quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Humpty Dumpty

Me deixa falar difícil
Simples palavras não me bastam
Metáforas velhas e usadas
Que pouco a pouco se desgastam

Existe um certo vazio
Existe um grande problema
As coisas se complicaram
Quando fomos juntos ao cinema

E o que eu vou te falar
Vai soar um pouco obsceno
Mas esses muros só são altos quando a gente é pequeno

Existe uma poça morna

Onde os meus medos sopram mais
E se já não tenho forças
Não sei do que sou capaz

Existe um certo delay
Existe uma grande diferença
As coisas podem não ser
Exatamente o que você pensa

E o que eu vou te falar
Vai soar um pouco obsceno
Mas esses muros só são altos quando a gente é pequeno

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

O Jogo das Folhas

     As árvores iam ficando cada vez mais próximas umas das outras à medida em que passavam por elas. Tabitha arfava, mas não diminuía o passo. Aquilo tinha começado como uma fuga discreta, mas transformara-se numa brincadeira de pique-esconde que divertia o seu lado cruel. A voz de Pedro ainda chamava seu nome e ela escutava seus passos atrás de si.
     Parte disso era uma espécie de vingança. Ela sentia raiva do rapaz por entrar no jogo de suas mães e de fato tentar aproximar-se dela. Queria faze-lo ver o quão ridícula era aquela tentativa de casamento e o quão ridículo ele ficava correndo atrás dela pelo bosque.
     Toda vez que escutava seus passos se aproximando, Tabitha acelerava e embrenhava-se cada vez mais na mata. Embrenhava-se impulsivamente em brechas entre os troncos, cada vez mais próximos. No que, ofegante, suada e vermelha, tropeçou numa raiz e caiu é que percebeu não ter mais a menor ideia de onde estava. Mais: deu-se conta do quão trançados eram os galhos ao seu redor, do quão escuro era o bosque, do quão densas eram as copas das árvores, do quão difícil se tornara respirar.
     E então a sensação tomou conta dela novamente, talvez catalisada pela adrenalina da corrida. Ela se bateu em círculo nas árvores e galhos, na urgência de sair daquele lugar. Seus braços encheram-se de linhas vermelhas e contusões. O pânico tornava inúteis as suas tentativas e os olhos tornaram-se turvos pelo que ela percebeu serem lágrimas. Como fora tola! Mas conseguia lembrar-se do que a levara a afundar-se numa armadilha tão óbvia do destino.
     O desespero atingiu tal ponto, que Tabitha jogou-se nos primeiros braços que avistou, implorando que lhe tirassem de lá. Seu orgulho nem mesmo chegou a manifestar-se enquanto Pedro a carregava no colo e seus pulmões só voltaram à tranquilidade depois que ele a sentou na grama na orla do bosque, em frente a uma imensa e verdejante pradaria. Mesmo a estonteante vista só se fez notar por seus olhos de maneira digna depois de muitas respirações profundas e algumas lágrimas enxugadas.
     Um imenso tapete macio e ondulado se estendia aos seus pés e cobria o chão até onde a vista se perdia. As cores todas brilhavam como a pele de uma cobra e pareciam vibrar como se tivessem vida própria. Os olhos de Tabitha grudaram no horizonte e ela torceu as mãos, como que para desfazer o nó que se formava em sua garganta. 
     "Droga." pensou, o orgulho reclamando como o rangido de uma porta. "A cumplicidade é uma coisa engraçada: não pode ser forçada, não pode ser evitada..." Resignou-se.
     Olhou de canto para o rapaz ao seu lado. Ele encarava a paisagem com extraordinária calma, parecendo não notar a presença dela. Sua atenção voltou-se, porém, de maneira imediata quando ela disse:
     "Obrigada. Claustrofobia."
     "Sem problemas. Mim Pedro." satirizou ele, referindo-se à incrível articulação verbal na fala de Tabitha. No que a moça fechou a cara, completou:
     "Ora, tenha um pouco de senso de humor! Você quase me matou de porrada a menos de cinco minutos e eu não estou fazendo drama nenhum!"
     "Eu te bati?" Exclamou a menina, com espanto. Possuía a memória de simplesmente deixar-se levar. "Me... Desculpe." Balbuciou ela, com sinceridade. Numa outra situação teria ficado satisfeita por distribuir tabefes no seu pretendente, mas começava a achar que ele talvez não fosse um paspalho com merda na cabeça, afinal de contas.
     Pedro riu, simpático. "Claustrofobia, então, hum?" disse "Não se preocupe, você tem mais amiguinhos pelo mundo do que imagina. " brincou ele, olhando-a de um jeito divertido.
     Tabitha riu, percebendo meio a contragosto que sua antipatia era, aos poucos, substituída por um afeto delicado. Conversaram longamente. O sol não mostrava sinais de mover-se através do céu e, mesmo tendo a sensação de que horas haviam se passado, a garota não notou qualquer mudança na luz.
     "Onde estamos?" perguntou-lhe, interrompendo o primeiro silêncio que se formava entre eles. Pedro olhou ao redor, franzindo o cenho.
     "Não tenho a mais pálida noção." respondeu. "Venho aqui desde criança, mas nunca encontrei ningupem por esses lados. Deve ficar em algum lugar depois do bosque da minha casa, mas não sei precisar: só encontro quando me perco."
     "Há algo que eu percebi: o tempo aqui não passa." denotou ela, e ele assentiu com a cabeça.
     Tabitha fechou os olhos e tentou lembrar do caminho que os levara até ali, mas suas lembranças eram um borrão. Ela enrubesceu ao pensar no ataque de pânico e em como ele a salvara e decidiu agradecer de alguma forma. Lembrou do saco de caramelos que trouxera de casa e resgatou-os de dentro do corpete.
     "Escuta, obrigada pelo que fez por mim, por me trazer aqui. eu te julguei mal. Me desculpe." disse ela, o remorso cutucando sua voz. "Tome, eu trouxe de casa. Deixe-me agradecer de algum jeito." Estendeu a  sacolinha para o rapaz. Os olhos dele brilharam e um sorriso tomou novamente o seu rosto.
     "Caramelos!" disse ele, com alegria indiscreta. "Eu AMO caramelos! Mas olhe, não precisa se desculpar. Agora somos amigos, certo?" completou, animando-se ainda mais quando ela assentiu. "Bem, guarde esse tesouro pra depois, que eu tenho aqui comigo uma coisa que vai deixar os doces ainda melhores."
     Pedro tirou do próprio bolso um embrulho e pôs diante dela, abrindo com cuidado. Dentro, Tabitha pôde ver uma espécie de farinha de folhas amassadas a minuciosamente picotadas.
     "Você realmente vai comer isso?" Perguntou ela, desconfiada.
     "Você verá." disse ele, misterioso."Agora cheire." 
     Ela aproximou o nariz e o aroma que sentiu era totalmente desconhecido.
     "Esquisito." riu ela "Acho que vou gostar, cara."
     "Você não sabe o quanto." respondeu o rapaz.
     A tarde resumiu-se ao início de uma nova amizade e ao fim dos caramelos de Tabitha.
     "Realmente," refletiu ela "nada é o que parece." E sorriu, pensando ser a coisa mais genial do mundo.