quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Vaso Chinês

   
     Sobre o bem que me faz e sobre tudo o mais... É de uma felicidade tão pura que temo quebrar como vidro transparente ou coração indefeso. Mais que seus olhos, são seus olhares, é o seu toque, é o que eu tenho medo de perder. Com meu veneno escroto, meia palavra basta. Pra bom entendedor, isso seria adeus, mas, e pra você? Não posso ser decifrada por bons entendedores, talvez por ninguém, nunca ao todo.
     Amo estar assim, odeio estar assim. Amo você, odeio a mim. Gruda em mim? Pele com pele? Só não me deixa te arranhar! É possível isso? Queria correr, queria ficar. Não vá embora. Vou até a esquina, te juro de morte, respiro três vezes e volto nua pra você. Nua de máscaras, cheia de beijos. Cuidado com as presas! Mas eu mordo tão de leve, tão delicada. Mordo porque gosto do sabor e do cheiro de você. Cuidado com o veneno!
     A felicidade se esbarra pelos meus cotovelos como o vaso chinês de uma avó. Delicado, quebrável, cheio de detalhes minuciosos. Resistiu por mil anos e mil são os pedaços que lhe sobram depois do meu toque. Sou acostumada a lidar com tristezas e canecas de plástico, colheres de madeira. O que tenho agora nas mãos é pros ricos, pros dignos. Não sei lidar com taças e risos cristalinos. Oh, drama, oh, vida, oh, tarde caída, oh, puta que pariu meus desconfortos e egoísmos.
     Se quer me abraçar, então abra os braços. O primeiro passo é igual para punhaladas e abraço. Mas o brilho dos seus olhos... Não há nada que me cegue mais para a paisagem ao redor. Perigoso isso; atropelamentos, e tal. Quando se abrem, suas pupilas me sugam como buracos negros cor de mel. Furtacor, furta chão, furta realidade e eu mergulho. Aquário e escuro. Se quer me fisgar, puxe a linha, que na ponta outra estão meus lábios: furados de anzol, molhados de sangue, pútridos de veneno, sedentos. Não necessariamente nessa ordem. Furados de veneno, sedentos de sangue, pútridos com o anzol, molhados. Veja de perto: molhados de anzóis, sedentos de veneno, pútridos de sangue, furados.
     Eu retiro tudo o que disse, você querendo. E não posso apagar meu pensar, mas posso tentar! Coerência nunca foi fator inerente a texto meu e tampouco é necessário entender na cabeça, com pecinhas de palavras cruzadas, o que digo com meu cheiro, com as imagens por trás das linhas. Para bom entendedor, meia palavra basta. Mas, e pra você?

"Am--"
     

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Too close to hell



Ela terminou. Afastou-se dois ou três palmos para admirar sua obra. Era horrenda. Feia como uma abóbora de Halloween e duas vezes mais assustadora. Sentiu uma sensação morna lhe percorrer, junto com o velho e íntimo cheiro de ferrugem. E sal. O melhor de tudo, a grande, grande piada era que ninguém podia negar a arte que havia naquilo. Era um obra de arte de cabo a rabo, aceita por todas as estúpidas definições que estúpidos intelectuais defendiam. Se cada um tem seu vício e sua arte, então ela era artista e viciada e não havia nada para provar o contrário. Apagou as luzes, limpou o pincel prateado e deixou o ateliê com uma doce melodia na cabeça.

"I'm going down to be by myself
I'm going back for the good of my health"

Amnésia (ft. Tom Nobre)

Hoje eu acordei
Quase sem nenhuma vontade
Percebi
Que não tinha mais coragem
A luz do sol
Me confirmou que estava só de passagem
E o dia começou mais devagar

Hoje eu acordei
Com uma sensação engraçada
Mas não era
O tipo bom e que te faz dar risada
A luz do sol
Apareceu sem ser convidada
E o dia me encontrou de mau humor

Eu tentei, me dediquei
E até lembrei do meu nome
Que se esconde quando estou com você
Nem tente me dizer

Eu anoto coisas e esqueço de novo
Amarro fitinhas na ponta dos dedos
Já não confio tanto nos seus olhos
Minha incompetência não é mais segredo

Hoje eu acordei
Sem notar o mundo lá fora
Caminhando
No passado e no futuro de agora
A luz da lua
Se escondeu, levando a noite embora
E eu percebi que não me importo tanto assim

Quero te falar
Do que eu achei debaixo da cama
Descobri de onde
Vem aquela voz que me chama
O tique taque
De um relógio que me deixa insana
Eu fecho os olhos pra acordar e tento não sorrir


Eu tentei, me dediquei
E até lembrei do seu nome
Que se esconde quando estou com você
Nem tente me dizer

Eu anoto coisas e esqueço de novo
Amarro fitinhas na ponta dos dedos
Já não confio tanto nos seus olhos
Minha incompetência não é mais segredo
Não é mais segredo

Eu anoto coisas e esqueço de novo
Amarro fitinhas na ponta dos dedos
Já não confio tanto nos seus olhos
Minha incompetência não é mais segredo

Nunca foi segredo!
Não é mais segredo!
Nunca foi segredo!
Não é mais segredo!
(...)

Edge of Something - Conversas de Parede

     Tenho conversado com mosquitos madrugada adentro. Como pode uma pessoa estar cansada demais pra dormir? Meus ossos nem tão velhos reclamam em cada posição e os estalos nem mesmo me permitem lembrar que eu tenho que respirar uma vez... Duas... Três... Quatro... E oi, senhor mosquito! Como está a senhora sua esposa? E as crianças? Imagino o quanto não devem ter crescido, regadas por esse meu fértil sangue.
     E perdida entre essas conversas de parede eu já perdi a conta de novo e, assim, mil e uma respirações não são oxigênio suficiente para dopar sequer um terço das caramiolas que carrego. Me preocupa o vazio, a ansiedade, a falta de objetivos, a pouca importância que parecem ter as metas e números que eu deveria atingir. Como lutar pela mera promessa de uma clareza que, juram (!), um dia vai chegar?
     Acho que é o momento em que você e arrepende de todas as sonecas que se recusou a tirar quando, depois do almoço, sua mãe lhe pedia um minuto de paz na casa. Sair correndo com a barriga ainda cheia de comida me parecia um ótimo negócio e, apesar de todos os avisos, eu nunca vomitei. Nem mesmo quando plantava bananeira.
     Agora a cada manhã meu estômago faz menção de desfazer-se do que lhe empurrei goela abaixo. Agora a casa está em paz e o barulho do ventilador misturado aos ruídos dos gatos na rua são a perfeita canção de ninar. Ainda assim, a cama parece rejeitar as células do meu corpo e as lembranças do dia fazem questão de esfregar na cara minhas pequenas incompetências, para explicitar a impotência de consertar tudo naquele momento. Copo d'água. Nada parece melhorar a aridez impermeável de uma garganta já saturada  por gritos contidos.
     Corpo virado para o teto. Lembre de respirar. Vamos, fundo! Um... Dois...Cinco... Espera um pouco... Quatro... Cin=%&* Argh! Não aguento mais escrever sobre como é difícil dormir. Me parece que todas as músicas que canto ecoam "insônia" aos ouvidos já saturados por The Jesus and Mary Chain, The Horrors, por Beethoven e Chopin, all day long. Estou cansada demais para dormir, sim! Atolada na falta de um caminho outrora pavimentado por tijolos amarelos.
     Querido, amado senhor mosquito: pra que mendigar migalhas? Leve logo tudo, minhas hemácias são suas! Alimente seus primos, tios, avós... Doe para os mosquitinhos famintos da África ou guarde para sí em bancos de sangue secretos na Suíça. Eu não me importo, não se acanhe, leve! Depois vá embora para que eu posta encostar meu corpo suado no frio da parede, desejando que fosse pele de um corpo outrora nomeado, mas já sem rosto ou perspectivas. "Faríamos amor na ponta de uma faca!", eu costumava sussurrar.
     A contagem já se perdeu entre as respirações e, de repente, me parece improvável que exista tanto oxigênio na atmosfera. O estoque há de ser imenso porque é um longo, mas um longo, longo, longo, longo caminho até a calma, até o sonho. Para chegar no esquecimento. Esquecer que o futuro é um precipício. Fundo. Ou que talvez não tenha fundo. Pior! Talvez não tenha nem mesmo ar-condicionado.


Mapa da Lua

Faço o milagre
Da multiplicação dos segundos
Termino de gastar meu tempo
Em pensamentos vagabundos

"Eu não sei" não é 
Resposta que se dê, minha filha
Não faça essa cara de emburrada
Não destrua a mobília


Eu tenho um mapa da lua, amor
Quem sabe a gente não se perde por lá
Eu me cansei dos humanos
E dos problemas todos que isso dá

Vamos embora pra lua, amor
Que mais você quer da vida
São Jorge já se mudou pra Marte
Vai ser só eu e você, querida


Faço o milagre 
Da multiplicação das segundas
Mantenho a calma que me resta
Com respirações profundas

Já é de lei fingir 
Toda essa minha estupidez
Não ponho mais o corpo nessa terra
Onde os fracos não têm vez


Eu tenho um mapa da lua, amor
Tem tempo que eu tô indo embora
Me diz o que você perdeu aqui
Que não quer mais ir agora

Vamos embora pra lua, amor
Que mais você quer da vida
São Jorge já se mudou pra Marte
Vai ser só eu e você, querida