quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Como Um Chuchu

É uma das cordas bambas mais perigosas do mundo esta na qual brinca o rato. É feita de trança delicada de malha de metais incandescentes. Dói um pouco caminhar sobre ela, mas os pés já anestesiados da queimadura contínua não reclamam tanto. Novas bolhas vão surgindo por cima das marcas dos antigos calos, já quase cicatrizados.
Mas nem o pé nem as peles mortas são mais feios do que aquilo que se encontra no fundo do abismo que a corda cruza. O rato nem olha pra baixo por já saber de cor o que a escuridão e os quilômetros de profundidade encobrem. As imagens que busca ao avançar cada passo, essas sim pensa ter esquecido. Enxerga-as de relance quando sente as ferroadas dos metais em brasa, e é só o que pode ter delas se quiser evitar o tão temido desequilibrar.
Por que se arrisca, então? Talvez por tédio, pura e simplesmente. Pode ser que a avidez do deserto de areia, seguro, pastel, sólido(?), lo assuste mais que toda a dor que advém do possível cair da corda bamba. Esse fundo de poço, ao menos, já lhe é familiar. O esgoto... Já é trash por excelência, verdad?
Mas o deserto? Ai! O medo da sede que lhe implica... Só com muitos queijos (e vinhos) pra temperar. E a monotonia! Não lembre da monotonia, e da monocromia, e da tão temida (apesar de um pouco invejável) apatia. As lágrimas aí evaporam antes de saírem dos olhos, o coração bate sem vontade, bate por bater, na tentativa de escapar do lagarto frio que é a insônia.
E não há opção além de deserto, corda bamba e abismo? Não tem certeza se o conhece. Resta-lhe algumas lembranças em sépia de alguma praia cheia de coqueiros e peixes e vendedores de queijinho. Mas não tem certeza... Pode ter sido só um sonho. Já não tem certeza de muitas coisas, ultimamente. As imagens se borram, as cores se apagam, os cenários se confundem tanto que o brilho de uma cada bulba lhe chega quase como um farol. Um farol que queima e ameaça afoga-la, sim, mas ainda um farol.
"Mais forte...". Um arrepio corre uma espinha imaginada, lembrada. Os pelos do cangote real ameaçam eriçar. Os dedos lhes buscam, como que para certificar-se de que não se moveram. Olha pra trás, para a margem. Conta, mede, sim. Ainda está numa distância segura, só não sabe se acerta o caminho de volta, e nem ao menos se quer voltar. O rato sem graça se identifica com a pastelice do dia abobrinha que se vai com o sol. Abobrinha porque não teve sabor, como um chuchu, mas sem o som carinhoso do nome.

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