quarta-feira, 13 de agosto de 2014

19

... Em busca da torre negra.


Ela segura a respiração. O mundo está em calmaria suspeita e suspensas estão as horas, os segundos e a poeira. O ar zumbe com a estática e zomba dos frágeis guarda-chuvas. Vem aí tempestade, e vai ser das grandes: raios, trovoadas, tsunamis e ventanias.
   Seu cenho está franzido, os pensamentos em turbilhão, como turbinas de um avião. Talvez ela queira a tempestade, dessa vez. Talvez o medo paralisante tenha dado lugar a fervilhante inquietude, que lhe ataca com um frio na barriga e 19 peixinhos que nadam afoitos dentro dela.
   Veja como ela sua, como observa em silêncio a quietude. Tem o jeito de quem evitou por muito tempo o mar revolto, sempre deixando que ele rebentasse no limite da maré cheia e a esmagasse como a um grão de sal. Fez-se de espuma por medo do mar de fúria que, há tanto tempo, confinou num copo d'água.
   Sente o cheiro da tormenta. Ondas de 19 metros de altura, ventos místicos dos 19 cantos do mundo e trovões de 19 mil decibéis, para ensurdecer e sacudir a realidade inteira. Preocupa-se? Talvez. Agora ela entende que sua tempestade é grande demais para um copo d'água! Que tola foi, ao achar que conseguiria comprimir 19 oceanos em uns poucos centímetro cúbicos.
   Hesita, olha para os lados. Seus companheiros são as pedras, negras como torres, e a areia áspera a seus pés. E se for um truque? E se tudo culminar em uma chuva gelada e ordinária, encharcando seus cabelos e deixando-a presa numa ilha de calmaria e solidão? E se seu coração parar antes que sua enrustida tempestade saia do armário?
   "Prenda o choro, mocinha!" E ela obedece, tentando não deixar vazar aos poucos as águas que guardou para o inverno. Vira de costas, fecha os olhos, suspira. Escuta ao longe o bater de asas das formigas de chuva. Reza baixinho para um deus mudo qualquer, reza para Zeus e Netuno, reza para a lua, por pessoas que não mais vê, reza para si.
   Não quer ficar parada, mas não pode ir muito além. Não tanto por recalque, nem tanto por requinte: sente que precisa de impulso, sente e escuta o próprio pulso. Não é bem um desfalque, mas o negócio é o seguinte: até no precipício, 19 não é 20.
   Pede calma! Tudo vem, tudo vai, tudo passa e a vida é massa. Desvira-se, fecha as mãos em punho. Espera a tempestade com o peito cheio, os olhos abertos, a alma em chamas.






"(...) 19 é a idade em que você diz: Cuidado, mundo, estou fumando TNT e bebendo dinamite, por isso, se você sabe o que é bom pra você, saia do meu caminho... aí vai o Stevie!
(...) Mas ainda acho que essa é uma idade muito boa. Talvez a melhor idade. Você pode rolar no rock a noite toda, mas, quando a música cessa e a cerveja chega no fim, você consegue pensar. E sonhar sonhos grandes.
(...) Claro, você é um moleque que três anos atrás ainda não tinha cabelo no braço... mas e daí? Se você não começa pequeno demais pra sua calça, como vai caber dentro dela quando crescer? Deixe que ela rasgue, não importa o que os outros digam, esse é o meu ponto de vista; sente-se e fume a calça.
(...) De um modo ou de outro, não peço desculpas. Eu tinha 19 anos."

Stephen King, "Sobre ter 19 anos"

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