sexta-feira, 31 de julho de 2015

Hairy Frog and The Tadpoles

Good luck, motharfackar
De gaxteixon avec moi
Na hora eu posso até não brigar

Mas vendetta é um prato
Que eu como devagar
Pedaço por pedaço pra melhor saborear


E sentir um gosto
Um pouco diferente
Nessa boca minha
Tão amarga


Good vibes sunday morning
É rarité de se encontrar
O dia inteiro é um grande cipah

Mas os hermano, nothing nothing
Come together pra queimar
E apesar do cansaço a zoeira é wunderbar


E o domingo ganha
Um gosto diferente
Da segunda-feira
Tão amarga


Sem Ratatá....


quarta-feira, 29 de julho de 2015

Na avenida o samba popular - 13/07/15

 Vai passar, vai passar, vai passar. Espero as horas, os dias, espero o pão torrar no forno. Sou analfabeta do tempo, então só espero. Vai passar. As nuvens, o sentimento, vai passar.
     E se estou no ponto, e se abre-se um rombo na minha barriga, no meu pensar, no plano que fiz pra me reabilitar. O ônibus? Vai passar. Nem que eu tenha que correr atrás dele. Nem que eu corra até que a velocidade seja suficiente para fazer a aerodinâmica  funcionar nas minhas asas tímidas e atrofiadas. Mas vai passar. O medo vai passar.
     E se eu conhecesse a língua do tempo pediria só pra ele ser menos contínuo, constante, implacável... Só mesmo pra que fosse viável essa coisa de administrar. Alongar umas determinadas horas, e em outras correr em disparada (pra qualquer direção, meu deus). Mas vai passar.
     Não controlo, que fique claro, se rápido ou devagar. Mas vai passar. Sinto-me como quem senta-se no banco de trás de um carro chique ("num fim de tarde de domingo..."), de olhos fechados pra não ver o caminho (nem os cadáveres de pipa). O rádio ligado pra nem perceber a velocidade. Janelas fechadas pra nem ouvir as vozes de quem passa. E vai passar.
     E isso talvez seja até confortável. Só sentir e esperar. Batucar um ritmo com os dedos, cantarolar de boca fechada pra não deixar o olho chorar, o soluço fazer pular o peito. Sentir a dor em cada pedaço, até o final, sem analgésico. Até porque vai passar. Vai passar. Vai passar.

Na avenida o samba popular.

terça-feira, 21 de julho de 2015

Palito de Dente




     Começa com A e termina com E. Não te deixa dormir, te faz vomitar. Já lembrou do que é? Faz o Kama Sutra inteiro com o travesseiro sem sentir sono, muito menos tesão. A mente se recusa, abusa, diz que não, não, não, não, não... "Não esqueço, nem durmo, nem dou uma única foda (metafórica ou...)". Senta e toma o chá da meia noite com a imaginação. Mas não é chá; é café, e a cola dos olhos está seca.
     Começa com R e termina com A. Não diz sempre onde onde veio nem quando vai parar. Começa no peito, termina sem ar. Já lembrou do que é? A língua começa amarga e não é de café. O estômago trava e não mais vomita; borbulha ladeira acima até queimar tudo. Um palito de dente atravessa a garganta e não passa um fio de azeite, não passa nem grito (de desespero ou de...).
     Começa com A e termina com E. Arranca no dente as cutículas, unhas, quer esfolar o pé. Não se apaga mais com cigarro aceso, não se acaba mais com o corpo preso... Só piora pra cada lado que a noite avance. E a noite... A noite é lembrança, é substantivo, é lindo, é poesia, é uma criança, mas não pra sempre. Porque acima de tudo noite é tempo, noite é verbo, e o tempo não para, só piora, se passa ou não passa, só piora.
     Começa com R e termina com A. É uma chama que nunca apaga, só vai diluindo pelo corpo quando cai uma única lágrima. Só enfraquece com a dor de cabeça que dá sentir essa filha solteira de pais separados (apesar de molhados, vermelhos, atentos). O solvente é ela destilada, venenosa. Tanto faz, incha, que esquece. Talvez por isso, olhos cansados. Progenitores cogenitores da solução em conta-gotas que escorre queimando. E a mãe não tem rima porque com ela não se escreve poesia, só se cospe o sangue e os pedaços do palito quebrado.
     Se do cuspe tuberculoso formam-se letras, isso já é por conta da madrugada, da sorte, da fé. Da bondade de quem lê... Se não dorme também, se já nem pode vomitar. Se começa com A e termina com E, se começa com R e termina com A. (Não me faça dizer) Já lembrou do que é?

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Odile

     "Esse é o meu lugar." pensou ela, no exato momento em que pôs um pé para a frente e levou um encontrão de alguém que passava com uma bandeja cheia de módicas porções de algum crustáceo adornado com molho. "Aqui nesse engasgo de encruzilhada".
     Desculpas foram murmuradas e a bandeja seguiu flutuando acima das cabeças, cheias de laquê ou gel de cabelo.
     O pensamento lhe ocorreu, não porque gostasse de crustáceos, ou mesmo do garçom: as palavras lhe vieram meio que como sugestão  do universo, metalinguagem do próprio recado que lhe estava dando.
     "Por mais que eu ande, dance, circule e eventualmente coma módicas porções de petiscos com molho, sempre acabo passando de novo neste ponto... Estagnada, o fluxo impedido." concluiu.
     A mente trabalhava a todo vapor, percebendo o ambiente, enquanto apenas uma parte tinha ciência do pensamento perturbador e tomava nota, como um lembrete deixado na porta da geladeira.
     Ela gostava do fluxo natural das cadências. A fechada de caminho quebrara seu ritmo, que ia embalado pelo ruído das centenas de vozes (eufóricas, talvez até histéricas) que eram emitidas e se batiam e rebatiam diversas vezes nas paredes do imenso recinto. Recuperou-se e retomou a linha principal de seus pensamentos, que envolviam praguejar contra o volume alto demais daquela reprodução estourada do que um dia alguém chamara de música.
     Envolviam também uma urgência não verbal de sentar-se para calar os pés, massacrados por sapatos de salto que ela nem ao menos queria estar usando. Apesar de todos os incômodos, seu saldo de sensações era inexplicavelmente positivo. Talvez fosse um certo contágio com a ideia de grandeza e importância que todos pareciam ter de si mesmos, como se acreditassem estar num baile da nobreza do século XVII. Essa fantasia também a penetrava, numa osmose catalizada por docinhos graciosos, módicas porções de crustáceos com molho e bebidas servidas em copos de cristal.
     Sim, bebidas! Elas ajudariam a neutralizar a dor e seu senso, por demais críticos.
     "Bem que eu sentia falta de alguma coisa...".
     Houve certo rebuliço e exclamações de prazer na parte do seu cérebro que se sentia um tanto quanto seca, como se vários publicitários trabalhassem num escritório lá dentro e houvesse um boato de aumento. Um pouco de embriaguez talvez tornasse seu peso mais leve sobre os saltos e embaçasse os ouvidos, passando também sobre os olhos um filtro dourado como as sandálias de quem usa estampa de oncinha.
     Saiu andando, agora de maneira mais  firme e decidida. Era sempre constrangedor andar sem rumo numa festa. Todos pareceiam ter coisas muito importantes ou divertidas para fazer.
     "Bom, agora também tenho." gracejou consigo mesma, satisfeita. Aliás, quase: a real satisfação viria quando tivesse cristal e líquido âmbar entre seus dedos. Poderia até ficar parada, blindada, bebendo em silêncio... Verdadeiro luxo! Nada autorizava mais alguém a ficar parado numa festa do que ter um copo nas mãos.
    Com o repuxo irônico dessa sabedoria entortando os lábios ela foi desviando dos vários paletós e vestidos que ocupavam os espaços, existências febris pulsando dentro deles. Ela quase não reparou em seus rostos. Os olhos corriam, metódicos, em busca de gravatas borboleta - símbolo extra oficial de servidão, que abraçava tal qual coleira o pescoço dos garçons. De forma automática, descia das gargantas para as bandejas, eliminando sistematicamente as que continham alimentos.
     Buscava algo mais interessante para sua própria garganta do que crustáceos, gravatas ou molho, e de preferência em não tão módicas quantias. Avistou afinal taças compridas, cheias de um líquido mais claro e borbulhante que o desejado e projetado por seus pensamentos.
     "Mas serve." pensou, uma sensação já agradável lhe tomando.
     - O senhor me vê uma taça, fazendo o favor? - pediu ela, tentando não deixar transparecer a sua avidez. O garçom olhou-a de cima a baixo e com a mão livre ajeitou a gravata borboleta, como quem coça uma chaga.
     - Sinto muito, mas a senhorita é obviamente menor de idade e não posso te dar bebida.
     A isto, a princípio, ela não soube como reagir. Aquilo nunca lhe acontecera na vida, nem mesmo quando era menor de idade. Forçando um sorriso simpático, ela perguntou:
     - E quantos anos o senhor acha que eu tenho, pelo amor de deus?
     Talvez captando uma parte da ironia mal contida da pergunta, o homem hesitou por um segundo antes de responder, ensaiando um sorriso triunfante:
     - Quinze. Uns quinze no máximo.
    Dessa vez ela não pôde se conter. Um riso lhe sacudiu de tal forma que ela mal reconheceu a própria voz. Enxugando os olhos, apanhou a taça que lhe foi estendida e limpou o riso com um suspiro e um gole. Algo no sarcasmo dos olhos, no cansaço da sua risada, convencera o garçom melhor do que um documento de identidade faria. Não se pode falsificar esse tipo de coisa na impressora de casa, afinal de contas.
     Afastou-se do garçom (e da sua bandeja) meio a contragosto. Gostava do peso da taça nas mãos, mas gostava mais do peso do líquido descendo pela garganta e se alojando no estômago. Seu cérebro contorceu-se de alegria, vibrando como se no escritório todos estivessem assistindo a um jogo de futebol no meio do expediente. Gol. Logo precisaria de refil. Controlou-se para não beber muito rápido e fazer render o momento em que podia parar de fingir estar interessada em qualquer coisa que as pessoas estivessem usando para se entreter. Ah, abençoados minutos!
     Não que ela não gostasse de festas... Estas eram, afinal de contas, um habitat natural de bêbados e ela gostava muitíssimo de pessoas embriagadas. O que mais a incomodava nesse tipo de evento era o quê de histeria na pulsação das pessoas, desesperadas para se divertir. O que festejavam, afinal, se precisavam catar migalhas de alegrias artificiais?
     "Por favor, não tente puxar conversa. Por favor, por favor, por favor..." pensou ela, ao notar a aproximação de um homem à sua esquerda. As palavras se repetindo na cabeça como uma prece, enquanto tentava evitar contato visual. O esforço mostrou-se inútil, como de costume. O homem, não percebendo seu desconforto (ou simplesmente ignorando-o por comodidade) tratou de colocar-se aso seu lado e olhou ao redor em busca de um assunto qualquer para lhe falar.
     "Se ao menos esses copos viessem com um sinal de 'ocupado', como quartos de hotel ou plaquinhas de rodízios..." resmungou consigo, enquanto fazia um contorcionismo para parecer desconhecer a tentativa dele de comunicar-se com ela. "Ao menos, pelo cheiro ele parece bêbado. Talvez seja até uma conversa entretível." pensou, tentando consolar-se.
     - Festão... - começou ele, aparentemente cansado de procurar um motivo mais digno para quebrar o silêncio.
     - É. - disse ela, virando-se para ele, enfim.
     Com o terno já aberto e a gravata frouxa, o homem devia ter seus 40 e poucos anos. O rosto levemente avermelhado e os olhos brilhantes confirmavam o que o cheiro sugerira: ele estava bêbado como um peru de natal. Sentindo sua simpatia crescer quase que automaticamente, ela acrescentou:
     - O buffet é de primeira.
     Quase arrependeu-se do complemento quando ele, sentindo uma abertura, assumiu-se autorizado a intimidades:
     - Você bebe muito pra sua idade. - disse, algo entre risonho e repreensivo.
     "Haja!" gritou ela por dentro, sem poder impedir os olhos de se revirarem nas órbitas. Segurou a língua ferina, sem paciência para confusão, e lançou uma resposta ambígua:
     - Fazer o quê? Champagne bom da porra.
     - Você também xinga bastante pra sua idade...
     - E você parece ter bastante ciência dos dados do meu nascimento. - ralhou ela, agora visivelmente irritada - Vamo lá, conte-me mais sobre as minhas primaveras!
     O homem engoliu em seco (talvez não tão seco assim) e balançou de leve para trás como se a raiva tivesse lhe atingido e desequilibrado tal qual corrente de ar. Depois de piscar algumas vezes em silêncio, soltou um arroto de boca fechada e tentou outro caminho:
     - Não provei... Prefiro Whisky. - retomou o tom de voz já mudado.
     Ela respirou fundo e, olhando para a própria taça, já quase vazia, matutou se saía e o deixava falando sozinho ou se dava chance para a conversa. Acabou optando pela segunda opção, afinal Whisky era bom demais.
     - Eu também, mas não achei e minha garganta estava bem seca...
     - Posso te mostrar onde tem. - ofereceu ele, abrindo um sorriso vesgo. - Peguei tantos que o garçom já sabe até meu endereço.
     - Parece ótimo. - riu ela, virando a taça de champagne e colocando numa mesinha com outros copos e pratos vazios.
     - O nome dele é William e você não acredita em como eles pagam mal... - continuou ele, enquanto abriam caminho pela festa, conversando.
     "Arranjei quem me aguente por hoje" pensou ela, satisfeita consigo mesma e com a noite. Módicas porções de interação social não lhe fariam mal, no fim das contas. Principalmente se acompanhadas de não tão módicas quantias do líquido âmbar que era tão aguardado pelos escritórios secos da sua mente.
   

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Questões Vizinhas

Três bêbados e uma equilibrista
Discutindo esperança com certa ressaca
Sentados em cima do muro da vida
Assistindo a vizinha, sozinha, passar

Ai, que a vida é uma grande vaca
Que muito se ordenha por pouco leite
No sétimo dia descanse e deite

Ai, que o mundo é velho e sem porteira
Nem eira, nem beir
E quem desce a ladeira aposta no azar

Três bêbados e uma equilibrista
Discutindo a ressaca com pouca esperança
Sentados em cima do muro vizinho
Assistindo, sozinhos, a vida passar

domingo, 12 de julho de 2015

Só mesmo pelo literário - 19/06/15

Porra, moleque! Que decepção.
Achei que talvez você fosse, iria. É o fardo do ser sonhadora demais... Fadada às frustrações intrínsecas ao processo.
Será que talvez você um dia se atira no escuro tão fundo quanto eu? É que existem muitos tons de preto, de negro, de escuro.  Achei que talvez você chegasse a um deles, mas seu corpo leve e jovial apenas arranhou a vítrea superfície do bizarro, que é tudo o que faz sentido. 
Porra moleque, achei que você tinha sentido. 
Sua voz falha em falsete no não. Achei que era biológico, mas talvez seja de vivência. Seu silêncio pleno, achei que era reflexão. Talvez os dois, talvez só dormir. Talvez seja falta do que dizer, do que pensar. 
Porra, moleque, imaginei um leve ressoar... 
Da sua voz falando uma qualquer coisa, da sua boca estalando; você nunca me beija, não adianta fingir. E  quando tentou, ai, eu bem percebi. Forçado, vagaba, bem "disgraçado".
Só queria mesmo que eu fosse embora. Pra onde? Bem, qualquer lugar que lhe fosse distante e imaginariamente confortável. Pra que se sentisse melhor, digníssimo, triste. Agoniado.
Porra moleque, você já não sabe? 
A bad é eterna, concreta, está aí, moça. Eu tô e o caio acompanha meu fardo. Ah, pequeno parvo, moleque, menino. Já não sabe a magnitude do desatino? Chega ao ponto em que pensar só faz borbulhar e fumaçar as viscosidades da cabeça confusa, triturada.
Porra, crianca, moço..............
Curumim. Desisto de me fazer entender, ao menos assim. Fico sempre na beira do entendimento e da boa vontade e ao mesmo tempo em que estou tão cansada do "insisto"...
Tu vens, tu vens.... E é uma sombra projetada na esquina. Embora seja já certo, não desisto. Preciso de mais horas no dia. Às vezes minuto algum. Queria estar num outro mundo, planeta - como Júpiter ou Saturno - mas já estou nos seus sinais.

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Odette

    ... olhava a rua através da redinha da janela da sala. O parapeito ficava bem na aultura da sua cabeça, mas ela usava-o para se pendurar com os braços, escalando a parede com os pés. A mãe geralmente brigava quando ela fazia isso. "Suja a parede", ela dizia, mas Odette tinha acabado de tomar banho e seus pés lhe pareciam bem limpos. De qualquer forma, não havia ninguém ali para brigar com ela, o que a deixava bem à vontade para pisotear a parede o quanto quisesse.
     A menina gostava de tirar os pés do chão, como os pássaros. A mãe dizia que seu nome era Odette por causa de um pássaro. Ela não entendia muito bem o porquê, afinal, era um pássaro muito estranho: ele nadava, tinha o pescoço comprido e belas asas brancas, mas era também uma menina que dançava com uns sapatos esquisitos. Odette não sabia como ele colocava as patinhas no sapato, mas sabia, sim, que seus pezinhos preferiam ficar livres e bem leves, com os dedos soltinhos.
     Escurecia do lado de fora. Pela janela dava pra ver as manchas coloridas do pôr-do-sol e nuvens fofinhas que iam se espalhando e se dissipando, como os pensamentos da própria Odette, quando estava com sono. A menina parou um pouco de se dependurar e começou a observar o céu. "Ser uma nuvem deve ser bom", pensou. "Elas são branquinhas como pássaros, e voam também". Decidiu então que conversaria com a mãe e pediria pra se chamar Nuvem ao invés de Odette. Era mais bonito e, no final das contas, dava no mesmo.
     Satisfeita com sua decisão, ela afastou-se da janela e começou a treinar movimentos de nuvem, enchendo as bochechas com ar e mexendo os braços bem devagar. Experimentou tirar um dos pés do chão, mas desequilibrou-se e caiu. Levantou-se e voltou a tentar. Pegou bastante ar dessa vez, abriu bem os braços e todos os dedos e levantou o pé esquerdo.
     Sentiu lágrimas vindo aos olhos quando seu corpo bateu no chão, flácido. O choro e a raiva vinham menos pela dor da queda e mais pela frustração do fracasso; a humilhação do som dos ossos batendo contra a madeira, que anunciava sua derrota para toda e qualquer formiga que passasse por ali. Odette levantou-se, desajeitada, o rosto queimando de vergonha. Soluçou por alguns instantes, no trâmite da decisão quase inconsciente entre enroscar-se no colo de alguém ou manter a dignidade. A falta de controle sobre as próprias glândulas, no entanto, decidiu por ela e a menina correu rapidamente até a cozinha, abrindo o berreiro.
     Zuzu estava de costas, lavando pratos, quando Odete entrou pela copa, já tomada pelo choro. A mulher se virou, enxugando as mãos. "Que foi, meu anjinho? Ô... O que aconteceu?" perguntou, se abaixando e tomando a menina no colo, com ternura. "Pronto, venha cá, venha! Precisa isso não, calma! Conte pra Zuzu o que aconteceu".
     Odette se aninhou nos braços da mulher e afundou a cara molhada no seu ombro forte. Queria explicar o que sentia, o treinamento pra ser nuvem, a vontade de voar, mas a choradeira ainda deixava sua boquinha trêmula demais pra emitir consoantes e todas as suas vogais saíam cheias de vibratto e e lágrimas. Sentiu que Zuzu levantava e caminhava e o movimento, externo e independente do seu corpo, a acalmou.
     "Respire fundo comigo, vá!" Pediu Zuzu, carinhosamente, e começou a inflar o peito e fazer barulho com o ar que entrava e saía de sua boca. A menina começou a fazer o mesmo, inconscientemente guiada pelo som da respiração de sua protetora. A calma foi tomando conta dela e, entre um soluço e outro, foi se sentindo cada vez mais preenchida pelo vapor da uma nuvem serena.
     "Pronto, me diga o que aconteceu, meu passarinho." a voz retumbava pela caixa toráxica de Zuzu e a menina a escutava abafada e aconchegante. Entre soluços ocasionais, conseguiu reunir ar suficiente pra dizer um tímido "Eu caí" que lhe pareceu um tanto quanto patético. Sentiu-se um pouco envergonhada de chorar por uma coisa tão boba. Pararam no corredor. Com ar de reprovação preocupada, a muher começou a procurar em seu corpo por machucados. "Ô, minha filha, pra que isso? Já não lhe disse pra não ficar se dependurando daquela janela? Aí, ó, porque sua mãe briga..."
     A menina impacientou-se. Queria negar, explicar que não tinha se machucado por causa de janela nenhuma, que estava era treinando para ser uma nuvem e que voar era muito difícil. Porém, entrecortada pelos soluços e pela indignação, sua fala saiu mais como: "Não, Zu... É mui difíciu... Eu quiria... Nuvem... Não consigo... Vuá... Muinto difíciu..."
     Seu corpo tremia um pouco com o esforço e ele sentia alguma coisa escorrendo pelo nariz, dando uma coceira chata. Zuzu olhou-a com um ar derrotado, aquele de quem não consegue se aborrecer com pequenices e traquinagens. Limpou com um pano a mistura de fluidos so rosto da menina e a colocou no chão. Ofereceu-lhe a mão, que Odette apertou, e foram andando de volta para a cozinha.
     "Venha, que eu vou te dar um brigadeiro... Mas, ó: não fale nada pra sua mãe, viu? Segredo nosso. Esses brigadeiros aqui são da sobremesa de amanhã."
      O coração de Odette começou a bater mais forte e por um momento a menina esqueceu de todo o aborrecimento, das nuvens, dos pássaros e dos sapatos. Ela realmente adorava brigadeiro.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Mauerbauertraurigkeit

O gosto do café não tomado voltou à minha boca hoje, um tanto quanto amargado pelas lágrimas de uma corujinha que descobri estimar muito. Consolei sua dor com as palavras mais verdadeiras possíveis e ela descansou sua cabeça nos meus ombros, pesados pela culpa de já ter desejado que esse dia um dia chegasse.
"Ainda bem que vou embora" é um pensamento que muito me ocorre ultimamente e por ele eu nutro uma adoração, dependência mesmo. É como se eu percebesse que meu barco está furado justamente ao avistar a costa de um continente estranho. Exceto, talvez, que é meu porto que afunda e é a um barco - pequeno, instável - que me jogarei quando a madeira podre dos decks ceder sob maus pés. Rumo ao desconhecido.
     O desejo de ver-me cercada de mar é também contade de ver desaparecer toda vivalma. Um querer de silêncio, um querer de que ninguém me pergunte nada ou me peça para decidir qualquer coisa. Sei que não vai ter café pra mim tão cedo, amargo ou doce. Sei que o cheiro de pipoca já foi-se todo janela afora. Sei que estou só e sei que quero, apesar da saudade que vai apertar, estar só e apartada das vozes e rostos que conheço.
     Quero ter a oportunidade de ser lida por olhos mais imparciais, ter o privilégio e o desafio de ser barco sem lenço, sem vela e sem documento: só um nome pintado no casco e vontade de navegar.
     Apesar das unhas bem aparadas, minhas garras têm saltado pra fora e arranhado o que me é mais caro. Preciso parar. Preciso ir-me embora antes que abram-se fendas grandes demais, sulcos que afeição nenhuma preenche. Preciso ir embora antes que toque mesmo fogo nesse apartamento, no meu cabelo, no tanque de gasolina do carro:
     Preciso dar o fora e preciso que ninguém venha comigo. Talvez nem eu.
   

James - 18/04/15

     Será que é você quem vai arrancar novamente um calafrio de ansiedade? Em meio a tantas cores pastéis, tons de salmon e texturas vazias vou sentir de novo o granulado laranja que fará disparar o pulso e e obrigar a levantar vôo as borboletas cor de cobre que moram no meu estômago? Elas andam pousadas, morgadas, até, tão entediadas quanto eu ao olhar em volta.
     Não faço nem questão da insanidade que por vezes vem de brinde. Dispenso, no momento, a energia suicida, desvairada, que me carrega e até morro afogada qualquer dia desses. Nah, não faz falta, não agora. Reconheço a importância, talvez até certa função fisiológica, mas não aqui, não agora, não comigo. Tô de boa.
     Já uma tirinha um pouco maior que essas de três quadrinhos, não dispenso. Mas e você? Tá pra mais... Tá pra menos...? Será que sua xícara tem o exato tamanho pra minha quantidade de açúcar? Quem sabe a gente está no mesmo Violinista Verde, com todos os ingredientes e as medidas exatas para uma larica inesquecível, uma larica compartilhada...
     Só por diversão mais intensa; um riso um pouco mais sincero diante de uma piada um pouco menos sem graça. Nada de alianças de ouro. Afinal, pra que tantos anéis se só temos dez dedos e um punhado de anos nas mãos? Para bom mergulhador é possível explorar diversas profundidades sem precisar de ship nem relationship.
     Faça-me o favor singelo de ler minhas palavras como quem lê a carta de um naufrago entediado e cheio de vontade de explorar os mares. Decifre meus olhares (futuros) como quem olha pela lente de uma câmera tentando ver a foto. Por fim, por obséquio e por mim, leia meu corpo como um cego lê Braile... Mas com mais vontade.