cerveja, mas ganho um gole.
10:30 - Chove no boxe do banheiro. Chove quente.
04:30 - Ele se engana, não estamos esperando um ônibus.
23:12 - É quase como se estivéssemos no funeral.
04:13 - As cinzas se acumulam em volta dos meus sapatos.
02:20 - Fantasio sobre o outro carro destroçar minha porta.
16:30 - Chove dentro de mim, tão fino quanto as cinzas no chão do estacionamento. Durmo.
04:55 - Ele me explica o que é índigo pela cor do céu.
21:02 - Ela diz para tirar um adorno toda vez antes de sair de casa.
02:46 - Estou trancada dentro da minha cabeça, a boca costurada pela apatia.
17:14 - Digo para ela o quanto o céu por vezes explica o conceito de azul,
A ORDEM DOS ACONTECIMENTOS NÃO ALTERA A RESSACA
07:01 - Houveram mais bons momentos do que achava possível recordar.
sexta-feira, 31 de julho de 2015
Hairy Frog and The Tadpoles
Good luck, motharfackar
De gaxteixon avec moi
Na hora eu posso até não brigar
Mas vendetta é um prato
Que eu como devagar
Pedaço por pedaço pra melhor saborear
E sentir um gosto
Um pouco diferente
Nessa boca minha
Tão amarga
Good vibes sunday morning
É rarité de se encontrar
O dia inteiro é um grande cipah
Mas os hermano, nothing nothing
Come together pra queimar
E apesar do cansaço a zoeira é wunderbar
E o domingo ganha
Um gosto diferente
Da segunda-feira
Tão amarga
Sem Ratatá....
De gaxteixon avec moi
Na hora eu posso até não brigar
Mas vendetta é um prato
Que eu como devagar
Pedaço por pedaço pra melhor saborear
E sentir um gosto
Um pouco diferente
Nessa boca minha
Tão amarga
Good vibes sunday morning
É rarité de se encontrar
O dia inteiro é um grande cipah
Mas os hermano, nothing nothing
Come together pra queimar
E apesar do cansaço a zoeira é wunderbar
E o domingo ganha
Um gosto diferente
Da segunda-feira
Tão amarga
Sem Ratatá....
quarta-feira, 29 de julho de 2015
Na avenida o samba popular - 13/07/15
Vai passar, vai passar, vai passar. Espero as horas, os dias, espero o pão torrar no forno. Sou analfabeta do tempo, então só espero. Vai passar. As nuvens, o sentimento, vai passar.
E se estou no ponto, e se abre-se um rombo na minha barriga, no meu pensar, no plano que fiz pra me reabilitar. O ônibus? Vai passar. Nem que eu tenha que correr atrás dele. Nem que eu corra até que a velocidade seja suficiente para fazer a aerodinâmica funcionar nas minhas asas tímidas e atrofiadas. Mas vai passar. O medo vai passar.
E se eu conhecesse a língua do tempo pediria só pra ele ser menos contínuo, constante, implacável... Só mesmo pra que fosse viável essa coisa de administrar. Alongar umas determinadas horas, e em outras correr em disparada (pra qualquer direção, meu deus). Mas vai passar.
Não controlo, que fique claro, se rápido ou devagar. Mas vai passar. Sinto-me como quem senta-se no banco de trás de um carro chique ("num fim de tarde de domingo..."), de olhos fechados pra não ver o caminho (nem os cadáveres de pipa). O rádio ligado pra nem perceber a velocidade. Janelas fechadas pra nem ouvir as vozes de quem passa. E vai passar.
E isso talvez seja até confortável. Só sentir e esperar. Batucar um ritmo com os dedos, cantarolar de boca fechada pra não deixar o olho chorar, o soluço fazer pular o peito. Sentir a dor em cada pedaço, até o final, sem analgésico. Até porque vai passar. Vai passar. Vai passar.
Na avenida o samba popular.
E se estou no ponto, e se abre-se um rombo na minha barriga, no meu pensar, no plano que fiz pra me reabilitar. O ônibus? Vai passar. Nem que eu tenha que correr atrás dele. Nem que eu corra até que a velocidade seja suficiente para fazer a aerodinâmica funcionar nas minhas asas tímidas e atrofiadas. Mas vai passar. O medo vai passar.
E se eu conhecesse a língua do tempo pediria só pra ele ser menos contínuo, constante, implacável... Só mesmo pra que fosse viável essa coisa de administrar. Alongar umas determinadas horas, e em outras correr em disparada (pra qualquer direção, meu deus). Mas vai passar.
Não controlo, que fique claro, se rápido ou devagar. Mas vai passar. Sinto-me como quem senta-se no banco de trás de um carro chique ("num fim de tarde de domingo..."), de olhos fechados pra não ver o caminho (nem os cadáveres de pipa). O rádio ligado pra nem perceber a velocidade. Janelas fechadas pra nem ouvir as vozes de quem passa. E vai passar.
E isso talvez seja até confortável. Só sentir e esperar. Batucar um ritmo com os dedos, cantarolar de boca fechada pra não deixar o olho chorar, o soluço fazer pular o peito. Sentir a dor em cada pedaço, até o final, sem analgésico. Até porque vai passar. Vai passar. Vai passar.
Na avenida o samba popular.
terça-feira, 21 de julho de 2015
Palito de Dente
Começa com A e termina com E. Não te deixa dormir, te faz vomitar. Já lembrou do que é? Faz o Kama Sutra inteiro com o travesseiro sem sentir sono, muito menos tesão. A mente se recusa, abusa, diz que não, não, não, não, não... "Não esqueço, nem durmo, nem dou uma única foda (metafórica ou...)". Senta e toma o chá da meia noite com a imaginação. Mas não é chá; é café, e a cola dos olhos está seca.
Começa com R e termina com A. Não diz sempre onde onde veio nem quando vai parar. Começa no peito, termina sem ar. Já lembrou do que é? A língua começa amarga e não é de café. O estômago trava e não mais vomita; borbulha ladeira acima até queimar tudo. Um palito de dente atravessa a garganta e não passa um fio de azeite, não passa nem grito (de desespero ou de...).
Começa com A e termina com E. Arranca no dente as cutículas, unhas, quer esfolar o pé. Não se apaga mais com cigarro aceso, não se acaba mais com o corpo preso... Só piora pra cada lado que a noite avance. E a noite... A noite é lembrança, é substantivo, é lindo, é poesia, é uma criança, mas não pra sempre. Porque acima de tudo noite é tempo, noite é verbo, e o tempo não para, só piora, se passa ou não passa, só piora.
Começa com R e termina com A. É uma chama que nunca apaga, só vai diluindo pelo corpo quando cai uma única lágrima. Só enfraquece com a dor de cabeça que dá sentir essa filha solteira de pais separados (apesar de molhados, vermelhos, atentos). O solvente é ela destilada, venenosa. Tanto faz, incha, que esquece. Talvez por isso, olhos cansados. Progenitores cogenitores da solução em conta-gotas que escorre queimando. E a mãe não tem rima porque com ela não se escreve poesia, só se cospe o sangue e os pedaços do palito quebrado.
Se do cuspe tuberculoso formam-se letras, isso já é por conta da madrugada, da sorte, da fé. Da bondade de quem lê... Se não dorme também, se já nem pode vomitar. Se começa com A e termina com E, se começa com R e termina com A. (Não me faça dizer) Já lembrou do que é?
quinta-feira, 16 de julho de 2015
Odile
"Esse é o meu lugar." pensou ela, no exato momento em que pôs um pé para a frente e levou um encontrão de alguém que passava com uma bandeja cheia de módicas porções de algum crustáceo adornado com molho. "Aqui nesse engasgo de encruzilhada".
Desculpas foram murmuradas e a bandeja seguiu flutuando acima das cabeças, cheias de laquê ou gel de cabelo.
O pensamento lhe ocorreu, não porque gostasse de crustáceos, ou mesmo do garçom: as palavras lhe vieram meio que como sugestão do universo, metalinguagem do próprio recado que lhe estava dando.
"Por mais que eu ande, dance, circule e eventualmente coma módicas porções de petiscos com molho, sempre acabo passando de novo neste ponto... Estagnada, o fluxo impedido." concluiu.
A mente trabalhava a todo vapor, percebendo o ambiente, enquanto apenas uma parte tinha ciência do pensamento perturbador e tomava nota, como um lembrete deixado na porta da geladeira.
Ela gostava do fluxo natural das cadências. A fechada de caminho quebrara seu ritmo, que ia embalado pelo ruído das centenas de vozes (eufóricas, talvez até histéricas) que eram emitidas e se batiam e rebatiam diversas vezes nas paredes do imenso recinto. Recuperou-se e retomou a linha principal de seus pensamentos, que envolviam praguejar contra o volume alto demais daquela reprodução estourada do que um dia alguém chamara de música.
Envolviam também uma urgência não verbal de sentar-se para calar os pés, massacrados por sapatos de salto que ela nem ao menos queria estar usando. Apesar de todos os incômodos, seu saldo de sensações era inexplicavelmente positivo. Talvez fosse um certo contágio com a ideia de grandeza e importância que todos pareciam ter de si mesmos, como se acreditassem estar num baile da nobreza do século XVII. Essa fantasia também a penetrava, numa osmose catalizada por docinhos graciosos, módicas porções de crustáceos com molho e bebidas servidas em copos de cristal.
Sim, bebidas! Elas ajudariam a neutralizar a dor e seu senso, por demais críticos.
"Bem que eu sentia falta de alguma coisa...".
Houve certo rebuliço e exclamações de prazer na parte do seu cérebro que se sentia um tanto quanto seca, como se vários publicitários trabalhassem num escritório lá dentro e houvesse um boato de aumento. Um pouco de embriaguez talvez tornasse seu peso mais leve sobre os saltos e embaçasse os ouvidos, passando também sobre os olhos um filtro dourado como as sandálias de quem usa estampa de oncinha.
Saiu andando, agora de maneira mais firme e decidida. Era sempre constrangedor andar sem rumo numa festa. Todos pareceiam ter coisas muito importantes ou divertidas para fazer.
"Bom, agora também tenho." gracejou consigo mesma, satisfeita. Aliás, quase: a real satisfação viria quando tivesse cristal e líquido âmbar entre seus dedos. Poderia até ficar parada, blindada, bebendo em silêncio... Verdadeiro luxo! Nada autorizava mais alguém a ficar parado numa festa do que ter um copo nas mãos.
Com o repuxo irônico dessa sabedoria entortando os lábios ela foi desviando dos vários paletós e vestidos que ocupavam os espaços, existências febris pulsando dentro deles. Ela quase não reparou em seus rostos. Os olhos corriam, metódicos, em busca de gravatas borboleta - símbolo extra oficial de servidão, que abraçava tal qual coleira o pescoço dos garçons. De forma automática, descia das gargantas para as bandejas, eliminando sistematicamente as que continham alimentos.
Buscava algo mais interessante para sua própria garganta do que crustáceos, gravatas ou molho, e de preferência em não tão módicas quantias. Avistou afinal taças compridas, cheias de um líquido mais claro e borbulhante que o desejado e projetado por seus pensamentos.
"Mas serve." pensou, uma sensação já agradável lhe tomando.
- O senhor me vê uma taça, fazendo o favor? - pediu ela, tentando não deixar transparecer a sua avidez. O garçom olhou-a de cima a baixo e com a mão livre ajeitou a gravata borboleta, como quem coça uma chaga.
- Sinto muito, mas a senhorita é obviamente menor de idade e não posso te dar bebida.
A isto, a princípio, ela não soube como reagir. Aquilo nunca lhe acontecera na vida, nem mesmo quando era menor de idade. Forçando um sorriso simpático, ela perguntou:
- E quantos anos o senhor acha que eu tenho, pelo amor de deus?
Talvez captando uma parte da ironia mal contida da pergunta, o homem hesitou por um segundo antes de responder, ensaiando um sorriso triunfante:
- Quinze. Uns quinze no máximo.
Dessa vez ela não pôde se conter. Um riso lhe sacudiu de tal forma que ela mal reconheceu a própria voz. Enxugando os olhos, apanhou a taça que lhe foi estendida e limpou o riso com um suspiro e um gole. Algo no sarcasmo dos olhos, no cansaço da sua risada, convencera o garçom melhor do que um documento de identidade faria. Não se pode falsificar esse tipo de coisa na impressora de casa, afinal de contas.
Afastou-se do garçom (e da sua bandeja) meio a contragosto. Gostava do peso da taça nas mãos, mas gostava mais do peso do líquido descendo pela garganta e se alojando no estômago. Seu cérebro contorceu-se de alegria, vibrando como se no escritório todos estivessem assistindo a um jogo de futebol no meio do expediente. Gol. Logo precisaria de refil. Controlou-se para não beber muito rápido e fazer render o momento em que podia parar de fingir estar interessada em qualquer coisa que as pessoas estivessem usando para se entreter. Ah, abençoados minutos!
Não que ela não gostasse de festas... Estas eram, afinal de contas, um habitat natural de bêbados e ela gostava muitíssimo de pessoas embriagadas. O que mais a incomodava nesse tipo de evento era o quê de histeria na pulsação das pessoas, desesperadas para se divertir. O que festejavam, afinal, se precisavam catar migalhas de alegrias artificiais?
"Por favor, não tente puxar conversa. Por favor, por favor, por favor..." pensou ela, ao notar a aproximação de um homem à sua esquerda. As palavras se repetindo na cabeça como uma prece, enquanto tentava evitar contato visual. O esforço mostrou-se inútil, como de costume. O homem, não percebendo seu desconforto (ou simplesmente ignorando-o por comodidade) tratou de colocar-se aso seu lado e olhou ao redor em busca de um assunto qualquer para lhe falar.
"Se ao menos esses copos viessem com um sinal de 'ocupado', como quartos de hotel ou plaquinhas de rodízios..." resmungou consigo, enquanto fazia um contorcionismo para parecer desconhecer a tentativa dele de comunicar-se com ela. "Ao menos, pelo cheiro ele parece bêbado. Talvez seja até uma conversa entretível." pensou, tentando consolar-se.
- Festão... - começou ele, aparentemente cansado de procurar um motivo mais digno para quebrar o silêncio.
- É. - disse ela, virando-se para ele, enfim.
Com o terno já aberto e a gravata frouxa, o homem devia ter seus 40 e poucos anos. O rosto levemente avermelhado e os olhos brilhantes confirmavam o que o cheiro sugerira: ele estava bêbado como um peru de natal. Sentindo sua simpatia crescer quase que automaticamente, ela acrescentou:
- O buffet é de primeira.
Quase arrependeu-se do complemento quando ele, sentindo uma abertura, assumiu-se autorizado a intimidades:
- Você bebe muito pra sua idade. - disse, algo entre risonho e repreensivo.
"Haja!" gritou ela por dentro, sem poder impedir os olhos de se revirarem nas órbitas. Segurou a língua ferina, sem paciência para confusão, e lançou uma resposta ambígua:
- Fazer o quê? Champagne bom da porra.
- Você também xinga bastante pra sua idade...
- E você parece ter bastante ciência dos dados do meu nascimento. - ralhou ela, agora visivelmente irritada - Vamo lá, conte-me mais sobre as minhas primaveras!
O homem engoliu em seco (talvez não tão seco assim) e balançou de leve para trás como se a raiva tivesse lhe atingido e desequilibrado tal qual corrente de ar. Depois de piscar algumas vezes em silêncio, soltou um arroto de boca fechada e tentou outro caminho:
- Não provei... Prefiro Whisky. - retomou o tom de voz já mudado.
Ela respirou fundo e, olhando para a própria taça, já quase vazia, matutou se saía e o deixava falando sozinho ou se dava chance para a conversa. Acabou optando pela segunda opção, afinal Whisky era bom demais.
- Eu também, mas não achei e minha garganta estava bem seca...
- Posso te mostrar onde tem. - ofereceu ele, abrindo um sorriso vesgo. - Peguei tantos que o garçom já sabe até meu endereço.
- Parece ótimo. - riu ela, virando a taça de champagne e colocando numa mesinha com outros copos e pratos vazios.
- O nome dele é William e você não acredita em como eles pagam mal... - continuou ele, enquanto abriam caminho pela festa, conversando.
"Arranjei quem me aguente por hoje" pensou ela, satisfeita consigo mesma e com a noite. Módicas porções de interação social não lhe fariam mal, no fim das contas. Principalmente se acompanhadas de não tão módicas quantias do líquido âmbar que era tão aguardado pelos escritórios secos da sua mente.
Desculpas foram murmuradas e a bandeja seguiu flutuando acima das cabeças, cheias de laquê ou gel de cabelo.
O pensamento lhe ocorreu, não porque gostasse de crustáceos, ou mesmo do garçom: as palavras lhe vieram meio que como sugestão do universo, metalinguagem do próprio recado que lhe estava dando.
"Por mais que eu ande, dance, circule e eventualmente coma módicas porções de petiscos com molho, sempre acabo passando de novo neste ponto... Estagnada, o fluxo impedido." concluiu.
A mente trabalhava a todo vapor, percebendo o ambiente, enquanto apenas uma parte tinha ciência do pensamento perturbador e tomava nota, como um lembrete deixado na porta da geladeira.
Ela gostava do fluxo natural das cadências. A fechada de caminho quebrara seu ritmo, que ia embalado pelo ruído das centenas de vozes (eufóricas, talvez até histéricas) que eram emitidas e se batiam e rebatiam diversas vezes nas paredes do imenso recinto. Recuperou-se e retomou a linha principal de seus pensamentos, que envolviam praguejar contra o volume alto demais daquela reprodução estourada do que um dia alguém chamara de música.
Envolviam também uma urgência não verbal de sentar-se para calar os pés, massacrados por sapatos de salto que ela nem ao menos queria estar usando. Apesar de todos os incômodos, seu saldo de sensações era inexplicavelmente positivo. Talvez fosse um certo contágio com a ideia de grandeza e importância que todos pareciam ter de si mesmos, como se acreditassem estar num baile da nobreza do século XVII. Essa fantasia também a penetrava, numa osmose catalizada por docinhos graciosos, módicas porções de crustáceos com molho e bebidas servidas em copos de cristal.
Sim, bebidas! Elas ajudariam a neutralizar a dor e seu senso, por demais críticos.
"Bem que eu sentia falta de alguma coisa...".
Houve certo rebuliço e exclamações de prazer na parte do seu cérebro que se sentia um tanto quanto seca, como se vários publicitários trabalhassem num escritório lá dentro e houvesse um boato de aumento. Um pouco de embriaguez talvez tornasse seu peso mais leve sobre os saltos e embaçasse os ouvidos, passando também sobre os olhos um filtro dourado como as sandálias de quem usa estampa de oncinha.
Saiu andando, agora de maneira mais firme e decidida. Era sempre constrangedor andar sem rumo numa festa. Todos pareceiam ter coisas muito importantes ou divertidas para fazer.
"Bom, agora também tenho." gracejou consigo mesma, satisfeita. Aliás, quase: a real satisfação viria quando tivesse cristal e líquido âmbar entre seus dedos. Poderia até ficar parada, blindada, bebendo em silêncio... Verdadeiro luxo! Nada autorizava mais alguém a ficar parado numa festa do que ter um copo nas mãos.
Com o repuxo irônico dessa sabedoria entortando os lábios ela foi desviando dos vários paletós e vestidos que ocupavam os espaços, existências febris pulsando dentro deles. Ela quase não reparou em seus rostos. Os olhos corriam, metódicos, em busca de gravatas borboleta - símbolo extra oficial de servidão, que abraçava tal qual coleira o pescoço dos garçons. De forma automática, descia das gargantas para as bandejas, eliminando sistematicamente as que continham alimentos.
Buscava algo mais interessante para sua própria garganta do que crustáceos, gravatas ou molho, e de preferência em não tão módicas quantias. Avistou afinal taças compridas, cheias de um líquido mais claro e borbulhante que o desejado e projetado por seus pensamentos.
"Mas serve." pensou, uma sensação já agradável lhe tomando.
- O senhor me vê uma taça, fazendo o favor? - pediu ela, tentando não deixar transparecer a sua avidez. O garçom olhou-a de cima a baixo e com a mão livre ajeitou a gravata borboleta, como quem coça uma chaga.
- Sinto muito, mas a senhorita é obviamente menor de idade e não posso te dar bebida.
A isto, a princípio, ela não soube como reagir. Aquilo nunca lhe acontecera na vida, nem mesmo quando era menor de idade. Forçando um sorriso simpático, ela perguntou:
- E quantos anos o senhor acha que eu tenho, pelo amor de deus?
Talvez captando uma parte da ironia mal contida da pergunta, o homem hesitou por um segundo antes de responder, ensaiando um sorriso triunfante:
- Quinze. Uns quinze no máximo.
Dessa vez ela não pôde se conter. Um riso lhe sacudiu de tal forma que ela mal reconheceu a própria voz. Enxugando os olhos, apanhou a taça que lhe foi estendida e limpou o riso com um suspiro e um gole. Algo no sarcasmo dos olhos, no cansaço da sua risada, convencera o garçom melhor do que um documento de identidade faria. Não se pode falsificar esse tipo de coisa na impressora de casa, afinal de contas.
Afastou-se do garçom (e da sua bandeja) meio a contragosto. Gostava do peso da taça nas mãos, mas gostava mais do peso do líquido descendo pela garganta e se alojando no estômago. Seu cérebro contorceu-se de alegria, vibrando como se no escritório todos estivessem assistindo a um jogo de futebol no meio do expediente. Gol. Logo precisaria de refil. Controlou-se para não beber muito rápido e fazer render o momento em que podia parar de fingir estar interessada em qualquer coisa que as pessoas estivessem usando para se entreter. Ah, abençoados minutos!
Não que ela não gostasse de festas... Estas eram, afinal de contas, um habitat natural de bêbados e ela gostava muitíssimo de pessoas embriagadas. O que mais a incomodava nesse tipo de evento era o quê de histeria na pulsação das pessoas, desesperadas para se divertir. O que festejavam, afinal, se precisavam catar migalhas de alegrias artificiais?
"Por favor, não tente puxar conversa. Por favor, por favor, por favor..." pensou ela, ao notar a aproximação de um homem à sua esquerda. As palavras se repetindo na cabeça como uma prece, enquanto tentava evitar contato visual. O esforço mostrou-se inútil, como de costume. O homem, não percebendo seu desconforto (ou simplesmente ignorando-o por comodidade) tratou de colocar-se aso seu lado e olhou ao redor em busca de um assunto qualquer para lhe falar.
"Se ao menos esses copos viessem com um sinal de 'ocupado', como quartos de hotel ou plaquinhas de rodízios..." resmungou consigo, enquanto fazia um contorcionismo para parecer desconhecer a tentativa dele de comunicar-se com ela. "Ao menos, pelo cheiro ele parece bêbado. Talvez seja até uma conversa entretível." pensou, tentando consolar-se.
- Festão... - começou ele, aparentemente cansado de procurar um motivo mais digno para quebrar o silêncio.
- É. - disse ela, virando-se para ele, enfim.
Com o terno já aberto e a gravata frouxa, o homem devia ter seus 40 e poucos anos. O rosto levemente avermelhado e os olhos brilhantes confirmavam o que o cheiro sugerira: ele estava bêbado como um peru de natal. Sentindo sua simpatia crescer quase que automaticamente, ela acrescentou:
- O buffet é de primeira.
Quase arrependeu-se do complemento quando ele, sentindo uma abertura, assumiu-se autorizado a intimidades:
- Você bebe muito pra sua idade. - disse, algo entre risonho e repreensivo.
"Haja!" gritou ela por dentro, sem poder impedir os olhos de se revirarem nas órbitas. Segurou a língua ferina, sem paciência para confusão, e lançou uma resposta ambígua:
- Fazer o quê? Champagne bom da porra.
- Você também xinga bastante pra sua idade...
- E você parece ter bastante ciência dos dados do meu nascimento. - ralhou ela, agora visivelmente irritada - Vamo lá, conte-me mais sobre as minhas primaveras!
O homem engoliu em seco (talvez não tão seco assim) e balançou de leve para trás como se a raiva tivesse lhe atingido e desequilibrado tal qual corrente de ar. Depois de piscar algumas vezes em silêncio, soltou um arroto de boca fechada e tentou outro caminho:
- Não provei... Prefiro Whisky. - retomou o tom de voz já mudado.
Ela respirou fundo e, olhando para a própria taça, já quase vazia, matutou se saía e o deixava falando sozinho ou se dava chance para a conversa. Acabou optando pela segunda opção, afinal Whisky era bom demais.
- Eu também, mas não achei e minha garganta estava bem seca...
- Posso te mostrar onde tem. - ofereceu ele, abrindo um sorriso vesgo. - Peguei tantos que o garçom já sabe até meu endereço.
- Parece ótimo. - riu ela, virando a taça de champagne e colocando numa mesinha com outros copos e pratos vazios.
- O nome dele é William e você não acredita em como eles pagam mal... - continuou ele, enquanto abriam caminho pela festa, conversando.
"Arranjei quem me aguente por hoje" pensou ela, satisfeita consigo mesma e com a noite. Módicas porções de interação social não lhe fariam mal, no fim das contas. Principalmente se acompanhadas de não tão módicas quantias do líquido âmbar que era tão aguardado pelos escritórios secos da sua mente.
segunda-feira, 13 de julho de 2015
Questões Vizinhas
Três bêbados e uma equilibrista
Discutindo esperança com certa ressaca
Sentados em cima do muro da vida
Assistindo a vizinha, sozinha, passar
Ai, que a vida é uma grande vaca
Que muito se ordenha por pouco leite
No sétimo dia descanse e deite
Ai, que o mundo é velho e sem porteira
Nem eira, nem beir
E quem desce a ladeira aposta no azar
Três bêbados e uma equilibrista
Discutindo a ressaca com pouca esperança
Sentados em cima do muro vizinho
Assistindo, sozinhos, a vida passar
Discutindo esperança com certa ressaca
Sentados em cima do muro da vida
Assistindo a vizinha, sozinha, passar
Ai, que a vida é uma grande vaca
Que muito se ordenha por pouco leite
No sétimo dia descanse e deite
Ai, que o mundo é velho e sem porteira
Nem eira, nem beir
E quem desce a ladeira aposta no azar
Três bêbados e uma equilibrista
Discutindo a ressaca com pouca esperança
Sentados em cima do muro vizinho
Assistindo, sozinhos, a vida passar
domingo, 12 de julho de 2015
Só mesmo pelo literário - 19/06/15
Porra, moleque! Que decepção.
Achei que talvez você fosse, iria. É o fardo do ser sonhadora demais... Fadada às frustrações intrínsecas ao processo.
Será que talvez você um dia se atira no escuro tão fundo quanto eu? É que existem muitos tons de preto, de negro, de escuro. Achei que talvez você chegasse a um deles, mas seu corpo leve e jovial apenas arranhou a vítrea superfície do bizarro, que é tudo o que faz sentido.
Porra moleque, achei que você tinha sentido.
Sua voz falha em falsete no não. Achei que era biológico, mas talvez seja de vivência. Seu silêncio pleno, achei que era reflexão. Talvez os dois, talvez só dormir. Talvez seja falta do que dizer, do que pensar.
Porra, moleque, imaginei um leve ressoar...
Da sua voz falando uma qualquer coisa, da sua boca estalando; você nunca me beija, não adianta fingir. E quando tentou, ai, eu bem percebi. Forçado, vagaba, bem "disgraçado".
Só queria mesmo que eu fosse embora. Pra onde? Bem, qualquer lugar que lhe fosse distante e imaginariamente confortável. Pra que se sentisse melhor, digníssimo, triste. Agoniado.
Porra moleque, você já não sabe?
A bad é eterna, concreta, está aí, moça. Eu tô e o caio acompanha meu fardo. Ah, pequeno parvo, moleque, menino. Já não sabe a magnitude do desatino? Chega ao ponto em que pensar só faz borbulhar e fumaçar as viscosidades da cabeça confusa, triturada.
Porra, crianca, moço..............
Curumim. Desisto de me fazer entender, ao menos assim. Fico sempre na beira do entendimento e da boa vontade e ao mesmo tempo em que estou tão cansada do "insisto"...
Tu vens, tu vens.... E é uma sombra projetada na esquina. Embora seja já certo, não desisto. Preciso de mais horas no dia. Às vezes minuto algum. Queria estar num outro mundo, planeta - como Júpiter ou Saturno - mas já estou nos seus sinais.
sexta-feira, 3 de julho de 2015
Odette
... olhava a rua através da redinha da janela da sala. O parapeito ficava bem na aultura da sua cabeça, mas ela usava-o para se pendurar com os braços, escalando a parede com os pés. A mãe geralmente brigava quando ela fazia isso. "Suja a parede", ela dizia, mas Odette tinha acabado de tomar banho e seus pés lhe pareciam bem limpos. De qualquer forma, não havia ninguém ali para brigar com ela, o que a deixava bem à vontade para pisotear a parede o quanto quisesse.
A menina gostava de tirar os pés do chão, como os pássaros. A mãe dizia que seu nome era Odette por causa de um pássaro. Ela não entendia muito bem o porquê, afinal, era um pássaro muito estranho: ele nadava, tinha o pescoço comprido e belas asas brancas, mas era também uma menina que dançava com uns sapatos esquisitos. Odette não sabia como ele colocava as patinhas no sapato, mas sabia, sim, que seus pezinhos preferiam ficar livres e bem leves, com os dedos soltinhos.
Escurecia do lado de fora. Pela janela dava pra ver as manchas coloridas do pôr-do-sol e nuvens fofinhas que iam se espalhando e se dissipando, como os pensamentos da própria Odette, quando estava com sono. A menina parou um pouco de se dependurar e começou a observar o céu. "Ser uma nuvem deve ser bom", pensou. "Elas são branquinhas como pássaros, e voam também". Decidiu então que conversaria com a mãe e pediria pra se chamar Nuvem ao invés de Odette. Era mais bonito e, no final das contas, dava no mesmo.
Satisfeita com sua decisão, ela afastou-se da janela e começou a treinar movimentos de nuvem, enchendo as bochechas com ar e mexendo os braços bem devagar. Experimentou tirar um dos pés do chão, mas desequilibrou-se e caiu. Levantou-se e voltou a tentar. Pegou bastante ar dessa vez, abriu bem os braços e todos os dedos e levantou o pé esquerdo.
Sentiu lágrimas vindo aos olhos quando seu corpo bateu no chão, flácido. O choro e a raiva vinham menos pela dor da queda e mais pela frustração do fracasso; a humilhação do som dos ossos batendo contra a madeira, que anunciava sua derrota para toda e qualquer formiga que passasse por ali. Odette levantou-se, desajeitada, o rosto queimando de vergonha. Soluçou por alguns instantes, no trâmite da decisão quase inconsciente entre enroscar-se no colo de alguém ou manter a dignidade. A falta de controle sobre as próprias glândulas, no entanto, decidiu por ela e a menina correu rapidamente até a cozinha, abrindo o berreiro.
Zuzu estava de costas, lavando pratos, quando Odete entrou pela copa, já tomada pelo choro. A mulher se virou, enxugando as mãos. "Que foi, meu anjinho? Ô... O que aconteceu?" perguntou, se abaixando e tomando a menina no colo, com ternura. "Pronto, venha cá, venha! Precisa isso não, calma! Conte pra Zuzu o que aconteceu".
Odette se aninhou nos braços da mulher e afundou a cara molhada no seu ombro forte. Queria explicar o que sentia, o treinamento pra ser nuvem, a vontade de voar, mas a choradeira ainda deixava sua boquinha trêmula demais pra emitir consoantes e todas as suas vogais saíam cheias de vibratto e e lágrimas. Sentiu que Zuzu levantava e caminhava e o movimento, externo e independente do seu corpo, a acalmou.
"Respire fundo comigo, vá!" Pediu Zuzu, carinhosamente, e começou a inflar o peito e fazer barulho com o ar que entrava e saía de sua boca. A menina começou a fazer o mesmo, inconscientemente guiada pelo som da respiração de sua protetora. A calma foi tomando conta dela e, entre um soluço e outro, foi se sentindo cada vez mais preenchida pelo vapor da uma nuvem serena.
"Pronto, me diga o que aconteceu, meu passarinho." a voz retumbava pela caixa toráxica de Zuzu e a menina a escutava abafada e aconchegante. Entre soluços ocasionais, conseguiu reunir ar suficiente pra dizer um tímido "Eu caí" que lhe pareceu um tanto quanto patético. Sentiu-se um pouco envergonhada de chorar por uma coisa tão boba. Pararam no corredor. Com ar de reprovação preocupada, a muher começou a procurar em seu corpo por machucados. "Ô, minha filha, pra que isso? Já não lhe disse pra não ficar se dependurando daquela janela? Aí, ó, porque sua mãe briga..."
A menina impacientou-se. Queria negar, explicar que não tinha se machucado por causa de janela nenhuma, que estava era treinando para ser uma nuvem e que voar era muito difícil. Porém, entrecortada pelos soluços e pela indignação, sua fala saiu mais como: "Não, Zu... É mui difíciu... Eu quiria... Nuvem... Não consigo... Vuá... Muinto difíciu..."
Seu corpo tremia um pouco com o esforço e ele sentia alguma coisa escorrendo pelo nariz, dando uma coceira chata. Zuzu olhou-a com um ar derrotado, aquele de quem não consegue se aborrecer com pequenices e traquinagens. Limpou com um pano a mistura de fluidos so rosto da menina e a colocou no chão. Ofereceu-lhe a mão, que Odette apertou, e foram andando de volta para a cozinha.
"Venha, que eu vou te dar um brigadeiro... Mas, ó: não fale nada pra sua mãe, viu? Segredo nosso. Esses brigadeiros aqui são da sobremesa de amanhã."
O coração de Odette começou a bater mais forte e por um momento a menina esqueceu de todo o aborrecimento, das nuvens, dos pássaros e dos sapatos. Ela realmente adorava brigadeiro.
A menina gostava de tirar os pés do chão, como os pássaros. A mãe dizia que seu nome era Odette por causa de um pássaro. Ela não entendia muito bem o porquê, afinal, era um pássaro muito estranho: ele nadava, tinha o pescoço comprido e belas asas brancas, mas era também uma menina que dançava com uns sapatos esquisitos. Odette não sabia como ele colocava as patinhas no sapato, mas sabia, sim, que seus pezinhos preferiam ficar livres e bem leves, com os dedos soltinhos.
Escurecia do lado de fora. Pela janela dava pra ver as manchas coloridas do pôr-do-sol e nuvens fofinhas que iam se espalhando e se dissipando, como os pensamentos da própria Odette, quando estava com sono. A menina parou um pouco de se dependurar e começou a observar o céu. "Ser uma nuvem deve ser bom", pensou. "Elas são branquinhas como pássaros, e voam também". Decidiu então que conversaria com a mãe e pediria pra se chamar Nuvem ao invés de Odette. Era mais bonito e, no final das contas, dava no mesmo.
Satisfeita com sua decisão, ela afastou-se da janela e começou a treinar movimentos de nuvem, enchendo as bochechas com ar e mexendo os braços bem devagar. Experimentou tirar um dos pés do chão, mas desequilibrou-se e caiu. Levantou-se e voltou a tentar. Pegou bastante ar dessa vez, abriu bem os braços e todos os dedos e levantou o pé esquerdo.
Sentiu lágrimas vindo aos olhos quando seu corpo bateu no chão, flácido. O choro e a raiva vinham menos pela dor da queda e mais pela frustração do fracasso; a humilhação do som dos ossos batendo contra a madeira, que anunciava sua derrota para toda e qualquer formiga que passasse por ali. Odette levantou-se, desajeitada, o rosto queimando de vergonha. Soluçou por alguns instantes, no trâmite da decisão quase inconsciente entre enroscar-se no colo de alguém ou manter a dignidade. A falta de controle sobre as próprias glândulas, no entanto, decidiu por ela e a menina correu rapidamente até a cozinha, abrindo o berreiro.
Zuzu estava de costas, lavando pratos, quando Odete entrou pela copa, já tomada pelo choro. A mulher se virou, enxugando as mãos. "Que foi, meu anjinho? Ô... O que aconteceu?" perguntou, se abaixando e tomando a menina no colo, com ternura. "Pronto, venha cá, venha! Precisa isso não, calma! Conte pra Zuzu o que aconteceu".
Odette se aninhou nos braços da mulher e afundou a cara molhada no seu ombro forte. Queria explicar o que sentia, o treinamento pra ser nuvem, a vontade de voar, mas a choradeira ainda deixava sua boquinha trêmula demais pra emitir consoantes e todas as suas vogais saíam cheias de vibratto e e lágrimas. Sentiu que Zuzu levantava e caminhava e o movimento, externo e independente do seu corpo, a acalmou.
"Respire fundo comigo, vá!" Pediu Zuzu, carinhosamente, e começou a inflar o peito e fazer barulho com o ar que entrava e saía de sua boca. A menina começou a fazer o mesmo, inconscientemente guiada pelo som da respiração de sua protetora. A calma foi tomando conta dela e, entre um soluço e outro, foi se sentindo cada vez mais preenchida pelo vapor da uma nuvem serena.
"Pronto, me diga o que aconteceu, meu passarinho." a voz retumbava pela caixa toráxica de Zuzu e a menina a escutava abafada e aconchegante. Entre soluços ocasionais, conseguiu reunir ar suficiente pra dizer um tímido "Eu caí" que lhe pareceu um tanto quanto patético. Sentiu-se um pouco envergonhada de chorar por uma coisa tão boba. Pararam no corredor. Com ar de reprovação preocupada, a muher começou a procurar em seu corpo por machucados. "Ô, minha filha, pra que isso? Já não lhe disse pra não ficar se dependurando daquela janela? Aí, ó, porque sua mãe briga..."
A menina impacientou-se. Queria negar, explicar que não tinha se machucado por causa de janela nenhuma, que estava era treinando para ser uma nuvem e que voar era muito difícil. Porém, entrecortada pelos soluços e pela indignação, sua fala saiu mais como: "Não, Zu... É mui difíciu... Eu quiria... Nuvem... Não consigo... Vuá... Muinto difíciu..."
Seu corpo tremia um pouco com o esforço e ele sentia alguma coisa escorrendo pelo nariz, dando uma coceira chata. Zuzu olhou-a com um ar derrotado, aquele de quem não consegue se aborrecer com pequenices e traquinagens. Limpou com um pano a mistura de fluidos so rosto da menina e a colocou no chão. Ofereceu-lhe a mão, que Odette apertou, e foram andando de volta para a cozinha.
"Venha, que eu vou te dar um brigadeiro... Mas, ó: não fale nada pra sua mãe, viu? Segredo nosso. Esses brigadeiros aqui são da sobremesa de amanhã."
O coração de Odette começou a bater mais forte e por um momento a menina esqueceu de todo o aborrecimento, das nuvens, dos pássaros e dos sapatos. Ela realmente adorava brigadeiro.
quarta-feira, 1 de julho de 2015
Mauerbauertraurigkeit
O gosto do café não tomado voltou à minha boca hoje, um tanto quanto amargado pelas lágrimas de uma corujinha que descobri estimar muito. Consolei sua dor com as palavras mais verdadeiras possíveis e ela descansou sua cabeça nos meus ombros, pesados pela culpa de já ter desejado que esse dia um dia chegasse.
"Ainda bem que vou embora" é um pensamento que muito me ocorre ultimamente e por ele eu nutro uma adoração, dependência mesmo. É como se eu percebesse que meu barco está furado justamente ao avistar a costa de um continente estranho. Exceto, talvez, que é meu porto que afunda e é a um barco - pequeno, instável - que me jogarei quando a madeira podre dos decks ceder sob maus pés. Rumo ao desconhecido.
O desejo de ver-me cercada de mar é também contade de ver desaparecer toda vivalma. Um querer de silêncio, um querer de que ninguém me pergunte nada ou me peça para decidir qualquer coisa. Sei que não vai ter café pra mim tão cedo, amargo ou doce. Sei que o cheiro de pipoca já foi-se todo janela afora. Sei que estou só e sei que quero, apesar da saudade que vai apertar, estar só e apartada das vozes e rostos que conheço.
Quero ter a oportunidade de ser lida por olhos mais imparciais, ter o privilégio e o desafio de ser barco sem lenço, sem vela e sem documento: só um nome pintado no casco e vontade de navegar.
Apesar das unhas bem aparadas, minhas garras têm saltado pra fora e arranhado o que me é mais caro. Preciso parar. Preciso ir-me embora antes que abram-se fendas grandes demais, sulcos que afeição nenhuma preenche. Preciso ir embora antes que toque mesmo fogo nesse apartamento, no meu cabelo, no tanque de gasolina do carro:
Preciso dar o fora e preciso que ninguém venha comigo. Talvez nem eu.
"Ainda bem que vou embora" é um pensamento que muito me ocorre ultimamente e por ele eu nutro uma adoração, dependência mesmo. É como se eu percebesse que meu barco está furado justamente ao avistar a costa de um continente estranho. Exceto, talvez, que é meu porto que afunda e é a um barco - pequeno, instável - que me jogarei quando a madeira podre dos decks ceder sob maus pés. Rumo ao desconhecido.
O desejo de ver-me cercada de mar é também contade de ver desaparecer toda vivalma. Um querer de silêncio, um querer de que ninguém me pergunte nada ou me peça para decidir qualquer coisa. Sei que não vai ter café pra mim tão cedo, amargo ou doce. Sei que o cheiro de pipoca já foi-se todo janela afora. Sei que estou só e sei que quero, apesar da saudade que vai apertar, estar só e apartada das vozes e rostos que conheço.
Quero ter a oportunidade de ser lida por olhos mais imparciais, ter o privilégio e o desafio de ser barco sem lenço, sem vela e sem documento: só um nome pintado no casco e vontade de navegar.
Apesar das unhas bem aparadas, minhas garras têm saltado pra fora e arranhado o que me é mais caro. Preciso parar. Preciso ir-me embora antes que abram-se fendas grandes demais, sulcos que afeição nenhuma preenche. Preciso ir embora antes que toque mesmo fogo nesse apartamento, no meu cabelo, no tanque de gasolina do carro:
Preciso dar o fora e preciso que ninguém venha comigo. Talvez nem eu.
James - 18/04/15
Será que é você quem vai arrancar novamente um calafrio de ansiedade? Em meio a tantas cores pastéis, tons de salmon e texturas vazias vou sentir de novo o granulado laranja que fará disparar o pulso e e obrigar a levantar vôo as borboletas cor de cobre que moram no meu estômago? Elas andam pousadas, morgadas, até, tão entediadas quanto eu ao olhar em volta.
Não faço nem questão da insanidade que por vezes vem de brinde. Dispenso, no momento, a energia suicida, desvairada, que me carrega e até morro afogada qualquer dia desses. Nah, não faz falta, não agora. Reconheço a importância, talvez até certa função fisiológica, mas não aqui, não agora, não comigo. Tô de boa.
Já uma tirinha um pouco maior que essas de três quadrinhos, não dispenso. Mas e você? Tá pra mais... Tá pra menos...? Será que sua xícara tem o exato tamanho pra minha quantidade de açúcar? Quem sabe a gente está no mesmo Violinista Verde, com todos os ingredientes e as medidas exatas para uma larica inesquecível, uma larica compartilhada...
Só por diversão mais intensa; um riso um pouco mais sincero diante de uma piada um pouco menos sem graça. Nada de alianças de ouro. Afinal, pra que tantos anéis se só temos dez dedos e um punhado de anos nas mãos? Para bom mergulhador é possível explorar diversas profundidades sem precisar de ship nem relationship.
Faça-me o favor singelo de ler minhas palavras como quem lê a carta de um naufrago entediado e cheio de vontade de explorar os mares. Decifre meus olhares (futuros) como quem olha pela lente de uma câmera tentando ver a foto. Por fim, por obséquio e por mim, leia meu corpo como um cego lê Braile... Mas com mais vontade.
Não faço nem questão da insanidade que por vezes vem de brinde. Dispenso, no momento, a energia suicida, desvairada, que me carrega e até morro afogada qualquer dia desses. Nah, não faz falta, não agora. Reconheço a importância, talvez até certa função fisiológica, mas não aqui, não agora, não comigo. Tô de boa.
Já uma tirinha um pouco maior que essas de três quadrinhos, não dispenso. Mas e você? Tá pra mais... Tá pra menos...? Será que sua xícara tem o exato tamanho pra minha quantidade de açúcar? Quem sabe a gente está no mesmo Violinista Verde, com todos os ingredientes e as medidas exatas para uma larica inesquecível, uma larica compartilhada...
Só por diversão mais intensa; um riso um pouco mais sincero diante de uma piada um pouco menos sem graça. Nada de alianças de ouro. Afinal, pra que tantos anéis se só temos dez dedos e um punhado de anos nas mãos? Para bom mergulhador é possível explorar diversas profundidades sem precisar de ship nem relationship.
Faça-me o favor singelo de ler minhas palavras como quem lê a carta de um naufrago entediado e cheio de vontade de explorar os mares. Decifre meus olhares (futuros) como quem olha pela lente de uma câmera tentando ver a foto. Por fim, por obséquio e por mim, leia meu corpo como um cego lê Braile... Mas com mais vontade.
segunda-feira, 8 de junho de 2015
Inaura
Esperei muitas coisas de você nas últimas semanas...
Imaturidade, confusão, um beijo, falta de vontade, uma resposta que nunca veio, um copo d'água... Só não esperava falta de respeito.
Tá certo que eu não deveria ter esperado nada disso, já que você nem nada me deve. Mas acho que você sabe que, às vezes, não é questão de escolha.
Acho (achei), também, que você sabe (sabia) o quão angustiante é ser uma sala de espera. Fria. Vazia. Agoniada. E de todas as coisas que esperei sem ter direito, a única que eu tinha - já que é direito e necessidade inerente a quase todo ser humano - logo essa é que mais faltou.
Isso aqui... Não é uma bronca (deus me livre!). Não é tampouco um pedido, um desejo, nem uma espera (não mais). Só precisava, uma vez mais, dizer (escrever) o que eu sinto. É mais por mim mesma, pelo meu sossego, do que por qualquer outra coisa.
Na verdade isso pode acabar sendo um agradecimento. O vazio e o frio, dignos de um consultório de dentista, me lembraram o quão perigosamente infinitos podem se tornar uns poucos 9 dias; o quão desgastante, inútil e perigosamente eterno pode ser esperar por quem não faz questão de você.
Te saúdo,
Evoé!
segunda-feira, 25 de maio de 2015
Que Nem o Gato
Era a festa da carne e havia um banquete ao seu redor. Saboreava o calor, o suor, o sal grudado na pele e a textura das roupas rasgadas dos outros bacantes. Eram milhares de corpos em transe rítmico, como um culto sagrado de 1984. Você entende perfeitamente o motivo, a vontade, o nome. Era a festa da carne.
Em algum lugar haviam olhos. Atrás de você, na frente, em todos os lugares haviam vários tipos. Há um par que te perambula na consciência, oras aqui, oras lá, mas sempre (ou quase) ao alcance da vista. Ou sua ou dele. Tão novos, tão jovens, como que recém comprados. Eles te encaram, sem desviar randomicamente como os outros. Ele parece sorrir sem dentes e você foge... Não bem por um motivo, mas talvez sim.
Nem você, talvez, diria. Uma certa inveja. Parecia que aquele mundo que tanto te confundia e devorava era terra de posse dele - a figura que dela se erguia - como que alheio, mas soberano de sí e das tremulâncias que eram tudo o que mais se via.
Como se uma câmera de shutter lento, meio que bêbado, cortasse a gelatina do tempo e retirasse aquele momento como uma fatia de queijo. Todo o entorno estaria turvo, derretido, mas não ele e seus ombros e cabeça, despontando do rio de carne como o periscópio de um submarino. É dono do rio e dono dos olhos.
Neles, os círculos de confusão de foco têm raio tão ínfimo (e trovão delicado, quase inaudível) que a luz que ali se esbarra e reflete pra você forma uma imagem nítida, mas tão nítida que não se vê só teu rosto (desfigurado pelos êxtases contínuos), mas todo um oceano de coisas. São como espelhos que só mostram o que está dentro, e a imagem que produzem, por sua vez, é tão nítida, que nela é possível mergulhar.
Lá dentro, na lógica de uma boneca russa, tem um lago negro, numa clareira, e as águas são tão calmas que parecem ser melaço quente, soltando vapores entorpecentes, tornando indistinguíveis as árvores ao redor da clareira. E esse é também reino dele. E é como se, na verdade, real fosse aquilo, e a alucinação profana e as carnes e o festival de bestialidades no qual estão você e os outros bacantes fosse como um filme que o diverte, mas não lhe toma o controle.
Você não para de olhar porque não consegue, não confia, não acredita em quem não se desespera. Só confia em quem sente frio; lição bem aprendida, ensinada por outros verões. Mesmo assim, apesar disso, uma certa inveja. Nem você diria. Talvez sim, talvez muito mais.
Em algum lugar haviam olhos. Atrás de você, na frente, em todos os lugares haviam vários tipos. Há um par que te perambula na consciência, oras aqui, oras lá, mas sempre (ou quase) ao alcance da vista. Ou sua ou dele. Tão novos, tão jovens, como que recém comprados. Eles te encaram, sem desviar randomicamente como os outros. Ele parece sorrir sem dentes e você foge... Não bem por um motivo, mas talvez sim.
Nem você, talvez, diria. Uma certa inveja. Parecia que aquele mundo que tanto te confundia e devorava era terra de posse dele - a figura que dela se erguia - como que alheio, mas soberano de sí e das tremulâncias que eram tudo o que mais se via.
Como se uma câmera de shutter lento, meio que bêbado, cortasse a gelatina do tempo e retirasse aquele momento como uma fatia de queijo. Todo o entorno estaria turvo, derretido, mas não ele e seus ombros e cabeça, despontando do rio de carne como o periscópio de um submarino. É dono do rio e dono dos olhos.
Neles, os círculos de confusão de foco têm raio tão ínfimo (e trovão delicado, quase inaudível) que a luz que ali se esbarra e reflete pra você forma uma imagem nítida, mas tão nítida que não se vê só teu rosto (desfigurado pelos êxtases contínuos), mas todo um oceano de coisas. São como espelhos que só mostram o que está dentro, e a imagem que produzem, por sua vez, é tão nítida, que nela é possível mergulhar.
Lá dentro, na lógica de uma boneca russa, tem um lago negro, numa clareira, e as águas são tão calmas que parecem ser melaço quente, soltando vapores entorpecentes, tornando indistinguíveis as árvores ao redor da clareira. E esse é também reino dele. E é como se, na verdade, real fosse aquilo, e a alucinação profana e as carnes e o festival de bestialidades no qual estão você e os outros bacantes fosse como um filme que o diverte, mas não lhe toma o controle.
Você não para de olhar porque não consegue, não confia, não acredita em quem não se desespera. Só confia em quem sente frio; lição bem aprendida, ensinada por outros verões. Mesmo assim, apesar disso, uma certa inveja. Nem você diria. Talvez sim, talvez muito mais.
domingo, 26 de abril de 2015
Suavemente Esperando Godot
Silenciosas passeiam as nuvens
acariciando o veludo do céu.
Seus tão vagarosos e fluidos vapores
embaçam a luz das fogueiras dos anjos.
Se o vento as carrega, em total majestade
e sopra pra longe real carruagem,
de seda só resta o ar que comprime
meu corpo e e me mostra o vazio ao redor.
Tão vasto e terrível é o abismo de cima,
que a vida segue em declive suave.
Se cada gotinha fosse uma oração,
eram quatro pai nossos, seis vezes ao dia,
tentando escutar uma voz que responda,
ou acreditando que talvez funcione
rezar para o deus dessas preces de gosto
floral ou metálico. Não sei ao certo
se sei se é placebo ou se só tenho medo
de pensar pai nosso e ser ave maria,
mas a vida segue em declive suave.
Contando meu tempo em números flácidos
aguardo o final como aguardo o jantar
Não sei se mais temo comida queimada
ou sabor que jamais vou querer escovar
dos meus dentes com pasta de menta enlatada
e pré fabricada pra belos sorrisos,
que querendo ou não duram mais do que a carne
pois a vida segue em declive suave.
Há, inclusive, um engarrafamento
de almas pernetas, perdidas em si.
E suspiram de alívio a cada semáforo
rubro que para o mundo ao redor.
Já quase não fingem que estão animadas,
já quase não fingem sequer se importar.
E a vida segue em declive suave.
Peço que as vezes me mandes histórias
que cruzem os mares em forma de ondas
imensas e tão gentilmente embaladas
que embalem meu sono apesar da distância
Talvez não tão doce, nem tão devagar,
pois a vida segue em declive suave.
Os líquidos brilham em copos redondos
de um vidro tão claro que até deixa ver
quando a luz lhes disseca das bolhas e risos
e cega-me os olhos aterrorizados,
mas seguem dançando sem nem se importar
Então a vida segue em declive suave
Aquilo que queima no lago de fogo
são antes as chamas dos olhos de deus.
Na bíblia cristã, no costume judeu
Mas antes de tudo, o inferno sou eu
E a vida segue em declive suave
O dia sorri gargalhando de luz
e escorre entre as frestas das venezianas
escuras, maciças, pesadas de sono.
E a vida segue em declive suave.
Na minha cabeça seu deus quase existe.
Cantando e dançando, os punhos em riste.
E a vida segue em declive suave.
Brilha o ar e o calor, brilha a espuma dos olhos.
Nenhuma astronave vem pra me salvar.
Então segue a vida em declive suave.
Quem sabe algum dia alguém vem me encontrar.
Mas a vida segue em declive suave.
Bem como entropia
Ou chuva de neve
Caindo de leve
Enquanto eu sigo em declive suave.
acariciando o veludo do céu.
Seus tão vagarosos e fluidos vapores
embaçam a luz das fogueiras dos anjos.
Se o vento as carrega, em total majestade
e sopra pra longe real carruagem,
de seda só resta o ar que comprime
meu corpo e e me mostra o vazio ao redor.
Tão vasto e terrível é o abismo de cima,
que a vida segue em declive suave.
Se cada gotinha fosse uma oração,
eram quatro pai nossos, seis vezes ao dia,
tentando escutar uma voz que responda,
ou acreditando que talvez funcione
rezar para o deus dessas preces de gosto
floral ou metálico. Não sei ao certo
se sei se é placebo ou se só tenho medo
de pensar pai nosso e ser ave maria,
mas a vida segue em declive suave.
Contando meu tempo em números flácidos
aguardo o final como aguardo o jantar
Não sei se mais temo comida queimada
ou sabor que jamais vou querer escovar
dos meus dentes com pasta de menta enlatada
e pré fabricada pra belos sorrisos,
que querendo ou não duram mais do que a carne
pois a vida segue em declive suave.
Há, inclusive, um engarrafamento
de almas pernetas, perdidas em si.
E suspiram de alívio a cada semáforo
rubro que para o mundo ao redor.
Já quase não fingem que estão animadas,
já quase não fingem sequer se importar.
E a vida segue em declive suave.
Peço que as vezes me mandes histórias
que cruzem os mares em forma de ondas
imensas e tão gentilmente embaladas
que embalem meu sono apesar da distância
Talvez não tão doce, nem tão devagar,
pois a vida segue em declive suave.
Os líquidos brilham em copos redondos
de um vidro tão claro que até deixa ver
quando a luz lhes disseca das bolhas e risos
e cega-me os olhos aterrorizados,
mas seguem dançando sem nem se importar
Então a vida segue em declive suave
Aquilo que queima no lago de fogo
são antes as chamas dos olhos de deus.
Na bíblia cristã, no costume judeu
Mas antes de tudo, o inferno sou eu
E a vida segue em declive suave
O dia sorri gargalhando de luz
e escorre entre as frestas das venezianas
escuras, maciças, pesadas de sono.
E a vida segue em declive suave.
Na minha cabeça seu deus quase existe.
Cantando e dançando, os punhos em riste.
E a vida segue em declive suave.
Brilha o ar e o calor, brilha a espuma dos olhos.
Nenhuma astronave vem pra me salvar.
Então segue a vida em declive suave.
Quem sabe algum dia alguém vem me encontrar.
Mas a vida segue em declive suave.
Bem como entropia
Ou chuva de neve
Caindo de leve
Enquanto eu sigo em declive suave.
sábado, 21 de fevereiro de 2015
Canções pra ninar Eu
Vai embora e me deixa a pia cheia de louça e o peito vazio. Na boca, um sorriso cansado, na casa, um cheiro de pipoca. Aquela de queijo, sabor microondas, que chega agora deu vontade. E eu que sempre amei a solidão tenho agora ansiedade. É urgência de ver, falar, acontecer, participar, conversar, ser. Viver lá fora.
Mas, mesmo assim, vai embora.
Deixa na boca o sabor do café preto não tomado, das palavras não ditas. No pulmão, espaço para os becks ainda por vir, na mente, as conversas que já aconteceram só de antecipação, de sonho, de ansiedade. Ansiedade ou fome? Desejo de antropofagias de todos os tipos! Comer ideias, pessoas, músicas, lábios, dentes... Dilacerar a carne e sugar o sangue e o sumo da alma.
Mas hay que respirar e hay que dormir. Por mais que as luzes me façam cócegas no espírito, sempre amei a solidão por um motivo bem humano, até: preciso dela. Fisicamete, mentalmente. É entre quatro paredes que se desacelera o pulso e é enfim possível escutar outros sons, outros rítmos invisíveis.
É também como uma recarga: o sono cheio de sonhos fantásticos, convincentes, que me permitem acreditar mais em mim e menos na realidade que me afunda e se afunda no meu peito com todo o peso do tempo, dos anos, da histeria e do desamparo. É preciso dormir para calar a voz que me diz em tempo integral todas as coisas ruins a meu respeito. Aquelas que sei, mas nas quais tento não acreditar.
Disseram-me que há uma chance, se recuperar isso a que chamam de confiança, auto-estima. Uma chance real de encontrar um caminho e até algumas luzes coloridas e "flair". Precisa-se dormir para calar a voz que diz as verdades, boas e ruins, para escutar a gargalhada e os sussurros de horror da voz que diz loucuras e conta estrelas enquanto atira fogos de artifício contra as pessoas e as assiste explodir. Ai, preciso tanto, preciso dormir.
Então, por fim, vai você também embora! Você que está ai na frente, traduzindo em palavras meus pensamentos. Você que eu chamo de "eu", de nós e que é os três pronomes, a depender do momento. Desliga-te um pouco e deixa-me com os outros "eu"s, aqueles que espreitam no ressonar da minha adormecida boca, e com os os outros também, os desconhecidos. Deixa-me com as faces anônimas que reconheci na rua e que estão gravados nas fotos guardadas nos porta-retratos dos sótãos da minha mente.
Enquanto caminha pelos corredores de mim, em busca dos seus secretos aposentos de descanso, canta canções de ninar ao meu coração, para que ele se acalme. Massageia meus músculos rijos com promessas de que haverá algum amanhã; uma alvorada melhor que a última e mais cheia de cores e promessas. Fala-me de um sol mais quente, que me encha de coragem e doure minha pele.
Mas, quando chegar ao fim do corredor, apague as luzes para que eu possa enxergar os fogos de artifício e as estrelas e escutar canção do tempo.
sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015
Antes e Depois do Casamento Chinês
Porra. Queria saber como começar isso aqui. Porra. Na verdade mesmo eu queria saber falar isso com a boca, frente a frente... Mas pessoalmente só consigo falar com os olhos e eles andam muito sinceros, confusos demais para conseguir comunicar de fora clara. Perdidos no emaranhado de verdade dissonantes que mora em mim. Porra. Na verdade eu não sei qual das duas opções é mais patética. Deixa pra lá, eu preciso levar as coisas menos a sério se quiser ser mais feliz.
O ponto é que eu gosto de você. Gosto do jeito que você preferir entender, pouco me importa: são todos verdadeiros. Gosto desde que te vi pela primeira vez. Porra. Não queria que isso soasse tão dramático na cena que imaginei pra nós dois. Tem toda essa coisa de final de festa que deixa as coisas um pouco mais chorosas. Resumindo: queria ter feito isso antes, mas sou idiota, otária mesmo. Foda-se.
Minha memória não é tão boa, mas eu lembro de muita coisa. Se a sua for tão boa quanto diz ser, vai se lembrar também.
O ponto é que eu gosto de você. Gosto do jeito que você preferir entender, pouco me importa: são todos verdadeiros. Gosto desde que te vi pela primeira vez. Porra. Não queria que isso soasse tão dramático na cena que imaginei pra nós dois. Tem toda essa coisa de final de festa que deixa as coisas um pouco mais chorosas. Resumindo: queria ter feito isso antes, mas sou idiota, otária mesmo. Foda-se.
Minha memória não é tão boa, mas eu lembro de muita coisa. Se a sua for tão boa quanto diz ser, vai se lembrar também.
(...)
Mas talvez o problema não seja memória. E não foi. Assim como o problema não são os substantivos desse texto, mas seu tempo. Sempre errado e desajustado.
Comecei no futuro, terminei no passado.
Em sã consciência
Você me conhece? Vejo em seus olhos o brilho de quem parece me conhecer... Mas será só um reflexo da minha própria luz? Mais plausível, mais um eco do Narciso insano buscando a si mesmo. Tenho estado um tanto quanto desesperada por reconhecer algo de mim em outr@. Não meu reflexo, mas uma alma que se junte ao som da minha, indicando alguma consonância, aliviando a solidão.
Queria não ter experimentado uma identificação tão forte... Torna o apego uma parte muito maior de mim, muito mais difícil de combater. Será que dá pra ele ter ido embora para sempre do pequeno quarto que construímos, sem olhar pra trás? Apenas mais um abandono? Só posso crer que a consonância nunca existiu: imaginei-a, como sempre. De outro modo, quem, em sã consciência, jogaria fora uma coisa tão preciosa? O que é mesmo ser são? E se, na verdade, fui eu quem jogou tudo fora pela janela?
Não. Preciso parar de me culpar por todos os desconfortos do mundo, de me achar tão importante. Assim como preciso deixar de lado o veneno da auto crítica, constante e corrosivo. Nõ necessariamente por ser uma mentira, na verdade não sei. É mais porque, se eu for mesmo essa merda toda que penso ser, mais vale ser uma eterna lunática, vista com pena por todos, mas leve no coração.
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