domingo, 8 de janeiro de 2012

O Jogo da Cortina

      Tabitha entrou no banheiro e fechou a porta atrás de sí, a velha sensação de desespero brotando no âmago como uma semente. Caminhou lentamente até o banquinho e desabotoou a camisa, controlada. Desenlaçou os cordões e logo a saia caiu-lhe aos pés, seguida pelas roupas de baixo. Aquela era a única coisa que ela gostava em tomar banho: ver-se livre das roupas.
      A água já borbulhava à sua espera e ela entrou na banheira, cobrindo o corpo nú com a espuma. Deixou-se escorregar até que toda a cabeça ficou também debaixo d'água. Gostava de ver a ponta dos curtos cabelos acobreados nadando ao seu redor. Não durou muito e o desespero voltou a acometê-la. Imergiu quase que sem ar e procurou cegamente a cortina, abrindo-a e depois também a janela.
      O ar frio de fim de primavera entrou, fazendo-a estremecer, mas Tabitha não se importou; precisava de um escape antes que a claustrofobia lhe tomasse a racionalidade. Suspirou e encostou-se na banheira de novo, a respiração voltando a acalmar-se. Ensaboou o corpo, esfregando com força, como se quisesse desnudar-se também da pele. Colocou o shampoo nas palmas avermelhadas pela água e fez o mesmo com o cablo.
      Já enxaguava o creme capilar quando percebeu pela primeira vez um movimento no canteiro lá fora, através da janela. Era o menino jardineiro que devia estar aparando as moitas do jardim do fundo. Tabitha instintivamente afundou na banheira, não imaginara que haveria alguém ali quando abriu a janela. Na verdade, ela provavelmente nem se importaria durante um ataque de claustrofobia como aquele.
      "Bem," pensou ela "agora já está feito." Seria muita ingenuidade para uma garota de 17 anos pensar que o rapaz nada tinha percebido. Olhou, contudo, com cuidado, espiando através da cortina os movimentos do jardineiro. As mangas da camisa estavam dobradas, deixando à mostra braços jovens e meio queimados de sol. O cabelo preto grudava no rosto pelo suor e os olhos miravam a tesoura, escapulindo em olhadelas vacilantes na direção da janela.
      Uma idéia surgiu no canto da mente de Tabitha e o canto dos lábios repuxou-se num meio-sorriso. Enxugou os cabelos com uma toalha e levantou-se, virando. Fez de maneira habilidosa, tal que, pela janela, só se visse um relance dos seios. O barulho da tesoura parou. "Funcionou." pensou ela, sentindo a brisa que fluía pra dentro do banheiro acariciar de leve as costas e nádegas. Apanhou a toalha e enrolou-se lentamente, controlando-se para não espiar o jardim.
      Saiu da banheira, tentando parecer naturalmente sexy. Penteou os cabelos rapidamente na frente do espelho e voltou-se novamente para a janela. Inclinou-se para alcançar as pontas das cortinas e, no instante antes de fecha-las, permitiu que seus olhos encontrassem os do jardineiro. Por sorte, conseguiu cerrar as cortinas antes de dobrar sobre si mesma, abafando um risinho com as mãos. Nunca vira um rapaz tão desconcertado; os olhos arregalados combinavam com a boca meio aberta, abobalhada. O corpo estava totalmente rígido enquanto um suspensório solto pendia no ombro e a tesoura de jardinagem jazia na mão direita, totalmente esquecida.
      Com o recinto novamente fechado, Tabitha voltou a sentir as entranhas se remexerem. Deixou de lado momentaneamente sua brincadeira e foi para o quarto em largos passos. No corredor encontrou a mãe, que lhe lançouum olhar desaprovador. "Tab, querida, quantas vezes já não lhe disse para usar um roupão quando sair do banho? Você já não é mais criança, meu bem!" reclamou ela, colocando a mão na cintura, como sempre fazia quando dava lições de moral.
      "Anotado, mãe." Respondeu Tabitha, sem diminuir a velocidade com que se deslocava. Pensou consigo mesma o que a mãe diria do que acabara de fazer no banheiro. Rio por dentro. Ao chegar no quarto fechou a porta, sem trancar, e colocou-se atrás do trocador para evitar fechar as persianas que cobriam as amplas janelas do lugar.
      Por sorte os convidados no chá de hoje seriam só seus avós e ela escolheu um vestido claro e leve, agradecida por poder dispensar o espartilho sufocante. Colocou no rosto apenas pó de arroz e o costumeiro carmim dos lábios. A mãe o desaprovava, mas Tabitha fazia questão de passar, pois os lábios eram o único adorno que ela recebera no rosto sem-graça. Calçou os sapatos e desceu a escada, tomando o caminho da sala de chá. O menino-jardineiro voltando sorrateiramente a passar pela sua mente.

Um comentário:

  1. É por textos como esse que eu volto a me lembrar de como é boa a simplicidade, de como tudo pode ser tão mais leve, de como tudo à nossa volta pode ser claustrofóbico e, ainda assim, fazermos um jogo de cortinas pra nos deixar aparecer, nem que seja por um só instante, nós. Obrigado. Mesmo.

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