"Ele estava em frente a uma penteadeira. Um grande espelho punha-se à sua frente e tudo o mais era escuridão. Mãos invisíveis atavam um colar de pérolas em torno do seu pescoço e, sem que se mexesse, seu reflexo encarava-lhe e lentamente cobria seus lábios de batom vermelho..."
O resto da cena lhe escapou pelo canto da mente e o mundo real puxou seus pés de volta ao toque áspero do lençol. Um conhecido cheiro de barata e mijo seco invadiu sem dó as suas narinas e ele abriu os olhos. A pouca luz da rua que trespassava uma veneziana quebrada permitia apenas um vislumbre da parede descascada e dos móveis que, aqui e ali, projetavam pálidas sombras pelo quarto.
O resto da cena lhe escapou pelo canto da mente e o mundo real puxou seus pés de volta ao toque áspero do lençol. Um conhecido cheiro de barata e mijo seco invadiu sem dó as suas narinas e ele abriu os olhos. A pouca luz da rua que trespassava uma veneziana quebrada permitia apenas um vislumbre da parede descascada e dos móveis que, aqui e ali, projetavam pálidas sombras pelo quarto.
As migalhas informacionais, no entanto, foram suficientes para situar Nicola em tempo e espaço. Deviam ser quase três da manhã. O miado dos gatos e a falta de buzinas enlouquecidas indicavam que talvez fosse até mais tarde. Era um hotel sujo e provavelmente barato, embora ele não soubesse precisar qual. Terraço, talvez, ou o Deidara. Dava na mesma.
O rapaz fez um certo esforço para se levantar, mas os músculos mostraram-se inúteis quando o mundo voltou a girar, derrubando-o novamente no colchão. Deus! Quanto, exatamente, ele tinha bebido? No que Deus permaneceu calado, Nicola supôs que a bebida fora o menor de seus pecados.
O rapaz fez um certo esforço para se levantar, mas os músculos mostraram-se inúteis quando o mundo voltou a girar, derrubando-o novamente no colchão. Deus! Quanto, exatamente, ele tinha bebido? No que Deus permaneceu calado, Nicola supôs que a bebida fora o menor de seus pecados.
Mudando de tática, resolveu virar o corpo para a esquerda, enrolando-se mais nos lençóis. Quando conseguiu pôr-se de barriga para cima, apoiou ambos os braços no colchão calomboso e tentou içar o próprio tronco até levantar-se. Os abdominais, os bíceps, o pescoço e até o traseiro reclamaram, em fúria, mas ele conseguiu sentar ao fim de muito esforço. Encontrando razoável conforto nessa nova posição, o rapaz apertou os olhos, sondando um pouco mais o local onde dormira. Quando esses pousaram na cama ao seu lado, percebeu pela primeira vez a presença de outra pessoa que dormia com ele.
Outros farrapos de memória lhe voltaram à mente, tecendo relances de cenas da noite anterior, cujos significados lhe reviravam a cabeça. Já fizera-o outras vezes, em outras noites. O garoto estava sempre na mesma esquina quando o procurava, usando as mesmas roupas que agora escondiam a sujeira do chão, como tapetes de tecido barato.
Virou-se para o rapaz, seus dedos desceram pela coluna, como que contando cada vértebra. A pele morena estava úmida de suor. Nicola admirou seu rosto, vidrado na beleza dos traços delicados. Conhecia a cor daqueles olhos encobertos por finas pálpebras. Entendia sua força. A memória daquele olhar intenso o mergulhou em lembranças.
"Beijavam-se, afoitos. Nicola perdera a consciência das próprias mãos e já não se sabia que perna era de quem. Engolia o rapaz com a boca. Esfregava os próprios lábios nos dele afim de tirar-lhe o batom. Detestava aquela maquiagem lixosa, bem como as roupas seunsuais e o falsificado perfume Channel. Queria-o despido de tudo, inclusive do maldito nome de moça. Não lhe chamava nunca de Nina. Nunca. Repugnava-lhe. Para ele e (ao menos isso) só para ele, quem respondia era Rafael.
- Sabe o que eu quero? - perguntara o outro, a mão direita descendo-lhe pelas costas até alcançar as áreas mais intocadas do seu ser.
- Hmmmm? - balbuciara em resposta, entorpecido.
- Quero você inteiro. - dissera sem afetar a voz, para o júbilo de Nicola. Trazia aquele olhar intenso na íris escura. Nicola desviara-se.
- Não quer. Pare. Você só está aqui pelo dinheiro. - dissera, o som das próprias palavras irritava. - Você é só uma puta, só uma vadia que eu pago pra comer. - estremeceu, não ousava encarar o amante. - Você só está aqui pelo dinheiro.
As últimas palavras haviam saído quase que magoadas, mas Rafael não dava sinais de ter-se ofendido. Fez-se um breve silêncio e, olhando nos olhos de Nicola, disse simplesmente:
- Talvez, mas isso não importa. A grande questão é: por que VOCÊ está aqui?"
- Talvez, mas isso não importa. A grande questão é: por que VOCÊ está aqui?"