"Depois de um tempo - disse a senhora a ela - "você vai acabar percebendo que a vida é longa o suficiente pra que muita merda aconteça. Essa é a verdade. O tempo... Ele não cura nenhuma ferida, mas ele te permite ferir-se tantas vezes que as feridas vão se tornando ordinárias."
Odile não soube bem como reagir àquela declaração. Todas as vozes e pessoas lhe pareciam borradas, mas aquela figura subitamente se fez nítida - e embaraçosa, em algum nível.
"Sei que agora vai parecer insensível da minha parte, mas tampouco tenha pressa pra entender conselhos de pessoas mais velhas. Viva sua dor e seu momento. O tempo também não tem pressa de ensinar nada a ninguém."
A senhora lhe tocou o ombro com um semblante de pesar comedido, porém honesto - ainda que de forma estranha. Odile teve a sensação de que a compaixão da mulher não fora gerada por aquela infelicidade específica, mas por uma infinidade de segundos que se seguiriam até o fim da sua vida durante os quais teria que conviver com suas mágoas.
Para todos os lados que olhava, Odile via a dor e cada parte do seu corpo parecia ter uma fina agulha enfiada em toda a cobertura de pele. A dor era um terremoto que brotava no âmago, do colo do seu morto útero em luto. Parecia carcomer seus nervos como ferrugem aos cabos de eletricidade, entupindo-lhe de varizes informacionais. Onde estaria? Não se lembrava de ter chegado àquele supermercado fluorescentemente iluminado e segmentado em extensas estantes e corredores de produtos.
Sem mais palavras, a anciã seguiu em direção ao caixa preferencial e deixou Odile - ainda meio estarrecida - sozinha na fila de compras rápidas. Olhou para o conteúdo da própria cesta: um saquinho de sequilhos, café, cigarro, 3 pacotes de macarrão instantâneo e um frasco de pepinos em conserva: do mexicano, não do suave.
"A dieta de uma campeã" pensou, rindo da própria ironia. Assombrou-se: já nem lembrava mais do que era o riso, o deboche. Uma parte dela se sentiu ultrajada, como se aquele humor tirasse a importância do seu luto. E de alguma forma tirava mesmo, mas sentiu o fenômeno muito mais como um descarrego, um alívio do peso, do que como uma ofensa à sua própria dor.
Sozinha, consigo, Odile riu de si mesma a fila do supermercado. Os olhares confusos dos outros clientes apenas tornando tudo ainda mais cômico, Pagou as compras contendo-se para não rir diante da atendente do caixa. Não sabia quem tinha colocado dinheiro na sua conta... Talvez o pai, talvez o próprio Leonardo. Sim, devia ter sido um deles. Não lembrava da última vez que havia sequer trabalhado. Agradeceu à atendente e recolheu os sacos plásticos, colocando-os dentro do carrinho de compras de arrastar.
"Sou como uma velhinha" pensou, olhando de relance para a senhora que lhe falara na fia do caixa. "Arrastando esse troço, usando esse vestido quase que saído do armário de uma viúva amargurada... Que no fundo é o que sou."
Desviou o olhar antes que a idosa o percebesse e dirigiu-se à saída, arrastando o carrinho atrás de si. Cruzou a rua vazia na faixa de pedestres e desceu o declive da sua rua até bater os pés na soleira da porta. Digitou a senha a fechadura eletrônica - sem pensar - e abriu a porta de madeira escura. Ao entrar, notou que uma grande quantidade de envelopes brancos se acumulavam num montinho ao lado do tapete. Abaixou-se, agarrando-as nas mãos e arrastou o carrinho até a cozinha, vagamente olhando os remetentes dos envelopes.
Um flor murchava num vaso cheio de água velha e amarelada, no centro da mesa da cozinha. Um bilhete jazia sob seu peso. Odile pôs os envelopes junto ao bilhete e pôs-se a guardar as compras no armário, coisa que não levou muito tempo, devido à quantidade de itens adquiridos, mas que lhe permitiu perceber uma grossa camada de poeira as prateleiras. Seu nariz coçou e ela reprimiu um espirro.
Pegou a flor, parando um segundo para lembrar de alguma coisa. Franziu o cenho. Agarrou o vaso e jogou a água suja na pia e a flor murcha no lixo. "Já estava morta quando me deram" pensou, o remorso apenas passando longínquo e dissipando-se junto com o cheiro doce de decomposição.
Como as notas de uma melodia que no início não fazem sentido, mas depois começam a soar familiares.
terça-feira, 27 de dezembro de 2016
terça-feira, 20 de dezembro de 2016
42276**
Se saia da minha cabeça, namoral
Eu sempre que te encontro
Vou pra outro plano astral
Ariano
E me pego imaginando
O teu corpo chei' de sal
Como gata, te limpando
Areiando
A minha língua já salgada
E enroscar meu pé no teu
Até de madrugada
Suspirando
Na tua mão tão calejada
E uma hora dessas
Inclusive já cansada
Me encarando
Com esses olhos de caboclo perigoso
Me alisando com o olhar
Diz que quer ser meu amigo
Se essa porra não vingar
Mas é também divino maravilhoso
E me arriscando em alto mar
Me jogo no mundo contigo
Se essa porra não virar
Eu sempre que te encontro
Vou pra outro plano astral
Ariano
E me pego imaginando
O teu corpo chei' de sal
Como gata, te limpando
Areiando
A minha língua já salgada
E enroscar meu pé no teu
Até de madrugada
Suspirando
Na tua mão tão calejada
E uma hora dessas
Inclusive já cansada
Me encarando
Com esses olhos de caboclo perigoso
Me alisando com o olhar
Diz que quer ser meu amigo
Se essa porra não vingar
Mas é também divino maravilhoso
E me arriscando em alto mar
Me jogo no mundo contigo
Se essa porra não virar
segunda-feira, 12 de dezembro de 2016
22.10.16 - ...va...ou...ria
Tua presença me enoza a garganta
E se te aproximas
Sinto latejar as veias
Teu olhar já me tira a roupa
Tua música me fecha os olhos
Teu silêncio me deita na cama
Tua respiração me adormece
Teu cheiro me desperta
Teu gozo me ilumina...
... va
... ou
... ria.
E se te aproximas
Sinto latejar as veias
Teu olhar já me tira a roupa
Tua música me fecha os olhos
Teu silêncio me deita na cama
Tua respiração me adormece
Teu cheiro me desperta
Teu gozo me ilumina...
... va
... ou
... ria.
terça-feira, 6 de dezembro de 2016
"Resposta a Carta de Amor" ou "Um Dia Ainda Te Direi Adeus"
Fora de mim
Te atiraria do alto de um prédio, se pudesse
Meu pulso pulsa sob várias camadas de injúria
Pulmões revoltados paralisam mais de mil alvéolos em contração
Minha rejeição por ti é física
O estômago entra em espasmo vomitílio
Ao enxergar teus rastros e teu caminho pútrido
Bota pra fora
Fizeste dela a caveira
E em sua cabeça puseste chifres de demônia
E a deixaste carregar sozinha
A cruz que ajudaste a talhar
Cafajeste
Fora que é também fantoche oblivioso
Tolo...
Exorcizo-te de meu berço esplêndido
Expurgo tua raça como praga
Fora do meu alcance
Mas não por isso te vou a perdoar por um segundo
Ou mesmo acomodar-me baixo tua asa pútrida
Nem se fosse exílio
Nem se
FORA
E ainda que o poder do veneno letárgico que espalhas me deixe impotente
Fora de mim
Ou disso crente
Um dia ainda te direi adeus
Mas
Hoje e sempre,
FORA, TEMER.
Te atiraria do alto de um prédio, se pudesse
Meu pulso pulsa sob várias camadas de injúria
Pulmões revoltados paralisam mais de mil alvéolos em contração
Minha rejeição por ti é física
O estômago entra em espasmo vomitílio
Ao enxergar teus rastros e teu caminho pútrido
Bota pra fora
Fizeste dela a caveira
E em sua cabeça puseste chifres de demônia
E a deixaste carregar sozinha
A cruz que ajudaste a talhar
Cafajeste
Fora que é também fantoche oblivioso
Tolo...
Exorcizo-te de meu berço esplêndido
Expurgo tua raça como praga
Fora do meu alcance
Mas não por isso te vou a perdoar por um segundo
Ou mesmo acomodar-me baixo tua asa pútrida
Nem se fosse exílio
Nem se
Fora de mim
Ou disso crente
Um dia ainda te direi adeus
Mas
Hoje e sempre,
FORA, TEMER.
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