quarta-feira, 17 de abril de 2013

Terraço 2

     Nicola fechou a porta atrás de si, tentando não fazer ruídos. O corpo ainda respondia como o esperado no que dizia respeito à ressaca e a tudo o mais. A luz do corredor, ainda que patética e fraca, ofuscou seus olhos e ele ficou parado por alguns instantes, sem saber pra que lado ir. Não havia exatamente planejado o que fazer a seguir.
     Passara um tempo sentado na cama, fantasiando as melhores e piores opções de como abordar a criatura deitada ao seu lado. Pensou em murros e pensou em beijos, mas todas as opções faziam-no sentir nojo de si de algum jeito. A única alternativa que Nicola reuniu forças para realizar incluía vestir-se sorrateiramente e deixar uma grana em cima do travesseiro, sem acordar ninguém.
     Checou os bolsos. Ainda tinha algum dinheiro pra comer, o que dispensava a sua volta imediata para casa. Sentir o cheiro da madrugada que ainda pairava no ar relaxou-o, de certa forma: se tinha uma coisa que Nicola não queria era ir pra casa. Cruzou a rua e andou um pouco até chegar a uma loja de conveniência num posto de gasolina 24h. Comprou uns pães, um pote de manteiga e suco de laranja. O fato de vir tudo dentro de um saco de papel melhorou consideravelmente o seu humor, por fazer com que ele se sentisse mais dentro de um filme e menos na própria vida.
     Era esquisito isso tudo, principalmente a palavra que agora ele tinha de absorver. Não fazia sentido: ele não se sentia nem um pouco alegre com a situacão toda. Nicola sentou-se num banquinho debaixo de uma das árvores no canteiro central em frente ao posto. Começou a comer, rasgando pedaços de pão e mergulhando-os na manteiga.
     As pessoas começavam a caminhar pelas ruas e ele tentou observar seus rostos à procura de vestígios da sua vida pessoal. Identificou as caixas de supermercado, pela quantidade exagerada de maquiagem que usavam, e os estudantes, pelas mochilas desnecessariamente pesadas que carregavam. Assustou-se com a quantidade de coisas que podia supor pela aparência dos outros e se fez a desagradável pergunta: quanto deixaria ele transparecer na própria face? 
     Se alguém de fato estivesse olhando para ele naquele momento o teria visto enrubescer com o pensamento de outra pessoa tomando conhecimento de suas privacidades. Não poda acontecer, seria insuportável. O último pedaço de pão amanteigado desceu rasgando e ele tentou empurra-lo garganta abaixo com o resto de suco da caixa. Levantou-se para jogar o saco de papel no lixo, mas sua mão deteve-se com uma ideia meio esdrúxula. Desamarrou o saco e fez dois furos com os dedos. Quando teve certeza de que não passava ninguém perto vestiu o saco na cabeça, ajeitando os olhos nos buracos para enxergar.
     Foi um vidro fumê sendo colocado nas janelas da sua alma. Ele se sentiu protegido e despreocupado como o croissant no café da manhã da Audrey Hepburn. Podia voar. Sentiu que podia at mesmo levar ao fim todos os pensamentos cortados friamente pela navalha do errado e atirados no caos do mal resolvido. 
     Lembrou de todas as coisas que se esforçara para esquecer e depois fingira esforçar-se para lembrar. Pensou no significado de todas as palavras que seus sonhos acordados puseram nos lábios de um travesti; pensamentos que jamais seriam sequer compreendidos por tal pessoa. Nicola encontrava a si mesmo perdidamente apaixonado por um corpo acompanhado de ideias e palavras alheios; um filme editado com o audio errado.
     Ah! Mas quão facilmente apaixonavam-se os homens por uma ideia! Será que eram mentiroso tão bons ao ponto de acreditarem eles mesmos que a pele que tocavam tinha o calor de uma mulher? Pior: acreditariam realmente procurar outra coisa que não os rapazes escondidos debaixo das saias indecentes?
     Espantou Nicola a naturalidade com que tais pensamentos lhe fluiam pela mente. A dor de cabeça que geralmente lhe trariam parecia ter ficado do lado de fora do saco, deixando-o desesperado e sozinho com sua ressaca. Ele poderia aportar que croissant nenhum jamais tocara os lábios da Audrey Hepburn com tal recheio indigesto.
     Guardou o saco no bolso e deu meia volta volver. Queria ficar mais próximo do sol e mais leve que o céu.

domingo, 7 de abril de 2013

Confundindo as Coisas

Cometi algumas loucuras
Entre as coisas que fiz de errado
Aprendi da maneira mais dura
Que não dá pra mudar o passado

Deus não me deixa muita escolha
Faço de conta acreditar
Já que pra ser uma boa pessoa
Tenho que ter no que me agarrar

Mas antes queria esclarescer
Eu não estou confundindo as coisas
E até acho a música boa
Por mais incrível que possa parecer
Isso não foi nenhum elogio meu
À sua nobre pessoa

Pressa Já foi meu nome do meio
Sem querer me contaminar
Por um rato de bueiro 
Que as vezes vejo passar

Olhos treinados passam direto
Sem te dar motivo pra crer
Que esses olhos meus, tão discretos já chegaram um dia a te ver


Mas antes queria esclarescer
Eu não estou confundindo as coisas
E até acho a música boa
Por mais incrível que possa parecer
Isso não foi nenhum elogio meu
À sua nobre pessoa

A minha mente sempre foi meio torta
Abre a luz e acende a porta
E aquela lembrança está morta
Fecha a luz e apaga a porta

A sua língua ainda um dia te corta
Abre a luz e acende a porta
E se um não quer nada mais me importa
Fecha a luz e apaga a porta