terça-feira, 8 de outubro de 2013

Part of The Game

Gotta stop judging
Gotta stop being a poisonous snake
Gotta  stop hurting, stop making you ache

Gotta stop hating
Gotta stop spreading gossip around
When silence is better, don't make any sound

Gotta stop smoking
Gotta stop being a part of 'The Game'
Gotta stop acting like I was the same

Gotta stop judging
Stop drinking too much
Gotta stop being a bitch and a cow
Gotta stay cool, gotta stay calm


Gotta stop judging
Gotta stop talking
Gotta stop

And just breathe



quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Terraço 3

       Dentre os quase infinitos hotéis de quinta com nomes bizarros, o Terraço tinha motivos para ser assim chamado. No último andar jazia, semi-destruída, uma escada de ferro grudada na parede. Por ela, subia-se ao teto, passando por uma espécie de alçapão que nunca estava realmente fechado. Era de uma laje batida sem nenhum requinte que o Terraço tirava seu nome e boa parte de sua clientela.
       Embora o lugar em si tivesse o mesmo toque azulejado de espelunca que cobria todo o edifício, não havia em toda a cidade um prédio de luxo com vista mais sensacional. A vizinhança de construções pobres e baixas garantia um 360º de horizontes irregulares. Aos olhos de Nícola, o brilho suave do sol que surgia escorria pelo asfalto das ruas até a praia, como rios desembocando no mar.
       O ar fresco da manhã nascente vinha carregado de um salitre que lhe descia pelo peito, fazendo o caminho inverso ao da bola de emoções confusas que guardava havia tanto tempo. Era salgado também o gosto que sentia na boca, vindo dos olhos em caminhos que ainda ardiam em seu rosto.
       Do seu panoptikum ele também enxergava a porta de entrada do hotel e as pessoas que entravam e saíam. Pôde então ver, num corte transversal, o vórtice de toda a sua tempestade pessoal. Uma cabeça e dois ombros morenos que se moviam apressados pela rua. Não era comum que a luz do dia iluminasse o seu disfarce, mas às vezes a manhãzinha chegava antes que seus assuntos estivessem terminados.
       Nicola esperou até que Rafael fosse apenas um ponto entre os edifícios de cidade, desparecendo no labirinto de ruelas em um passo bamboleante. Quando seus olhos já não mais o podiam avistar, pousaram no mar à sua frente e no brilho que os tímidos raios solares causavam na espuma da maré vazante. Desejou que as ondas levassem consigo os seus sentimentos para o fundo das águas, para o esquecimento.
       O corpo pesado; nada se movia com exceção dos pulmões, do coração e de um ocasional piscar de olhos. Esperava algo, qualquer coisa. Talvez a providência divina, que o ascendesse ao céu, livrando-lhe da carne suja; talvez as próprias pernas desiludidas, que saltassem e o livrassem do espírito perturbado. Um segundo, dois. Três minutos, quatro. Cinco anos? Ele não saberia dizer: não escutava bem o próprio pulso e perdera a conta da respiração. Esperava um milagre, um champignon gigante de uma bomba que lhe explodisse a cabeça com um ânimo avassalador. O sangue jorraria e evaporaria com o calor, enquanto seus pensamentos seriam espalhados pelo chão.
       Nicola imaginou ver luzes ao longe - um disco voador - mas só por instantes. Piscou e livrou-se dos reflexos na água do mar, que se prendiam em seu cílios como purpurina. O peso de um cruel livre arbítrio lhe afundava os ombros enquanto a solidão finalmente era apercebida pelo timo do rapaz. Ele nunca testara o universo, nunca esperara nada do destino e então, pela primeira vez gritando no túnel, não recebera maior resposta que o eco da própria voz.
       Era viado. Era viado e sozinho. Era viado, sozinho e não tinha salvação nem coragem para pular. Essas certezas se enfiavam nele no compasso em que as compreendia. Faziam o caminho inverso do sistema digestório, entrando pelo cú e saindo pela boca em gritos desesperados. Era tão feliz.



... feliz



... feliz



... feliz



... hahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahhaahhahaha!



       O sol já estava a pino quando viram passar o cadáver andante de um homem em direção à praia. Ninguém tentou se encostar nele ou lhe dirigir palavras, ninguém demorava os olhos sobre ele. A sua pele mais parecia a persiana aberta de uma janela. Porém, ao invés de luz, era sangue pastoso e escuro que trespassava as fitas de derme.
       Um filete único descia pela sarjeta da rua como um barbante rubro. Quem conseguisse segurar sua ponta e seguir seu caminho pelo labirinto urbano chegaria na calçada da orla, meio desabada desde a última enchente. Daquele ponto em diante não havia mais rastros ou qualquer evidência de Nícola. O mar, ao engolir seu corpo, limpara todas as pegadas e vestígios da praia, como quem lambe os dedos após uma boa refeição, sem pressa.
       Mas o tempo não para. O sol logo logo descia em marcha pelo céu e as ondas, satisfeitas, dançavam ao som de ossos sacolejantes que logo seriam areia, como tantos outros antes deles.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Les Mangeurs De Nuages

     Os dias me vão descendo pela garganta como granola. Os duros grãozinhos são os desejos reprimidos que empurro para dentro. Mas não é possível digerí-los por completo. Eles tampouco se deixam voar para fora da minha boca como borboletas saídas de um casulo; apenas escorrem pelo ralo, meio disformes da trituragem incompleta.
     Pé ante pé, meus passos ecoam pela sala vazia como tambores arautos dos pesadelos. E mesmo que eu pise leve como um gato ainda posso escutá-los retumbando no azulejo frio. Volto a sentir medo do escuro, do gás do fogão, da luz vermelha do corredor e dos meus próprios passos, escondidos nos calcanhares.
     O "Julho" no calendário é como um atestado de total incompetência diante da enorme quantidade de "x"s e do pouco que fiz de útil e concreto. Mas esse  certificado oficial de displicência parecerá belo aos meus olhos quando a próxima folha for virada, trazendo a legalidade para os meus ombros e me condenando à prisão perpétua, à fronteira final da realidade e às eternas rugas de preocupação.
     Sinto-me travada, como uma máquina de escrever enguiçada. As letrinhas vão se entalando em mim e entupindo-me como a gordura às veias cardíacas de alguns. O sangue já não passa e eu quase já não tenho pulso. As pecinhas vão se amontoando como uma fila de hospital e a cada dia que passa tenho mais letras para curar e menos ideia de como fazê-lo.
     Penso nas curvas que delineiam certas lembranças e nos olhos que ficaram gravados nos meus, engessados como um braço quebrado. Penso em tudo o que tenho e que me é mais precioso que qualquer diamante de Serra Leoa e mais raro que chuva de granizo numa praia de verão. Penso nas tesouras de costura, que cortam gesso, roupas e todo, todo tipo de tecido, mas não costuram nem fiapos, retalhos ou mesmo frangalhos.
     Queria que as coisas caíssem da realidade diretamente nas caixinhas que criei dentro do meu cérebro. Queria organizar minha cabeça como se fosse um daqueles brinquedos de bebê, com cores e formas que encaixam e te deixam com aquela sensacão de depois de estalar um dedo. Emocões fraternas nas caixinhas verdes, amores das cor-de-rosa, paixões nas vermelhas, melancolia nas azuis e solidão nas marrons. Mas e a minhas caixa preta? Quem vai abrir?
     Se sonho com Pandora, já traio a mim mesma no ponto em que as caixinhas rasgam e espalham tudo numa grande e colorida piscina de bolinhas. E se Pandora tem os olhos âmbar, já sei que os lobos estão por perto, esperando o meu fechar de olhos. E assim, não tenho medo do escuro, mas do que posso acabar vendo em maio à escuridão.
     Engulo em seco e a granola estala como lenha na fogueira. Vai abrindo seu caminho aos tapas pela minha faringe, enquanto a fumaça envereda pela traquéia e lhe acena boa viagem. Dá adeus aos bons costumes, à limpeza de alma e à tranquilidade pulmonar. Dá adeus aos dias em que as decisões eram reversíveis.
     Incrível como já não é possível nem mesmo penetrar de fato num universo que antes me era almejado, talvez divino. Tais coisas e pessoas hoje se encontram ao alcance da minha mão, ao toque dos meus dedos. No entanto, quando sacudo o braço elas se desvanecem em fumaça, como que irreais. Tornam-se transparentes, escassas, superficiais e, por fim, invisíveis aos meus olhos. Suas vozes vão ficando desimportantes aos meus ouvidos e emudecem por completo diante de uma música do Guided By Voices.
     É nesse ponto que os mares tomam meus arredores. "I am a scientist, I seek to understand me..." - A ilha se forma, a neblina desce, os rostos e línguas empalidecem - "... I am an incurable and nothing alse behaves like me".

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Terraço 2

     Nicola fechou a porta atrás de si, tentando não fazer ruídos. O corpo ainda respondia como o esperado no que dizia respeito à ressaca e a tudo o mais. A luz do corredor, ainda que patética e fraca, ofuscou seus olhos e ele ficou parado por alguns instantes, sem saber pra que lado ir. Não havia exatamente planejado o que fazer a seguir.
     Passara um tempo sentado na cama, fantasiando as melhores e piores opções de como abordar a criatura deitada ao seu lado. Pensou em murros e pensou em beijos, mas todas as opções faziam-no sentir nojo de si de algum jeito. A única alternativa que Nicola reuniu forças para realizar incluía vestir-se sorrateiramente e deixar uma grana em cima do travesseiro, sem acordar ninguém.
     Checou os bolsos. Ainda tinha algum dinheiro pra comer, o que dispensava a sua volta imediata para casa. Sentir o cheiro da madrugada que ainda pairava no ar relaxou-o, de certa forma: se tinha uma coisa que Nicola não queria era ir pra casa. Cruzou a rua e andou um pouco até chegar a uma loja de conveniência num posto de gasolina 24h. Comprou uns pães, um pote de manteiga e suco de laranja. O fato de vir tudo dentro de um saco de papel melhorou consideravelmente o seu humor, por fazer com que ele se sentisse mais dentro de um filme e menos na própria vida.
     Era esquisito isso tudo, principalmente a palavra que agora ele tinha de absorver. Não fazia sentido: ele não se sentia nem um pouco alegre com a situacão toda. Nicola sentou-se num banquinho debaixo de uma das árvores no canteiro central em frente ao posto. Começou a comer, rasgando pedaços de pão e mergulhando-os na manteiga.
     As pessoas começavam a caminhar pelas ruas e ele tentou observar seus rostos à procura de vestígios da sua vida pessoal. Identificou as caixas de supermercado, pela quantidade exagerada de maquiagem que usavam, e os estudantes, pelas mochilas desnecessariamente pesadas que carregavam. Assustou-se com a quantidade de coisas que podia supor pela aparência dos outros e se fez a desagradável pergunta: quanto deixaria ele transparecer na própria face? 
     Se alguém de fato estivesse olhando para ele naquele momento o teria visto enrubescer com o pensamento de outra pessoa tomando conhecimento de suas privacidades. Não poda acontecer, seria insuportável. O último pedaço de pão amanteigado desceu rasgando e ele tentou empurra-lo garganta abaixo com o resto de suco da caixa. Levantou-se para jogar o saco de papel no lixo, mas sua mão deteve-se com uma ideia meio esdrúxula. Desamarrou o saco e fez dois furos com os dedos. Quando teve certeza de que não passava ninguém perto vestiu o saco na cabeça, ajeitando os olhos nos buracos para enxergar.
     Foi um vidro fumê sendo colocado nas janelas da sua alma. Ele se sentiu protegido e despreocupado como o croissant no café da manhã da Audrey Hepburn. Podia voar. Sentiu que podia at mesmo levar ao fim todos os pensamentos cortados friamente pela navalha do errado e atirados no caos do mal resolvido. 
     Lembrou de todas as coisas que se esforçara para esquecer e depois fingira esforçar-se para lembrar. Pensou no significado de todas as palavras que seus sonhos acordados puseram nos lábios de um travesti; pensamentos que jamais seriam sequer compreendidos por tal pessoa. Nicola encontrava a si mesmo perdidamente apaixonado por um corpo acompanhado de ideias e palavras alheios; um filme editado com o audio errado.
     Ah! Mas quão facilmente apaixonavam-se os homens por uma ideia! Será que eram mentiroso tão bons ao ponto de acreditarem eles mesmos que a pele que tocavam tinha o calor de uma mulher? Pior: acreditariam realmente procurar outra coisa que não os rapazes escondidos debaixo das saias indecentes?
     Espantou Nicola a naturalidade com que tais pensamentos lhe fluiam pela mente. A dor de cabeça que geralmente lhe trariam parecia ter ficado do lado de fora do saco, deixando-o desesperado e sozinho com sua ressaca. Ele poderia aportar que croissant nenhum jamais tocara os lábios da Audrey Hepburn com tal recheio indigesto.
     Guardou o saco no bolso e deu meia volta volver. Queria ficar mais próximo do sol e mais leve que o céu.

domingo, 7 de abril de 2013

Confundindo as Coisas

Cometi algumas loucuras
Entre as coisas que fiz de errado
Aprendi da maneira mais dura
Que não dá pra mudar o passado

Deus não me deixa muita escolha
Faço de conta acreditar
Já que pra ser uma boa pessoa
Tenho que ter no que me agarrar

Mas antes queria esclarescer
Eu não estou confundindo as coisas
E até acho a música boa
Por mais incrível que possa parecer
Isso não foi nenhum elogio meu
À sua nobre pessoa

Pressa Já foi meu nome do meio
Sem querer me contaminar
Por um rato de bueiro 
Que as vezes vejo passar

Olhos treinados passam direto
Sem te dar motivo pra crer
Que esses olhos meus, tão discretos já chegaram um dia a te ver


Mas antes queria esclarescer
Eu não estou confundindo as coisas
E até acho a música boa
Por mais incrível que possa parecer
Isso não foi nenhum elogio meu
À sua nobre pessoa

A minha mente sempre foi meio torta
Abre a luz e acende a porta
E aquela lembrança está morta
Fecha a luz e apaga a porta

A sua língua ainda um dia te corta
Abre a luz e acende a porta
E se um não quer nada mais me importa
Fecha a luz e apaga a porta


sábado, 16 de fevereiro de 2013

Velocidade do Sonho

     Veja, você sofre um acidente de carro. Coisa feia, sabe? O carro sai fora da estrada, capota e todos morrem imediatamente. Você sobrevive o suficiente para que alguém te encontre e ponha sua cabeça no colo. Ele está suado e a sua visão vai ficando turva, mas ainda dá pra ver algumas nuvens pavoneando pelo céu. Você pergunta:
     "O que deu errado?"
     "O outro motorista, ele estava bêbado. Perderam o controle do automóvel e..."
     Você percebe que ele não entende.
     "Eu não estava falando da minha morte... Estava falando da minha vida."
     Você sonha e, quando acorda, quase deseja que fosse verdade. Um fim espalhafatoso, em alta velocidade, nuvens nadando no alo. Sem dores nas costas, sem segundas-feiras.
     Tem essa encruzilhada, sabe? Você está diante dela e há muito mais de dois caminhos a seguir, O problema é que são quase todos cimentados. Os que não são lhe levam através de espinhos. Bem, você poderia lidar com os espinhos, com as aranhas e as cobras e o escambau. Podia mesmo, sério! Mas existe um grande precipício no fim de cada um deles, um vão imenso que suas pernas não podem pular. Você deseja, agora, acordar de um sonho. Mas é só uma metáfora, e eu gostaria de ver você acordar disso.
     Então você pediu tempo, tempo para pensar, e as coisas começaram a andar lentamente. Você então percebe que não era como fazer um pedido num restaurante ou resolver uma adivinha. O tempo em si é o maior dos enigmas. Você agora não pode se mover, pois os segundos são lentos e o ar é pesado. Ao invés de escolher um caminho qualquer, a paisagem se move ao seu redor e, embora você esteja parado, as coisas vão ficando para trás. Na sua frente só há névoa e vazio e, aqui e ali, os esqueletos de velhos cadernos. Mas isso não é um sonho, é uma metáfora, e eu gostaria de te ver acordar disso.
     Agora as noites são longas e insones e os dias quentes e abafados. E você finalmente deseja que o tempo acelere e passe rápido como um carro na estrada. Ver as coisas borradas pela janela, as estrelas como brilhantes riscos no céu, sentir o vento maliciosamente embaraçar os fios do cabelo.
     Já não importa o caminho. Você só quer chegar ao fim para deparar-se com seus olhos negros e abraçar sua pele fria. Quer escutar mais uma vez a canção que ouviu tantos anos atrás, quando existiu pela primeira vez, e que só ela pode cantar. Como o tema de um filme que só se repete nos créditos, sabe?
     Mas  tempo é o maior dos enigmas e já é hora de dormir. Mas quando você deita, seus ombros doem  e seu pescoço arde e suas pernas estalam. Você enxerga o escuro através das pálpebras fechadas. Não é um sonho e talvez não seja nem mesmo uma metáfora, dessa vez. De qualquer forma, eu pagaria pra ver você acordar disso.




"... All around me darkness gathers, fading is the sun that shone; 
We must speak of other matters: you can be me when I'm gone..."

"...Flowers gathered in the morning, afternoon they blossom on.
Still are withered by the evening: you can be me when I'm gone."


   

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Edge of Something - Conversas de Silêncio

     Começo a me acostumar com seu silêncio. Não é ruim e nem me incomoda. Afinal, você sempre poderá jogar fora aquilo que não quiser ler.
     Só queria dizer que hoje lembrei de você quando entrei numa discussão. Acho que sou a única pessoa no mundo que prefere ouvir música a conversar. Isso não quer dizer que eu seja anti-social... Mas você não acha que as pessoas falam demais? Claro que eu gosto de conversar, claro que há coisas que precisam ser ditas, mas muitas vezes eu só quero escutar uma música e deixar que ela escorra pelo meu ouvido até preencher toda a minha mente.Quero que o mundo inteiro se cale e entre na pulsação de cada batida, de cada acorde, de cada palavra cantada na melodia certa. Isso, para mim, também é silêncio.
    Perdoe-me se me demoro nesses devaneios. Certas vezes os fios do meu pensamento se amarram uns nos outros e não consigo parar. Mas, enfim, eu falava de música.
     Certa feita eu pesquei por ai uma música absolutamente desconhecida pra mim. Você provavelmente já escutou. É assim o refrão:

"I'm loosing sleep, I'm loosing friends
 I've got a love hate love with the city I'm in
 I'll count the hours having just one wish
 If I'm doing fine, there's no point to this."

    Eu amo o jeito com que essa música é cantada, embora eu geralmente prefira vocais mais leves. No entanto eu sinto tanta dor na letra que, se ela não fosse gritada, não seria legítima. Entende? Bom, eu conheço muitas pessoas que não entendem. Tudo o que eu queria era fazer com que vissem, que compreendessem que o rock é barulhento porque as pessoas são barulhentas por dentro e que as guitarras são distorcidas porque as pessoas são distorcidas por dentro.
     Bom, eu pelo menos sou.




quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Terraço

     Nicola acordou com a impressão se uma sirene tocando ao longe. As pálpebras meio grudadas custaram a separar-se, revelando-lhe a trêmula visão de uma minúscula janela. Tornou a fechar-las, em busca de um significado qualquer para o estardalhaço de sentidos que o tomava. As memórias de Morfeu sempre chegavam antes na sua mente.
     "Ele estava em frente a uma penteadeira. Um grande espelho punha-sà sua frente e tudo o mais era escuridão. Mãos invisíveis atavam um colar de pérolas em torno do seu pescoço e, sem que se mexesse, seu reflexo encarava-lhe e lentamente cobria seus lábios de batom vermelho..."
     O resto da cena lhe escapou pelo canto da mente e o mundo real puxou seus pés de volta ao toque áspero do lençol. Um conhecido cheiro de barata e mijo seco invadiu sem dó as suas narinas e ele abriu os olhos. A pouca luz da rua que trespassava uma veneziana quebrada permitia apenas um vislumbre da parede descascada e dos móveis que, aqui e ali, projetavam pálidas sombras pelo quarto.
     As migalhas informacionais, no entanto, foram suficientes para situar Nicola em tempo e espaço. Deviam ser quase três da manhã. O miado dos gatos e a falta de buzinas enlouquecidas indicavam que talvez fosse até mais tarde. Era um hotel sujo e provavelmente barato, embora ele não soubesse precisar qual. Terraço, talvez, ou o Deidara. Dava na mesma.
     O rapaz fez um certo esforço para se levantar, mas os músculos mostraram-se inúteis quando o mundo voltou a girar, derrubando-o novamente no colchão. Deus! Quanto, exatamente, ele tinha bebido? No que Deus permaneceu calado, Nicola supôs que a bebida fora o menor de seus pecados.
     Mudando de tática, resolveu virar o corpo para a esquerda, enrolando-se mais nos lençóis. Quando conseguiu pôr-se de barriga para cima, apoiou ambos os braços no colchão calomboso e tentou içar o próprio tronco até levantar-se. Os abdominais, os bíceps, o pescoço e até o traseiro reclamaram, em fúria, mas ele conseguiu sentar ao fim de muito esforço. Encontrando razoável conforto nessa nova posição, o rapaz apertou os olhos, sondando um pouco mais o local onde dormira. Quando esses pousaram na cama ao seu lado, percebeu pela primeira vez a presença de outra pessoa que dormia com ele.
     Outros farrapos de memória lhe voltaram à mente, tecendo relances de cenas da noite anterior, cujos significados lhe reviravam a cabeça. Já fizera-o outras vezes, em outras noites. O garoto estava sempre na mesma esquina quando o procurava, usando as mesmas roupas que agora escondiam a sujeira do chão, como tapetes de tecido barato.
     Virou-se para o rapaz, seus dedos desceram pela coluna, como que contando cada vértebra. A pele morena estava úmida de suor. Nicola admirou seu rosto, vidrado na beleza dos traços delicados. Conhecia a cor daqueles olhos encobertos por finas pálpebras. Entendia sua força. A memória daquele olhar intenso o mergulhou em lembranças.
     "Beijavam-se, afoitos. Nicola perdera a consciência das próprias mãos e já não se sabia que perna era de quem. Engolia o rapaz com a boca. Esfregava os próprios lábios nos dele afim de tirar-lhe o batom. Detestava aquela maquiagem lixosa, bem como as roupas seunsuais e o falsificado perfume Channel. Queria-o despido de tudo, inclusive do maldito nome de moça. Não lhe chamava nunca de Nina. Nunca. Repugnava-lhe. Para ele e (ao menos isso) só para ele, quem respondia era Rafael.
     - Sabe o que eu quero? - perguntara o outro, a mão direita descendo-lhe pelas costas até alcançar as áreas mais intocadas do seu ser.
     - Hmmmm? - balbuciara em resposta, entorpecido.
      - Quero você inteiro. - dissera sem afetar a voz, para o júbilo de Nicola. Trazia aquele olhar intenso na íris escura. Nicola desviara-se.
     - Não quer. Pare. Você só está aqui pelo dinheiro. - dissera, o som das próprias palavras irritava. - Você é só uma puta, só uma vadia que eu pago pra comer. - estremeceu, não ousava encarar o amante. - Você só está aqui pelo dinheiro.
     As últimas palavras haviam saído quase que magoadas, mas Rafael não dava sinais de ter-se ofendido. Fez-se um breve silêncio e, olhando nos olhos de Nicola, disse simplesmente:
     - Talvez, mas isso não importa. A grande questão é: por que VOCÊ está aqui
?"