quarta-feira, 21 de março de 2012

Acho que você entendeu

    De mãos dadas com a mãe, Anne cruzou o jardim dos Emmerich sem grandes problemas. À porta estava o mordomo, pronto para receber os chapéus e casacos e indicar-lhes o caminho da sala de estar. A residência Emmerich era suntuosa mansão de paredes sólidas e ricamente enfeitadas com todas as bugigangas de luxo que aprouviam a uma moradia de elite. À medida que avançavam pelo corredor atrás do mordomo, porém, os batimentos de Anne aceleravam por motivos que nada tinham a ver com as pinturas emolduradas na parede. Era, todavia, uma ansiedade diferente da que sentia quando estava do lado de fora.
    "Vou cuspir minhas entranhas." pensou a menina, momentos antes de cruzar a porta para encontrar os anfitriões. Mas ela não cuspiu. Nada saiu da sua boca, aliás até que a senhora Emmerich lhes saudou com um abraço e ela se sentiu obrigada a balbuciar uma cortesia qualquer. O mundo havia desaparecido; na sua frente só havia um rosto que importava naquele momento. Alex. Anne viu-se sentando no sofá ao lado da mãe e aceitando uma xícara de chá como se estivesse no piloto automático.
    "Está aqui, a menos de dois malditos metros!" pensava ela, a proximidade lhe tomando a atenção de todo o resto. "Acorde, Anne, não fique ai largada agindo como uma completa idiota descoordenada! Volte à realidade!" repreendeu-se, piscando os olhos e fazendo o melhor para entreter-se com a conversa.
    "... E isso muito irrita a todos nós, principalmente ao Carlos. Parece que não se pode mais dirigir sem trombar com algum palerma que não sabe o que fazer ao volante." dizia Margaret, enquanto serviam-se de bolinhos doces.
    "Absolutamente, absolutamente!" concordou a senhora Emmerich, a cabeça abanando em desaprovação. "Mas estas conversas aborrecidas de adultos não devem interessar aos jovens!" exclamou ela, voltando a atenção para as crianças "Alex, meu doce, por que não leva Anne lá pra cima e lhe mostra o teu quarto? Tenho certeza de que vão se divertir muito mais desenhando e conversando seus próprios assuntos."
    O estômago de Anne deu uma volta. "Quarto com Alex. Quarto de Alex. Só nós." pensou ela. E antes que o cérebro processasse a informação foi interrompido pela resposta.
    "Ótima ideia, mãe, certamente que vamos encontrar algo como que nos entreter." disse Alex, tomando Anne pelos braços antes que a menina pudesse soltar um suspiro.
    Seguiram pelo corredor até a escada e subiram-na de braços dados, como um cavalheiro e uma dama. Anne sentia a pele queimar no lugar onde encostava na de Alex e na sua cabeça os pensamentos dançavam em torno das palavras, dando-lhes um tom sugestivo. "Vamos encontrar algo com o que nos entreter. Entreter. Ter."
    As ideias ainda giravam pela mente dela quando depararam-se com a porta do quarto, que Alex abriu sem cerimônia. Entrou e sentou-se na cama, fazendo Anne sentar-se ao seu lado. O recinto não era cheio de decorações como o resto da casa, mas estava iluminado e as paredes estampavam um tom elegante de creme.
    "E então, o que quer fazer?" perguntou Alex alegremente.
    Anne não respondeu imediatamente. Podia sentir a respiração de Alex ao seu lado, o busto descendo e subindo suavemente. Então, estranhamente consciente dos vestidos que se roçavam, ela desviou os olhos das paredes e virou-se para mirar o rosto ao seu lado. Os olhos verdes que lhe encaravam de volta eram brilhantes e úmidos e demonstraram certa surpresa quando Anne pousou a mão sobre a palma fria e delicada da outra. Surpresa sim, mas não descontentamento.

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