Veja, você sofre um acidente de carro. Coisa feia, sabe? O carro sai fora da estrada, capota e todos morrem imediatamente. Você sobrevive o suficiente para que alguém te encontre e ponha sua cabeça no colo. Ele está suado e a sua visão vai ficando turva, mas ainda dá pra ver algumas nuvens pavoneando pelo céu. Você pergunta:
"O que deu errado?"
"O outro motorista, ele estava bêbado. Perderam o controle do automóvel e..."
Você percebe que ele não entende.
"Eu não estava falando da minha morte... Estava falando da minha vida."
Você sonha e, quando acorda, quase deseja que fosse verdade. Um fim espalhafatoso, em alta velocidade, nuvens nadando no alo. Sem dores nas costas, sem segundas-feiras.
Tem essa encruzilhada, sabe? Você está diante dela e há muito mais de dois caminhos a seguir, O problema é que são quase todos cimentados. Os que não são lhe levam através de espinhos. Bem, você poderia lidar com os espinhos, com as aranhas e as cobras e o escambau. Podia mesmo, sério! Mas existe um grande precipício no fim de cada um deles, um vão imenso que suas pernas não podem pular. Você deseja, agora, acordar de um sonho. Mas é só uma metáfora, e eu gostaria de ver você acordar disso.
Então você pediu tempo, tempo para pensar, e as coisas começaram a andar lentamente. Você então percebe que não era como fazer um pedido num restaurante ou resolver uma adivinha. O tempo em si é o maior dos enigmas. Você agora não pode se mover, pois os segundos são lentos e o ar é pesado. Ao invés de escolher um caminho qualquer, a paisagem se move ao seu redor e, embora você esteja parado, as coisas vão ficando para trás. Na sua frente só há névoa e vazio e, aqui e ali, os esqueletos de velhos cadernos. Mas isso não é um sonho, é uma metáfora, e eu gostaria de te ver acordar disso.
Agora as noites são longas e insones e os dias quentes e abafados. E você finalmente deseja que o tempo acelere e passe rápido como um carro na estrada. Ver as coisas borradas pela janela, as estrelas como brilhantes riscos no céu, sentir o vento maliciosamente embaraçar os fios do cabelo.
Já não importa o caminho. Você só quer chegar ao fim para deparar-se com seus olhos negros e abraçar sua pele fria. Quer escutar mais uma vez a canção que ouviu tantos anos atrás, quando existiu pela primeira vez, e que só ela pode cantar. Como o tema de um filme que só se repete nos créditos, sabe?
Mas tempo é o maior dos enigmas e já é hora de dormir. Mas quando você deita, seus ombros doem e seu pescoço arde e suas pernas estalam. Você enxerga o escuro através das pálpebras fechadas. Não é um sonho e talvez não seja nem mesmo uma metáfora, dessa vez. De qualquer forma, eu pagaria pra ver você acordar disso.
"... All around me darkness gathers, fading is the sun that shone;
We must speak of other matters: you can be me when I'm gone..."
"...Flowers gathered in the morning, afternoon they blossom on.
Still are withered by the evening: you can be me when I'm gone."
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