quinta-feira, 30 de setembro de 2010

N°12


May acordou com gritos. Olhou no reloginho de parede e descobriu serem 5 da manhã. Ainda estava escuro, mas já se ouviam os barulhos da fábrica de tinta da esquina. Ela se apoiou na cabeceira da cama e levantou o corpo miúdo se perguntando o que diabos tinha acontecido.
Colocou o casaquinho de lã sobre os ombros delicados e arrastou os pés até a porta. Teve uma briguinha com a maçaneta para abri-la e pôs a cabeça para fora. O corredor estava escuro como sempre, mas uma figura curvada no chão quebrava a harmonia da coisa.
Era Mrs.Polly, soluçando em desespero. Balbuciava coisas incompreensíveis enquanto torcia um papel entre as mãos. May olhou para os lados, mas não viu sinal de algo que pudesse ter feito mal a ela. Puxou o cabelo branco e desgrenhado para trás das orelhas e curvou-se com dificuldade em direção à dona da pensão:
- De... Desculpe, mas o que acon... – Tentou dizer ela, mas sua voz falhou por dois motivos. O primeiro era que ela não falava havia tempos e sua voz estava desacostumada com essa coisa de moldar-se em palavras. O segundo foi que a mulher virou-se para ela e a encarou com o rosto mais lívido e os olhos mais aterrorizados que May já vira:
- Ela foi embora. – Disse Polly, agarrando-a pelos braços. - Eu sinto que foi! Dá pra ler nas entrelinhas que ela não vai voltar.
As feições da moça estavam contorcidas. Ela soltou May e entregou-lhe o papel que tinha nas mãos. A folha estava amarrotada e molhada mas era fácil dizer que fora arrancada de um caderno de escola e a caligrafia infantil denunciava todo o resto.
May olhou-a demoradamente, entendendo aos poucos o que estava acontecendo. Devolveu o papel à dona da pensão e foi arrastando os pés de volta para o quarto enquanto digitava no ar. Era um velho tique incontrolável que atacava quando ficava nervosa.
Ela fechou a porta atrás de si e sentou-se no banquinho que ficava à janela. Encostou a cabeça no peitoril e ficou digitando no vazio enquanto murmurava uma canção esquecida dos seus tempos de infância.
Odiava aquela impotência. Não conseguia fazer quase nada sozinha. Resolveu ficar quietinha no canto dela até a hora em que todos acordassem e ficassem a par dos acontecimentos. Aquele seria em dia agitado... Mas por que mesmo? Ela não conseguia se lembrar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário