quinta-feira, 28 de abril de 2016

02/04/2016

Hoje acordei de um sonho doce. A quase não existência me parecia tão suave que a tomada de consciência da realidade caiu áspera, impiedosa, rascando o veludo celeste e onírico onde os olhos descansam.
Passei o dia com o sentimento do arrependimento prévio e do vazio póstumo. Era sexta-feira! Onde estava Exú para me esquentar a carne e fazer a gira girar? Me arrisquei, sabe? Botei a cara na chuva, no vento... Meu melhor batom cor de vinho cobria os lábios.
Mas não tem jeito. Quando você sabe que não é seu dia... E você sabe! Não importa a vontade, não importa o batom. Quando você sabe, sabe, e não tem badalada da meia noite que transforme a abóbora em carruagem.
Pusiste o Yves Saint Laurent, rico olor a flor, e para que? Para adocicar o cheiro podrido das suas veias? Mas a casa cheirava mal, mulher! E ele também... Não tinha o que fazer... Aguentaste o quanto tanto que podias. Mas não é que da um dóóóóó.
Pelo dia, pelas pessoas que chegam justo quando você está saindo, pelo perfume, pelo batom... Pela paja de ir e voltar! Mas enfim. Se hoje é sexta, então amanhã é sábado e a semana é uma criança. Que a noite de hoje abra os caminhos da alegria e da festa para amanhã.

13/01/2016

Olhe-se no espelho como se ele fosse uma janela e aquela pessoa na sua frente fosse uma bela mulher desconhecida te encarando. Ela sorri pra você. Os músculos contraindo-se em bela descontração. Você também sorri. Talvez ela tenha espinhas, olheiras ou um nariz comprido, mas você não percebe. Seu juízo não exerce a crueldade obstinada de marcar com caneta vermelha cada ponto onde deve entrar o photoshop.
A mulher, altiva, te olha nos olhos e te submerge na harmonia própria dos seus traços, únicos, desconsertantes. Não te olha com pena, mas com uma admiração observadora, plácida.
Ela pode te amar se você der espaço, se não criticar as marcas que o tempo lhe deu ou as linhas que o DNA desenhou na sua face, no seu corpo.

Mantra. Repetir até acreditar.

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Prece a Sonho

Quando já não sei o que fazer comigo mesma eu procuro tudo o que não está em mim. Aqui adentro se abre um vazio alucinante e preciso encher, encher, devorar! Devoro comida, imagens, conhecimento, conhecimento... Os olhos latejam e o vazio continua pulsando. Como dói!
O vazio e a solidão irremediável da auto-consciência em meio a toda não-significância da realidade. Quisera dormir. Me reviro na cama. Me toco. Uma, duas, três, quatro, cinco vezes, seis! Já tudo pulsa de insensibilidade por excesso de sentir, de roçar.
Fecho os olhos, conto. Deusa, por que não posso dormir? É minha última opção! Me permita dormir e apagar todas as coisas ásperas do mundo desperto. Piedade! Me deixem dormir. Se não sei o que busco... O que quero... É tudo o que peço. Apaga meu cérebro, descansa meus olhos inchados.
Me deixa dormir. Desculpar as faltas, as falhas, os bolos, tortas, vacilos, comédias, desculpar as desculpas esfarrapadas com o incontestável "Caí. De sono." - "Me quedei. Dormida." - O sono como um trator, aplastando os calombos.
Me deixa dormir.

sexta-feira, 22 de abril de 2016

"Para que você continue permitindo que sua alma transborde"

Aqui começa mais um caderno.
Com direito a introdução, com direito a ilustração, com direito a dedicatória e  cheiro de caderno novo.
Começo mais um caderno na esperança de me sentir cada vez menos vazia à medida que encho de palavras azuis as páginas brancas. Esperança esta que acompanha a vontade de comer o mundo e vomitar sentimentos através dessas tantas invenções humanas que me permitem isso. Canetas, tinta, papel, linguagem... Tecnologias que não terminam de servir ao "homem", mas que jamais poderão libertar-(los, nos?) da condição redundantemente humana, mundana, mortal, angustiada.
Escrevo para permitir que minha alma transborde para fora desse corpo em lenta decomposição, que jamais poderá conter toda a essência desses 21 gramas. Fragmentos de peso estes que balanceiam a carga de Atlas e sangram em arte para impedir que a vida nos esmague.
Que este novo caderno seja um brinde à arte, às grandes emoções, aos momentos brutais, inesquecíveis ou simplesmente comuns. Que seja um brinde às eternas lembranças e aos novos começos.

Dedicado a Clara, pelas páginas.
Dedicado a Clarice, pelas palavras.

sábado, 2 de abril de 2016

29/02/2016

     Gosto de voltar pra casa de noite dirigindo pela costa. Gosto de me sentir solitária, infinita, vazia, de perceber a imensidão do mar engolindo a cidade adormecida, lúgebre.
     Passo pelos vultos das prostitutas, que como se fossem bestas, saem à noite para caçar. São figuras simultaneamente voluptuosas e discretas. Afora elas, a noite é dos homens - que infestam as ruas com a ausência do gênero oposto - e das pistas de piche, negras, molhadas, absorventes. Os olhos parece que se engancham nas listras amarelas, uma após a outra, em velocidade disforme.
     O carro devora o vento, come o asfalto, desliza pelo tempo. Gosto de dirigir pelas ruas desertas da noite dessa cidade enlouquecida, mareada, caduca, decrépita como a humanidade, controversa como a figura das prostitutas.