acariciando o veludo do céu.
Seus tão vagarosos e fluidos vapores
embaçam a luz das fogueiras dos anjos.
Se o vento as carrega, em total majestade
e sopra pra longe real carruagem,
de seda só resta o ar que comprime
meu corpo e e me mostra o vazio ao redor.
Tão vasto e terrível é o abismo de cima,
que a vida segue em declive suave.
Se cada gotinha fosse uma oração,
eram quatro pai nossos, seis vezes ao dia,
tentando escutar uma voz que responda,
ou acreditando que talvez funcione
rezar para o deus dessas preces de gosto
floral ou metálico. Não sei ao certo
se sei se é placebo ou se só tenho medo
de pensar pai nosso e ser ave maria,
mas a vida segue em declive suave.
Contando meu tempo em números flácidos
aguardo o final como aguardo o jantar
Não sei se mais temo comida queimada
ou sabor que jamais vou querer escovar
dos meus dentes com pasta de menta enlatada
e pré fabricada pra belos sorrisos,
que querendo ou não duram mais do que a carne
pois a vida segue em declive suave.
Há, inclusive, um engarrafamento
de almas pernetas, perdidas em si.
E suspiram de alívio a cada semáforo
rubro que para o mundo ao redor.
Já quase não fingem que estão animadas,
já quase não fingem sequer se importar.
E a vida segue em declive suave.
Peço que as vezes me mandes histórias
que cruzem os mares em forma de ondas
imensas e tão gentilmente embaladas
que embalem meu sono apesar da distância
Talvez não tão doce, nem tão devagar,
pois a vida segue em declive suave.
Os líquidos brilham em copos redondos
de um vidro tão claro que até deixa ver
quando a luz lhes disseca das bolhas e risos
e cega-me os olhos aterrorizados,
mas seguem dançando sem nem se importar
Então a vida segue em declive suave
Aquilo que queima no lago de fogo
são antes as chamas dos olhos de deus.
Na bíblia cristã, no costume judeu
Mas antes de tudo, o inferno sou eu
E a vida segue em declive suave
O dia sorri gargalhando de luz
e escorre entre as frestas das venezianas
escuras, maciças, pesadas de sono.
E a vida segue em declive suave.
Na minha cabeça seu deus quase existe.
Cantando e dançando, os punhos em riste.
E a vida segue em declive suave.
Brilha o ar e o calor, brilha a espuma dos olhos.
Nenhuma astronave vem pra me salvar.
Então segue a vida em declive suave.
Quem sabe algum dia alguém vem me encontrar.
Mas a vida segue em declive suave.
Bem como entropia
Ou chuva de neve
Caindo de leve
Enquanto eu sigo em declive suave.