Como as notas de uma melodia que no início não fazem sentido, mas depois começam a soar familiares.
terça-feira, 14 de outubro de 2014
Dois
Sento numa praça no coração surpreendentemente silencioso de uma Pituba em fúria. Divina sombra em meio aos prédios opressores e ao sol escaldante do meio dia.
Ouço pássaros, árvores sacolejantes, carros sortidos, brisas improváveis e, bem ao longe, o mar. É um jardim decadente, feito sob medida para a bruxa errante e sua fumaça mórbida.
A conta é certa: um cigarro para o stress, o outro pelo tédio da espera.
Ouço passos e um psiu, mas relaxo. Um era o vento numa folha, o outro uma cigarra. Respiro fundo e escuto. Tranquilidade impera.
Fumo na janela. A conta é certa: um cigarro para o stress, o outro para a angústia.
Choro, mas as lágrimas, como sempre, não caem. Acho que acabo vertendo-as para dentro, como se meu corpo se negasse a desperdiçar água com algo tão banal quanto a emoção. Um mero sentimento, abstrato demais para sua corpórea percepção.
Fumo na janela e me pergunto: se eu dela pulasse, minha vida se apagaria como a brasa que desprende e some no espaço? Será que meu corpo cairia como uma bituca flácida e inanimada, enquanto a alma voaria aos ares como a fumaça?
Choro em silêncio, agora. Sem som, sem lágrimas. "Me diga, qual fumaça você acha mais bonita, a que sai do cigarro, espiral, ou a que sai da boca, distorcida?"
Hesito. De novo. Já não sei responder.
Fecho a janela, subo os degraus com tontura.
Busco o colo e o consolo, do tipo que só o asfalto e o travesseiro podem oferecer. Sonho. Durmo.
"Um dia olhou pela janela
E imaginou como seria o seu vôo até o chão
Mas quando pensou na sujeira que ela causaria
Desistiu, foi ver televisão"
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